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Paraguay, eterno retorno – Primeira parte.

 

Volta e meia aparece a questão do Paraguay. Sempre de forma estranha, como se o Paraguay fosse o Outro, não um qualquer, mas aquele que deve ser exorcizado — será que parece tanto conosco?

Falo do Paraguay da época de Francia, um dos Libertadores de América, embora pouco reconhecido, mas contemporâneo das lutas de Simon Bolívar, San Martin, Bernardo O’Higgins, José Artigas e outros mais.

Chama atenção a figura de Artigas, reconhecido no Uruguai como herói Libertador. Mas permaneceu boa parte de sua vida exilado no Paraguay, onde ponteava El Supremo Francia, e não quis sair de lá quando convidado. Seria um lugar muito atrasado, berço de tiranos sanguinários? Ou haveria um que de Utopia, tanto das lideranças quanto dos missioneros. (Já classificaram — de forma errada, ao meu ver — as Missões de “República Comunista Cristã dos Guaranis”. Errado, repito. Mas a Utopia de Morus estava presente nesse projeto das Missões…)

Economia de subsistência (Leslie Bethel) mas com certo grau de acumulação, através do comércio, principalmente de chá. A acumulação pode ser facilmente deduzida a partir de quem a nega: os mesmos que afirmam “economia de subsistência” mostram uma capacidade de investimento em setores essenciais que provocava admiração na Inglaterra.

Explico. Depois de Francia o presidente foi Carlos Lopez e seu Cônsul, educado na Europa, foi Solano Lopez, seu filho. Na História da América Latina, organizado por Bethel, há uma descrição bastante rica dos investimentos feitos por Solano Lopez, primeiro em nome de seu pai, depois em nome próprio. Mas com um detalhe mais que importante: era tudo pago com dinheiro paraguayo, sem grandes empréstimos a formar dívidas.

Investiram em todos os setores de ponta da época: ferrovia, fundição, navio, estaleiro, telégrafo. Investiram também na contratação de médicos e engenheiros. Não se pode falar de país atrasado neste caso. A categoria é bem outra: país que entrou atrasado no ciclo de desenvolvimento, em relação aos outros países, fazendo reformas e investimentos a partir de cima. A forma é francamente Bismarckiana, sendo feito aquilo que fosse necessário para o Paraguay, ainda mais para um país isolado.

Isolado em sua formação, isolado por não ter saída para o mar, isolado pelos vizinhos. Os argentinos de Corrientes praticavam pirataria contra o comércio paraguayo através do Rio da Prata; os argentinos de Buenos Aires bloquearam durante muito tempo os navios paraguayos, utilizando corrientes no Rio da Prata. Mais do que nunca precisava agir por cima, política de Estado, sem lassez faire.

Outra coisa que chamava atenção era a terra para os camponeses garantindo uma certa calma, mesmo que muitas terras distribuídas fossem dos inimigos de El Supremo, título que o presidente assumiu desde Francia a Solano Lopez, título que dispensa qualquer acusação (idiota) de ditador. (Na época de Solano Lopez a França vivia um momento triste após o golpe de Luis Napoleão, autoproclamado Napoleão III, imperador sim, mas sem possibilidade de comparação com Napoleão Bonaparte — era uma ditadura, implementada com golpe de Estado, após um curto período de eleições e presidência.)

Também chama atenção a afalbetização de boa parte da população. Quantos? Não o sei, os dados são muito díspares. Mas era o suficiente para que El Supremo Solano Lopez promovesse a publicação de jornais na frente de batalha para serem lidos pelos soldados, mesmo que não o fossem por todos.

[continuo… talvez]

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