Entenda

A polêmica do déficit zero, por Carlos Frederico Alverga

A polêmica do déficit zero

por Carlos Frederico Alverga

O Direito Financeiro (disciplina que engloba a receita, a despesa, o crédito e a dívida públicos), na abordagem jurídica, corresponde, aproximadamente, às Finanças Públicas na abordagem econômica, sendo que, para ambas as abordagens, jurídica e econômica, é fundamental a observância das regras da Administração Financeira e Orçamentária.

No orçamento público, além da clássica divisão entre receitas e despesas correntes e de capital, existe também a importante classificação entre receitas e despesas não financeiras (orçamento não financeiro ou primário) e receitas e despesas financeiras (orçamento financeiro, que abrange o serviço da dívida pública, ou seja, a soma das amortizações, que são o reembolso do principal e mais os juros, que são a remuneração do capital aplicado). Desta forma, há uma competição entre os 2 tipos de orçamento, o financeiro e o não financeiro, pelos recursos públicos que constam da lei orçamentária.

O orçamento não financeiro é aquele utilizado para honrar as despesas tais como as da previdência social, de pessoal e encargos sociais, do custeio em geral e do financiamento dos gastos com as políticas sociais, tais como saúde, educação, transporte público, habitação popular enfim, políticas públicas que contemplam o atendimento dos direitos sociais da população, tais como definidos no artigo sexto da Constituição Federal de 88, o que inclui também a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados.

O orçamento financeiro representa os dispêndios do Governo Federal (da União) com a remuneração do capital aplicado nos títulos da dívida pública por investidores (inclusive a classe média, por intermédio dos fundos de investimentos) e bancos e instituições financeiras, ou seja, os juros (despesas correntes) e mais as amortizações da dívida pública (reembolsos do principal, que são despesas de capital).

A questão do superávit primário, elemento central da política fiscal do Governo Federal, consiste exatamente na economia de recursos feita no orçamento não financeiro/primário, aquele das políticas sociais, incluindo a previdência social, para pagar os compromissos do orçamento financeiro da dívida pública. Ou seja, é dinheiro que deixa de ser gasto com saúde, educação, transporte público, habitação popular etc, para ser despendido com os juros e amortizações da dívida pública dos rentistas brasileiros. Era nisso que consistia o famigerado teto de gastos, era a economia de recursos nos gastos das políticas sociais para despender nas despesas relativas à remuneração dos investidores rentistas da dívida pública. É importante assinalar que o Governo, o Poder Executivo Federal, não tem mais ingerência sobre as duas variáveis macroeconômicas mais importantes, os juros e o câmbio, principalmente a primeira, uma vez que é o patamar da taxa de juros SELIC (Sistema Eletrônico de Liquidação e Custódia) o principal determinante do gasto da União com a conta de juros, que está girando em torno da enormidade de 7% do PIB (cerca de R$ 750 bilhões), isso devido à independência do Banco Central, que retirou da alçada de decisão do Presidente da República o controle das políticas monetária e cambial. A taxa SELIC é o principal indexador da dívida pública da União. O Governo Federal não tem mais controle sobre o nível da taxa de juros, o que é extremamente prejudicial, devido ao enorme impacto fiscal da política monetária. No cômputo do resultado fiscal nominal, a conta de juros tem um peso bastante expressivo.

Uma falácia muto difundida e propagada pela imprensa corporativa é que o maior item de dispêndio do Governo Federal é o da previdência social. O gráfico abaixo desmente essa inverdade.

Observando o gráfico, conclui-se que, na verdade, o maior item de dispêndio do Orçamento da União é o relativo a juros e amortização da dívida com 46,30% do total dos gastos. Se somarmos os percentuais das despesas referentes à previdência social, assistência social, saúde, educação, transferências da União para Estados e Municípios, segurança pública, agricultura, defesa nacional e com a administração, encontraremos o total de 45,92%, menos do que a cifra percentual despendida com a remuneração dos investidores rentistas da dívida pública.

A informação correta é a de que o maior item da despesa pública orçamentária da União é com os juros e amortização da dívida pública, e o maior item da despesa primária/não financeira do Governo Federal é que é com a Previdência Social.

E isto sem contar o fato de que o Executivo Federal não controla os gastos com os juros da dívida, devido à autonomia da Autoridade Monetária nomeada pelo Governo que perdeu as eleições, o que gera uma falta de convergência e de coordenação entre a política monetária do Banco Central e a política fiscal executada pelo Tesouro Nacional, descasamento que pode acarretar o fracasso da política econômica.

Daí fica a pergunta fundamental: num país com 33 milhões de pessoas passando fome e cerca de 220 mil pessoas morando nas ruas, o que é mais importante para a sociedade, despender os recursos públicos com as políticas sociais ou com a remuneração dos investidores rentistas da dívida pública?

Carlos Frederico Alverga: economista graduado na UFRJ, especialista em administração pública pelo Cipad/FGV e em Direito do Trabalho e Crise Econômica pela Universidade de Castilla La Mancha (Espanha) e mestre em Ciência Política pela UnB.

E mail: fredrubino16@gmail.com

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para dicasdepautaggn@gmail.com. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

Redação

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  • O artigo mais desinforma do que consegue elucidar. Amortização de dívida não é gasto! O orçamento é um fluxo de caixa. Prevê a entrada de recursos e como serão dispendidos. O texto passa a impressão de que a receita de impostos é usada para pagar juros e amortizar a dívida, quando na verdade isto se fará por emissão de dívida nova. Se considerarmos apenas os gastos, mesmo incluindo impropriamente os juros da dívida, é evidente que a previdência é o maior gasto.

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