Categories: Economia

O futuro do dólar, por Delfim

Do Valor

Os EUA e o dólar agonizam?

Antonio Delfim Netto
08/02/2011

Uma das mais graves consequências da recente crise mundial é que o dólar americano perdeu boa parte de sua credibilidade como âncora do sistema financeiro internacional. Apesar de ainda ser a moeda (unidade de conta) de 4/5 transações de ativos de toda natureza (bens e serviços financeiros) e de ser largamente dominante no estoque de reserva dos países, ele assiste a um progressivo desgaste do seu papel como referência para todas as outras moedas. Não é a primeira vez que isso acontece. No gráfico abaixo, são particularmente visíveis as desvalorizações nos anos 70 do século passado quando os EUA abandonaram o padrão ouro, na segunda metade do fim dos anos 80 e a partir de 2001. Nos dois primeiros episódios houve uma recuperação posterior do valor do dólar. A dúvida é sobre o que vamos assistir no futuro. 

QuanQuando se leva em conta o passado dos EUA, o anúncio da morte do dólar parece um pouco prematura. Tal passado foi resumido no artigo de Barack Obama, no “Wall Street Journal” de 18 de janeiro de 2011: “Durante dois séculos, a economia do livre mercado nos EUA não foi apenas a fonte de ideias maravilhosas e produtos revolucionários mas, também, a da prosperidade do mundo como o conhecemos. Esse vibrante empreendedorismo é a chave da continuada liderança e sucesso do nosso povo.” O seu artigo soou como um pedido de paz de Obama ao setor privado real da economia que ele tratou muito mal desde o início do seu mandato, quando protegeu o setor financeiro e salvou os que produziram a tragédia e continuaram recebendo gordos bônus, à custa de déficits que serão pagos pelos futuros cidadãos. No fim, desempregou mais de 15 milhões de trabalhadores que ganhavam a vida honestamente. A resposta do setor produtivo às exigências do esquerdismo pirotécnico, que alimentou o início de seu governo, foi deixar em caixa (logo não investindo e não gerando emprego) mais de US$ 2 trilhões. E a vingança dos que perderam o emprego foi tirar-lhe, nas urnas, a maioria na Câmara dos Deputados e diminuí-la no Senado. A promessa principal do artigo (anunciada numa espécie de medida provisória – a “Executive Order”) é de reequilibrar o jogo com medidas que “atendam os mesmos objetivos, mas sejam menos intrusivas e comparem cuidadosamente a relação entre custos e benefícios”.

O ponto importante é entender como ele pretende fazê-lo. Nas suas próprias palavras, usando mais conhecimento de “experts”, de homens de negócios e de cidadãos comuns, que está incorporando ao seu governo. Neste início do seu terceiro ano de mandato devolveu à Academia seus “cientistas” e aos mercados financeiro e político, a duvidosa tralha que deles importou e incorporou à Casa Branca e afinal o induziram ao erro.

As pazes de Obama com o mais poderoso, mais imaginativo e mais bem equipado setor econômico real do mundo, já “ameaçam” um crescimento entre 3,5% e 4% dos EUA em 2011. Resultado, talvez, da superação das restrições que lhe fazia a U.S.Chamber of Commerce em resposta à sua agressiva e arrogante política de ataque à indústria. A probabilidade daquele crescimento acontecer está aumentando com a própria expectativa de que acontecerá, como alguns indicadores estão sugerindo. É possível que se assista, então, a uma repetição dos episódios anteriores: depois de alguns anos, uma valorização do dólar, como se vê no gráfico. 

Depois da tragédia de 2009 estamos assistindo aos mesmos fenômenos das crises anteriores: uma taxa de juros próxima de zero e uma expectativa de desvalorização do dólar que estão produzindo uma verdadeira “fuga de capitais” dos EUA, complicando a política econômica de todos os países e “contaminando” as suas taxas de inflação. Da mesma forma que aconteceu nos episódios anteriores, para prevenir a valorização de suas moedas, os seus bancos centrais compram dólares ou limitam a sua entrada. O problema é que a situação de hoje é mais grave. A sofisticação dos mercados financeiros tornou o próprio dólar uma mercadoria! Todos os agentes passaram a utilizar os mercados futuros (inclusive os de moedas) para se proteger ou simplesmente especular! A tremenda alavancagem permitida pela baixíssima taxa de juros e a especulação nos mercados futuros de “commodities”, não apenas acentuam os efeitos inflacionários da política monetária americana como podem constituir-se numa “pílula de veneno” para os mercados emergentes. Não parece prudente, portanto, no planejamento da nossa política econômica, acreditar na morte do dólar.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP e ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

E-mail contatodelfimnetto@terra.com.br 

Luis Nassif

Luis Nassif

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