Não foi o Nordeste, foi o Brasil!, por Ana Fonseca

O noticiário dos principais veículos da grande imprensa brasileira sobre as eleições presidenciais tem uma narrativa clara: as eleições presidenciais de 2014 foram um mundo de baixarias e o Nordeste, tutelado pelo Bolsa Família, é o responsável pela reeleição de Dilma Rousseff. Conclusão, o Brasil está dividido como resultado de um processo eleitoral agressivo e nefasto, certo? Errado.

Não escrevo como nordestina e brasileira que sou e muitos sabem. Sou cearense, falo manso e minha peixeira é feita de argumentos. Escrevo por saber que toda narrativa é uma construção e um campo de disputa política. Não existe narrativa inocente. A narrativa vencedora se cristaliza e vira história.

Na noite do dia 26/10, em especial, os ânimos estavam exaltados.  Assisti brigas na rua e agressões verbais. Algumas vozes diziam: volta para o Nordeste e fica lá com o Bolsa-Família.  Outros retrucavam: eu vou é pra Minas, ganhamos na terra dele. O Nordeste é o atraso. Lá não falta água, imbecil. Vai chorar na Cantareira fio duma égua.  Vou ficar em São Paulo em missão civilizatória.

Foram muitos e variados os bate-bocas.

No entanto, reduzir estas eleições presidenciais à agressividade, desqualificar eleitores por sua localização geográfica, afirmar que é baixaria questionar o nepotismo, violência contra a mulher ou improbidades administrativas de candidatos é tentar fazer de conta que essas questões não são de interesse do eleitor. Carimbar esses “ataques” como algo de cunho pessoal em vez de político, sugere uma leitura inteiramente enviesada do processo real de disputa político eleitoral recém-concluído.

Nessa eleição foram discutidos temas incomuns como independência do Banco Central, reforma política associada à corrupção e financiamento público das campanhas. Houve debate sobre a criminalização da homofobia, modelos econômicos que incentivam o emprego e a renda, que combatem a inflação, retomam o crescimento econômico, política externa e seus diferentes alinhamentos, etc. As políticas sociais – Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida, Mais Médicos, Pronatec, Prouni, dentre outras – pautaram os debates com uma intensidade e frequência jamais vistas em outros pleitos.

Em suma, foi uma campanha com elevado nível de politização de temas de interesse nacional e da relação do Brasil com o mundo. Não pode ser reduzida à agressividade e ao suposto atraso do Nordeste.  Eram dois projetos em renhida disputa.

No 2º turno assistimos o engajamento de intelectuais e personalidades públicas para impedir que o projeto do adversário de Dilma Rousseff fosse vencedor. Os pronunciamentos, no TUCA, de Luiz Bresser Pereira, Roberto Amaral e do candidato ao governo de São Paulo pelo PSOL, a presença do Chico de Oliveira naquele teatro, as declarações do Chico Alencar, Jean Wyllys, a atuação discreta de Luiza Erundina e os depoimentos de tantos artistas revelam que a militância de esquerda, petista e outras, voltaram às ruas, promoveram debates e atuaram  intensamente nas redes sociais. A  alegria da juventude presente em inúmeros atividades desanca a ideia de que os jovens não se interessam por política e de quebra deram  um toque especial à disputa. Foi uma eleição mobilizadora. 

Sobre os números dessa eleição, pedi o apoio de Roberto Xavier, sociólogo por formação e vocação, que é um ás em bases de dados e em bem inquirir os números com suas boas perguntas.  Queria saber da participação do Sudeste (SE) nessa eleição, pois em relação aos eleitores e eleitoras do Nordeste (NE) está em curso uma narrativa para desqualificar os 20,2 milhões de votos obtidos pela candidatura Dilma Rousseff no segundo turno.

Mas a comparação com a votação da candidata do PT na região Sudeste (19,9 milhões de votos no 2º turno) revela um “empate técnico, na margem de erro”, para saudarmos o bom humor: apenas 300 mil votos de diferença para os eleitores dilmistas do Nordeste. A região (SE) contribuiu com 36,4% dos 54,5 milhões de votos que deram a reeleição à presidenta Dilma. Com destaque para o Estado de São Paulo (15,6%), Minas Gerais (11%) e Rio de Janeiro (8,2%). Já a região Sul participou com 12,4% dos votos (6,8 milhões).  Assim, as duas regiões (SE e SUL) participaram com 48,8% dos votos obtidos pela candidata no segundo turno.  

As regiões Centro-Oeste (3,3 milhões) e Norte (4,5 milhões) participaram com 6,0% e 8,2%, respectivamente. O percentual de participação das regiões Sudeste, Sul, Centro Oeste e Norte na composição final dos votos pela reeleição foi de 63,6%. Conclusão: a grande maioria dos votos totais recebidos pela candidata do PT vieram dessas regiões, não vieram do NE. O país não está dividido territorialmente, como faz crer o noticiário dos grandes veículos de imprensa.

Os votos dos brasileiros e brasileiras definiram um caminho para o Brasil para os próximos 4 anos. Foi uma disputa com um resultado apertado (inferior a 4%), mas não é razoável desmerece-la. Ao contrário, as lições das ruas e das urnas apontam para um amadurecimento da democracia brasileira, a consolidação de um patamar mais elevado da cidadania, eleitores mais críticos e ciosos de seus direitos, em ambos os lados.

À candidata reeleita fica posta a imperiosa necessidade de avançar e consolidar ainda melhores resultados.  

ANA FONSECA, 63, é pesquisadora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), membro da Plataforma Politica Social. Foi Secretária Executiva do Programa Bolsa-Família (2003), Secretária Executiva do MDS (2004)  e Secretaria Extraordinária para a Superação da Extrema Pobreza (2011)

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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    • Truculento se fazendo de vítima

      Onde estava Aloysio, O Indignado, quando seus seguidores xingaram a Presidenta da República em estádio de futebol durante evento de repercussão mundial? Ou quando ofenderam Lula de crime sexual? Ou quando condenaram sem provas e desrespeitando direitos básicos dos acusados, desrespeito que ensejará a condenação do Brasil em cortes internacionais, acusados na AP 470? Onde estava Aloysio, O Indignado, quando quando Veja, assentada em calúnia contra Dilma e Lula, tentou interferir criminosamente nas eleições? Provavelmente, açulando seus seguidores e tentando tirar proveito das infâmias.

      Aloysio, O Indignado, é um mentiroso, covardão que ofende jornalista por saber-se protegido por seguranças. Faz lembrar Bezerra da Silva, nordestino, que canta (fiz pequenas modificações): "Você, atrás de um segurança é um bicho feroz, feroz/ sem ele, vive rebolando e até muda de voz".

      O truculento se fazendo de vítima, acredite se quiser.

       

      Bicho Feroz

    • rsrs. Vcs perderam. Parece

      rsrs. Vcs perderam. Parece ateh o Eurico Mirando reclamando depois da eliminacao do Vasco rsrsrrs. Faz parte...o choro eh livre!

       

       

  • A visão que está sendo
    A visão que está sendo propalada é distorcida, já que um estado com seu peso eleitoral, distorceu a eleição. Esse estado foi São Paulo.

    • A arte do governador!

      O governo de S.Paulo, com sua incompetência, fornece aos paulistas a água do volume morto. Verdadeiro artista, pois ao fazê-lo, levou a escuridão às mentes do povo. Povo esse, que na sua grande maioria, não conseguiu vislumbrar a luz que os libertaria!   Lamentável! 

  • Comentário do 247 a propósito

    Comentário do 247 a propósito da reprimenda do Hulk ao Demétrio. Acrescento à relação de nordestinos ilustres Vavá, Marinho (lateral) e, obviamente, Hulk.

    Henrique 29.10.2014 às 21:27

    O Brasil sem o Nordeste - - - Adonias Filho, Afrânio Peixoto, Alberto Nepomuceno, Alceu Valença, Alcione, Antonio Band eira, Anísio Teixeira, Ademilde Fonseca, Aderbal Freire Filho, Ariano Suassuna, Ascenso Ferreira, Assis Valente, Augusto dos Anjos, Aurélio Buarque de Hollanda, Austregésilo de Athayde, Barbosa Lima Sobrinho, Batatinha, Belchior, Bezerra da Silva, Câmara Cascudo, Capiba, Capinan, Capistrano de Abreu, Carlos Castello Branco, Carlos Marighela, Castro Alves, Catulo da Paixão Cearense, Celso Furtado, Chacrinha, Chico Anysio, Chico César, Chico Science, Cícero Dias, Claudionor Germano, Coelho Neto, Cussy de Almeida, Daniela Mercury, Daúde, Delmiro Gouveia, Dias Gomes, Djavan, Dom Helder Câmara, Dominguinhos, Dorival Caymmi, Elba Ramalho, Eleazar de Carvalho, Ellen de Lima, Elomar, Emanoel Araújo, Epitácio Pessoa, Evaldo Cabral de Mello, Evandro Lins e Silva, Evanildo Bechara, Ferreira Gullar, Fortuna, Francisco Brennand, Francisco Julião, Frei Caneca, Gal Costa, Genival Lacerda, Geraldo Azevedo, Geraldo Vandré, Gilberto Freyre, Gilberto Gil, Gilvan Samico, Giocondo Dias, Glauber Rocha, Gordurinha, Gonçalves Dias, Graça Aranha, Graciliano Ramos, Gregório de Matos, Guel Arraes, Helonieda Studart, Henrique Dias, Heraldo do Monte, Herbert Viana, Hermeto Paschoal, Hermilo Borba Filho, Humberto Teixeira, Ivete Sangalo, K-Ximbinho, Jacques Klein, J. Borges, Jackson do Pandeiro, Jararaca, João Cabral de Melo Netto, João Câmara, João do Vale, João Gilberto, João Ubaldo Ribeiro, Joaquim Cardozo, Joãosinho Trinta, Joel Silveira, Jorge Amado, Jorge de Lima, José Américo de Almeida, José Condé, José de Alencar, José Dumont, José Ermírio de Moraes, José Lins do Rego, José Wilker, Josué de Castro, Josué Montello, Lázaro Ramos, Lêdo Ivo, Lula, Luís Americano, Luís Viana Filho, Luiza Erundina, Luiz Bandeira, Luiz Carlos Barreto, Luiz Gonzaga, Luperce Miranda, Manezinho Araújo, Mano Décio da Viola, Manuel Bandeira, Marco Nanini, Maria Bethânia, Mário Cravo Neto, Marlos Nobre, Mestre Vitalino, Miguel Arraes, Moacir Santos, Naná Vasconcelos, Nelson Ferreira, Nelson Rodrigues, Nise da Silveira, Odylo Costa, Patativa do Assaré, Paulo Freire, Pedro Américo, Rachel de Queiroz, Raul Seixas, Riachão, Rildo Hora, Rui Barbosa, Santa Rosa, Severino Araújo, Sílvio Romero, Sivuca, Solano Trindade, Sousândrade, Tobias Barreto, Torquato Neto, Turíbio Santos, Waldick Soriano, Wally Salomão, Walter Santos, Walter Wanderley, Zagalo, Zé Dantas, Zé da Velha, Zé do Norte, Zé Ramalho, Zé Trindade. - - - - - - - - Todos nordestinos. Dá para imaginar o Brasil sem eles? Obrigado e meu abraço de um cidadão brasileiro ao BRAVO POVO NORDESTINO. Precisamos muito de vocês.

  • Isso tudo que os colunistas

    Isso tudo que os colunistas amestrados andam dizendo pela mídia é para esconder o fato de que o PSDB não podia apresentar de peito aberto o seu programa de governo: redução do estado para cortar os investimentos nas áreas sociais; aumento do desemprego e dos juros para diminuir a inflação e beneficiar os rentistas; reduzir a participação dos investimentos públicos para beneficiar as grandes empresas; desestimular a indústria nacional para beneficiar as multinacionais; privatizar a Petrobrás e os bancos públicos para beneficiar os bancos e petroleiras internacionais; e aderir à ALCA para beneficiar as empresas estadunidenses nas compras governamentais. O problemas é que, apesar da mídia tentar escondê-lo, a maioria dos eleitores já o conhecia ou tomou conhecimento dele, e o rejeitou nos urnas. O resto, como diria o poeta, "é o luar de Paquetá".

  • Bovinos

    Hoje, a escola forma analfabetos políticos funcionais, gente que decodifica o discurso político mas que não consegue interpretá-lo. Ironicamente, é precisamente essa a gente que tem o comportamento bovino atribuído por Mainardi aos eleitores de Dilma, os nordestinos em particular. Essa gente, os analfabetos políticos funcionais, é capaz de ler o que Mainardi, por exemplo, escreve, mas incapaz de interpretar criticamente o que ele diz. São os seguidores de Mainardi os que têm comportamento bovino e do qual Mainardi se aproveita para viver (dizem que bem)

    Analfabetos políticos funcionais confundem posicionamento político com torcida. Escolhem um partido político com base em preconceito, ouvir dizer, medos e motivações inconscientes e torcem, torcem, torcem cegamente como o faz torcedor de time de futebol. Os xingamentos de que Dilma foi vítima em campo de futebol são emblemáticos por isso, afinal, Dilma é do outro time. Igualmente a votação retumbante concedida a Alckmin em São Paulo, não obstante a crise hídrica sem precedentes por que passa o estado; as denúncias abafadas de corrupção no governo paulista que espocaram na Suíça(!); as enchentes crônicas em Sampa, jamais solucionadas; a poluição vergonhosa dos rios do estado. O torcedor paulista, mesmo assim, reelegeu Alckmin com votação espetacular pois Alckmin é do time. Os analfabetos políticos funcionais paulistas seguiram bovinamente (crédito a Diogo Mainardi) os mandamentos de Veja, Folha, Estadão e, até, do Globo, que é do Rio, e votaram contra os próprios interesses (Alckmin deve estar gargalhando). Torcedor bovino torce pelo time em qualquer circunstância, é  “fiel”, como a torcida do Corinthians, mesmo que isto implique em ficar contra si próprio.

  • A distorção realmente veio de São Paulo...

    Concordo com AZZISEM, pois só São Paulo deu 15 milhões de votos a Aécio e 8 milhões à Dilma.  Observem que se tivessem dado 17 milhões à Aécio e 6 milhões à Dilma, mudariam totalmente o resultado da eleição.  Aí sim teríamos consolidada uma distorção na eleição, onde o maior colégio eleitoral do Brasil decidiria, sozinho, quem deveria ser o novo Presidente.

    Sob outra ótica, analisando as 5 regiões, percebo que a única região que fez sua escolha foi o Nordeste (escolheu claramente Dilma).  Vejam o Sul, Sudeste, Centro-oeste e Norte.  Nenhum destes estados decidiu claramente quem queria que fosse o Presidente.  Sudeste e Sul tinham 62 milhões de votos (58,7%), mas nenhum dos dois decidiu, com clareza, por Dilma ou Aécio, visto que nenhum deles atingiu sequer os 60% de votos para Aécio.  Isto demonstrou claramente que, apesar da expressiva votação de Aécio, Dilma teve significativa aprovação nessas regiões.  Não se trata apenas de Bolsa Família, como tantos inssistem em afirmar, os governos de Lula e Dilma investiram massisamente no Nordeste para compensar dezenas de anos de descaso com essa região.  Quem conhece o povo daqui sabe como o Nordestino é trabalhador (pau pra toda obra).  É um povo criativo e calejado que, além de grande capacidade de se adaptar às mudanças do mundo globalizado, é persistente e resiliente (não desiste nunca).  Quando digo isso, é com conhecimento de causa que afirmo.  Apesar de ter nascido em Santa Catarina, vivo aqui à 17 anos e vi, de perto, como o nordeste está mudando.  O Nordeste votou em Dilma pois não podia e não devia trocar algo Concreto por promessas de campanha de quem nunca investiu um tostão por aqui.  Creio que o Sul ou o Sudeste não fariam diferente de nós.

  • Quem elegeu

    De fato, quem elegeu Dilma foi o Brasil. Mas, verdade seja dita, quem elegeu o Collor (mais 70% dos votos) foi São Paulo, assim como Maluf, Ademar de Barros ("roubo mas faço"), Tiririca....

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