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Jornalista vira casaca e é reprovado no teste da farinha.

Meu pai chegou ao Brasil em 1940, na época da guerra. Era português, foi morar no bairro da Ponte Pequena  em São Paulo, tornou-se palmeirense. Aprendi ser palmeirense com ele.

O Palmeiras é um time tão grande que só perde para ele mesmo, acreditamos. Neste campeonato brasileiro de 2012, por exemplo, perdemos 20 vezes e estamos rebaixados para a 2ª divisão no ano de 2013.

Não tem sido fácil ser palmeirense nos últimos 10 anos, assim como não foi na década de 1980. Mas durante todo o restante foi muito bom. Vinte anos de alegrias e vinte anos de tristezas sucedidos dez a dez. O Palmeiras é um time elevado à potência de dez.

O Palmeiras merece um estudo sociológico do ódio que pode estar contido dentro de um amor compartilhado por tantos e da desunião possível entre aqueles que esse mesmo amor reune.

Campeão da Copa do Brasil e rebaixado no mesmo ano, o Palmeiras é um palco da grandeza e da mesquinhês da alma humana.

É nesse sentido que reproduzo abaixo dois textos que ao tratarem de uma paixão tratam das formas dicotômicas de viver uma paixão. 

O de Denise Fraga poderia ser intitulado “Amor e Salvação” o de Clovis Rossi “Amor e Perdição”.

Nada melhor para exercitar a esperança que ser palmeirense

DENISE FRAGACOLUNISTA DA FOLHA

Eu já andava de olho no Palmeiras quando conheci meu marido. Me apaixonei pelo time, por aquele homem de um metro e noventa gritando de joelhos no tapete da sala e a alma italiana desta cidade que pôs um visgo no meu pé. Sou flamenguista de nascença, mas palmeirense pelo coração. Tive o coração invadido pelo choro de uma criança segurando o jornal quando foi vendido o Leivinha e tive também o Ademir da Guia num porta retrato mantido na estante. O amor e a felicidade de voltar aos estádios louca por um time foram forjando esta nova e legítima palmeirense. Gosto de futebol. Não entendo muito, mas sou mulher que detecta um impedimento. Nosso primeiro rebento já voltou da maternidade com uma miniatura de camisa do Palestra na mala. Foi a primeira de uma progressiva coleção, guardada até hoje pelos dois moleques. Confesso que não foi coisa fácil mantê-los torcedores. Na última década, nosso time nos exigiu grandes demonstrações de fidelidade. Gostaria até de agradecer aqui ao Goiás e ao Guarani que, com suas camisas verdes, nos emprestaram alguns gols na terrível campanha de 2002. Colocávamos a TV sem som para podermos ensinar os pequenos a gritarem “gol do Palmeiras!!!”.
Pode parecer traição, mas o nome disso é fidelidade. Descobrimos também que o Papai Noel do shopping era palmeirense. “Duvida que até o Papai Noel é palmeirense? Pode perguntar.” E ainda teve o Tiaguinho, um amigo da escola, uma espécie de pastor corintiano de cinco anos de idade, que tentava aliciar nosso pequeno Pedro. Um dia, o Luiz entra no quarto com cara de tragédia: “Acho que eu vou dar uma camisa do Corinthians pra ele. Ele tá pedindo muito”. Estava completamente triste, mas queria ser um bom pai. Uma leoa doida baixou em mim. “Ele não é corinthiano, ele é Tiaguinho. Você é palmeirense! Não pode dar uma camisa do Corinthians pra ele.”
O time já estava mal, e eu sentia que, se abríssemos a guarda, poderíamos comprometer pra sempre nossas idas ao estádio em família. Para nosso alívio, Tiaguinho mudou de escola, e o Palmeiras caiu pra segunda divisão. Digo alívio porque, apesar de tudo, foi gritando os gols do time rebaixado que os pequenos viraram palmeirenses de vez. Santa Segunda! Era um misto de alegria e dor vê-los pequenininhos, de uniforme, gorro e bandeiras, gritando “É campeão!” sem nem saber direito o que significava. O Palmeiras subiu e, desde então, vamos cambaleando pelos campeonatos. Nada melhor para exercitar a esperança que ser palmeirense nos últimos anos.
Mas bons ventos sopraram, e chegamos em julho deste ano com a Copa do Brasil nas mãos e uma vaga na Libertadores. Fazia tempo que não vibrávamos tanto na arquibancada. O que aconteceu, meu Deus?! No mesmo ano!! Um sentimento de injustiça se mistura à minha tristeza. Não merecemos, não é time pra cair. Foram muitas bolas na trave, muitas chances de gol, muitos quase. Mas quase não é gol, e a vida é cada vez mais contada em números. Não acontecendo o milagre, desceremos com dignidade, nutridos pela garra de um time que vimos lutar até o fim. Meu agradecimento especial a Barcos e a Marcos Assunção. Apesar de já saberem o que é a segunda divisão, nossos filhos renovaram suas crenças em superheróis.

Palmeiras, confesso que te traí, mas o culpado é você, que murchou e ficou feio CLÓVIS ROSSICOLUNISTA DA FOLHA

Confesso, Palmeiras, eu tenho outro. Mas não espere um pedido de perdão nem arrependimento. Você mereceu a traição.

Relaxou, ficou murcho, feio, de quinta (categoria) ou de segunda (divisão).

Quando nos apaixonamos, faz uns bons 60 anos, você estava sempre entre os primeiros da classe.

A cada início de ano, sonhávamos sempre com um título, qualquer que fosse o torneio em disputa, a Taça Rio (lembra?), o Rio-São Paulo, o Paulistão, que nem era Paulistão à época, os torneios nacionais com seus diversos nomes ao longo do tempo que passamos juntos e em que éramos felizes -e sabíamos.

Nos últimos muitos anos, o sonho mais brilhante que podemos ter é o de ficar não no topo, mas entre os quatro primeiros, para disputar a tal Libertadores.

Não me casei com você, Palmeiras, para ser classe média apenas.

Pior: em vez de brigarmos para ficar entre os quatro primeiros, neste campeonato, brigamos para não ficar entre os quatro últimos.

Dá vergonha sair por aí de braço dado com você.

E dá mais raiva ainda verificar que nem merecemos a gozação dos casais inimigos.

Não tenho visto no meu Facebook brincadeiras de corintianos, são-paulinos e santistas, como se eles todos estivessem é com dó da gente.

Ou, pior, tristes por saberem que vão perder o saco de pancadas em que transformamos nosso lar.

Aliás, nem lar temos, destruído que foi o Parque Antarctica para a construção de uma arena, nome pomposo à beça para receber jogos da segunda divisão.

Eu até te perdoaria pelas poucas oportunidades que você me oferece do orgasmo de um gol.

Mas, caramba, na maioria dos jogos você não me dá nem o direito sagrado de gritar o “uuuh” do quase-gol, da bola que passou raspando.

Nosso amor cresceu nos tempos em que os companheiros de farra chamavam-se Ademir da Guia ou Luís Pereira.

Que interesse posso ter em sair com Maurício Ramos e Valdívia, que, aliás, mais sai do que entra em campo?

Fico olhando os casais vizinhos e vejo que reimportam um Fred, um Luis Fabiano, um Ronaldinho.

Nós reimportamos um Daniel Carvalho, que teria dificuldades em jogar no time dos casados na pelada da fábrica Matarazzo, se ainda há uma fábrica Matarazzo.

Aproveito para dar o nome do “outro”: F.C. Barcelona.

É mais bonito, continua na primeira divisão (da Espanha), disputa a Libertadores deles, fornece um punhado de craques para a seleção campeã do mundo e ainda por cima tem um certo Lionel Messi, um deleite para a vista e para os sentidos.

Vou ser feliz com eles.

Ciao, bello!

Redação

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