Estudo analisa mulheres e negras na educação brasileira

Jornal GGN – Um projeto desenvolvido entre 2014 e 2016 trouxe para o debate as políticas educacionais no Brasil para a questão do gênero, com apoio do Comitê da América Latina e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), da Comunicação em Sexualidade ECOS e do Geledés, Instituto da Mulher Negra.
Uma compilação de artigos aprofunda o desafio da educação e gênero no Brasil, a agenda para as políticas educacionais, o contexto histórico das propostas políticas já ou não implementadas, as mulheres negras na sociedade civil e no campo acadêmico, e como a ONU analisa a educação brasileira.
A seguir, a descrição dos artigos, reprodução de trecho da apresentação do documento:
Com o objetivo de tornar conhecidos os propósitos e as ações do Projeto Gênero e Educação, a Introdução deste livro apresenta as principais contribuições e o potencial articulador da iniciativa em um contexto político bastante desafiante do país. Contexto no qual a questão de gênero vem sendo objeto de disputas acirradas com grupos religiosos fundamentalistas e com outros grupos contrários às agendas de direitos humanos – como o movimento Escola Sem Partido – no processo de tramitação e implementação dos planos de educação nacional, estaduais e municipais e no cotidiano de muitas escolas públicas do país.
Em seguida, Denise Carreira aborda no artigo Informe Brasil – Gê- nero e Educação: da Conae às Diretrizes Nacionais, as principais recomendações e desdobramentos deste que foi o documento base do Projeto. Elaborado em 2011 e atualizado em 2013, sob responsabilidade da Ação Educativa, o Informe foi desenvolvido no marco da Campanha por uma Educação Não Sexista e Antidiscriminatória, coordenada pelo CLADEM.
Apresentado em 2011 ao Congresso Nacional e no mesmo ano em audiência pública à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), o Informe foi atualizado em 2013 e constituiu uma das principais referências para os debates ocorridos no processo que culminou na segunda Conferência Nacional de Educação (CONAE), realizada em novembro de 2014, em Brasília/ DF. Com base na incidência política articulada de vários movimentos sociais, a CONAE 2014 deliberou a favor da construção de Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação, Gênero e Diversidade Sexual, uma das principais recomendações do Informe.
No artigo Contribuições da produção acadêmica sobre gênero nas políticas educacionais: elementos para repensar a agenda, Sandra Unbehaum e Cláudia Vianna apresentam um balanço crítico sobre a agenda de gênero nas políticas educacionais brasileiras, tendo por base a produção acadêmica desenvolvida sobre esse tema entre 2000 e 2015.
O material examinado contempla 102 produções acadêmicas dedicadas (artigos, dissertações de mestrado ou teses de doutorado), das quais 95 foram divulgadas a partir de 2001 (Vianna, 2011). Dessas, 34 foram elaboradas entre 2007 e 2009 e 31 entre 2010 e 2015. No texto, é identificado o crescimento da pesquisa acadêmica sobre a temática de gênero e da diversidade sexual nas políticas públicas de educação, sobretudo a partir de 2008. As autoras retomam as recomendações do Informe Gênero e Educação (2011, 2013), para discuti-las com base nos achados do balanço crítico sobre a produção acadêmica.
No artigo Mulheres negras na educação: desafios para a sociedade brasileira, Suelaine Carneiro aborda a participação das mulheres negras no sistema de ensino. A autora trata das desigualdades educacionais entre as mulheres brasileiras, identificadas como um dos desafios da agenda de gênero no Informe Brasil – Gênero e Educação, em especial as desigualdades que impactam a trajetória educacional das mulheres negras, decorrentes do racismo.
É apresentado um levantamento da produção de informações e de conhecimentos sobre mulheres negras na educação desenvolvida nas últimas décadas por universidades e organizações da sociedade civil. Partindo do reconhecimento da atuação do movimento de mulheres e homens negros ao longo da história brasileira – no qual a educação sempre ocupou um lugar de destaque –, identifica-se que a produção sobre mulheres negras e educação avançou timidamente nos anos de 1990 e ganhou fôlego a partir de 2003. De forma crítica, a autora observa que tal produção, comprometida com uma abordagem interseccional entre gênero e raça, ainda está pouco refletida nos periódicos de educação e, inclusive, nos periódicos acadêmicos com foco em estudos de gênero e feminismo.
No artigo A educação brasileira na ONU: temas e debates nos relató- rios do Brasil ao Comitê CEDAW, Ingrid Leão trata das ações a favor do direito à educação indicadas à ONU pelo Brasil, com atenção a educa- ção de meninas e mulheres. O Comitê CEDAW é instância da ONU responsável por acompanhar a implementação dos direitos humanos das mulheres à luz da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – CEDAW (sigla em inglês), aprovada em 1979.
O levantamento teve como referência as informações prestadas pelo Estado brasileiro nos relatórios oficiais ao Comitê CEDAW no período de 2003 a 2012. Em consonância com o Informe Brasil – Gênero e Educação (2011, 2013) e com base na análise desses relatórios, a autora apresenta as mudanças ocorridas nas políticas educacionais nas últimas décadas e chama a atenção para a necessidade que a agenda da igualdade de gênero na educação seja abordada pelo governo brasileiro em sua complexidade, como políticas de gênero, indo além de políticas limitadas às mulheres e referenciadas no maior acesso e no melhor desempenho delas na escolarização.
No último artigo desta publicação, Sylvia Cavasin retoma a experiência da Rede de Gênero e Educação em Sexualidade (REGES), rede de advocacy impulsionada com o objetivo de sensibilizar universidades, organizações da sociedade civil e órgãos governamentais sobre a importância da inclusão da educação em sexualidade na perspectiva das relações de gênero nos currículos de formação inicial de professoras e professores.
Como esforço de uma organização de sociedade civil, a REGES foi criada em 2009 pela ECOS – Comunicação em Sexualidade, com o apoio da Fundação Ford, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Teve como base a pesquisa As Políticas de Educação em Sexualidade no Brasil 2003 a 2008, desenvolvida pela ECOS. No artigo, a autora destaca a importância do fortalecimento da REGES visando a manutenção das conquistas das últimas décadas em educação em sexualidade.
Considerando todos os desafios colocados neste momento político, mais do que nunca, as organizações coeditoras desta publicação ressaltam a necessidade estratégica de aproveitar o momento conflitivo e polêmico de disputa de projeto de sociedade que o país atravessa para ampliar e pluralizar a roda de debates e fortalecer as alianças políticas em prol da igualdade de gênero nas políticas educacionais, traduzindo seus impactos no cotidiano das escolas e da vida em sociedade. É fundamental construir e atravessar “pontes”, além de somar forças com todas e todos aqueles comprometidos com democracia, justiça social e direitos humanos no país.

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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