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O termômetro imperfeito da alta de preços

Do Estadão

Termômetro imperfeito

José Paulo Kupfer

Não há projeção disponível abaixo de 0,45% para a variação do IPCA, em março. Logo, é muito improvável que o índice, com previsão de divulgação pelo IBGE nesta quarta-feira, não leve a inflação acumulada em 12 meses a ultrapassar o teto da meta. Mesmo previsível há um bom tempo, o evento, se confirmado, realimentará sensibilidades, elevando o tom das críticas à condução da política econômica.

Pode-se imaginar que, nesse ambiente, cobranças dirigidas à política monetária – que, em particular, já está no centro dessas críticas –, ganhariam eletricidade adicional. Os mercados de juros, realmente, apresentaram, nos últimos dias, agitação acima do normal e volatilidade mais intensa, balançando ao sabor de declarações de autoridades da área econômica, as quais, por sua vez, têm se tornado mais frequentes do que o habitual.

A proximidade da reunião de abril do Comitê de Política Monetária (Copom), marcada para a semana que vem, concorre para deixar o ambiente mais carregado. Não é à toa que cresceram as argumentações – e as apostas – na linha de que um novo ciclo de altas nos juros deve ter início já agora, se bem que, de acordo com o boletim “Focus” desta segunda-feira, a maior parte dos analistas ainda acredita que a partida será dada em maio.

Pintou, resumindo, um clima de que inflação poderia estar no limiar da perda de controle. Embora inflação seja um conceito que reflete alta continuada de preços e não necessariamente preço alto, aumentos fortes no varejo, com destaque para produtos de grande visibilidade – ainda que de pequeno impacto nos índices –, caso, por exemplo, do tomate, que, nas últimas semanas, chegou a custar mais do que carne bovina, ampliaram a percepção de que as coisas com a inflação estariam mal paradas.

Um elemento em especial, que passou a ocupar lugar de destaque nas avaliações do Banco Central, presente tanto nas últimas atas das reuniões do Copom quanto nos Relatórios de Inflação, parece dar sustentação a essas percepções. Trata-se do índice de difusão de preços, que, como diz o nome, registra a proporção de itens com variação positiva de preços no conjunto do IPCA e, assim, pretenderia apontar o quanto as altas estão disseminadas.

É fato que, de pouco mais de 60%, em meados de 2012, o índice escalou até 75%, em janeiro de 2013 – a maior disseminação de altas de preços desde janeiro de 2003, quando 90% dos componentes do IPCA registraram elevação de preço. Ou seja, em janeiro e com ligeira queda em fevereiro e no IPCA-15 de março, três de cada quatro itens apresentaram alta de preço. Tendo o índice de difusão como carro-chefe de suas críticas, analistas que consideram “leniente” o atual comportamento do BC em relação à marcha da inflação, deram a entender que estavam de posse de um argumento irrefutável.

Ocorre que o índice de difusão, por suas próprias características, é um termômetro imperfeito da disseminação de altas no IPCA. Ele é um indicador binário, do tipo que responde “sim ou não” à indagação se um item do IPCA apresentou aumento de preço. Sem, portanto, qualificá-lo devidamente – verificar, por exemplo, se os aumentos foram pequenos ou grandes, ponderar as altas pelo peso dos itens no conjunto, averiguar as distribuições de frequência das altas etc. – o índice de difusão de preços pode levar a enganos, parecendo ser o que não é.

O economista-chefe da consultoria LCA, Bráulio Borges, dá um exemplo de como o índice de difusão pode levar a enganos na análise das tendências de inflação. “Imagine que dos 365 itens do IPCA, 364 tiveram aumento de 0,01%”, começa ele. “A inflação terá sido de 0,01%, mas o índice de difusão alcançaria 99,7%”. No caso concreto do IPCA-15, de março, os aumentos de preço em metade dos itens não passaram de 0,5% e dois terços deles registraram elevações não superiores a 1%.

Analisando por diferentes métricas a dispersão de preços no IPCA-15 de março, a economista Andréa Bastos Damico, do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco, chegou à conclusão de que a aceleração do índice de difusão, em relação ao IPCA cheio de fevereiro, é explicada por altas inferiores a 0,05%. “O cenário para a inflação de curto prazo”, diz Andréa Damico, a partir dos estudos que elaborou, “seria um pouco menos preocupante do que o sugerido pela aceleração recente do índice de difusão”.

Está certo que a percepção de que a inflação avança ajuda a fazer a inflação avançar – e um índice de difusão de preços gordo opera nessa direção. Mas, a verdade é que os núcleos de inflação, muito melhores indicadores do que se passa com os preços do que o índice de difusão, estão mostrando tendência de recuo para os próximos meses.

Luis Nassif

Luis Nassif

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