Exclusiva: Dilma faz o diagnóstico invisível da sua gestão econômica

Com colaboração de Tatiane Correia
Jornal GGN – A presidente afastada Dilma Rousseff apresentou um diagnóstico das medidas econômicas tomadas na metade de seu primeiro mandato e no segundo. Em entrevista exclusiva a Luis Nassif, na TV Brasil, explicou que as condições iam muito além das análises de mercado vistas de fora. Como obstáculos, Dilma apontou como fatores decisivos para as ações de sua equipe econômica a financeirização da economia brasileira, a grande pressão do Banco Central sobre a inflação, o fim do superciclo das commodities e, visto como um fator subestimado por olhares de fora, o cenário de seca não previsto que afetou a produção das hidrelétricas de 2012 até 2015.
Entre os motivos já visíveis, Dilma lembrou do cenário de política de controle da taxa de câmbio, taxas de juros, redução dos custos do trabalho e contribuições sobre a folha de pagamento. “Nós viemos a partir de um diagnóstico que a crise, mais cedo ou mais tarde, chegaria aos países emergentes. (…) E começa uma política, que eu diria que é uma política de controle da taxa de câmbio por parte dos países envolvidos, para criar condições para eles fazerem o superávit comercial. Diante disso, vimos que eles iriam diminuir aceleradamente e verticalmente a taxa de juros, o custo do capital, do ponto de vista da economia internacional e também o custo do trabalho”, relembrou.
A presidente lembra que a estratégia, à época, era investir em uma política anticíclica de combate à crise, que teve início no final do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, entre os anos de 2009 e 2010, e que foi intensificada na gestão da sucessora. “Nesse processo, nós buscamos de forma sistemática essas duas questões: reduzir o custo do trabalho e, por isso, reduzimos todas as contribuições sobre a folha de pagamento – deu algo em torno de uns R$ 28 bilhões”, contou, sobre as medidas adotadas já em seu segundo mandato, mas que afirmou já estar previsto desde a sua primeira gestão no Executivo. Entre as tomadas, Dilma também destacou a preocupação de seu governo na política de conteúdo nacional, como forma de evitar o “efeito violento da taxa de câmbio” sob a a competitividade, que fazia com que o país importava quase 35% dos automóveis, por exemplo.
“Todas essas políticas, junto também com o barateamento pelas condições internacionais da taxa de juros, foi possível reduzir as taxas de juros”, afirmou. O problema, ressaltou Dilma, foi a “sistemática crítica a esse processo” sofrida pelo governo, o que provocou um “efeito sob as expectativas”. “Tanto é que, com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) cobrando taxas de juros do programa de sustentação de investimento de 2,5%, você não consegue recuperar o investimento”, lembrou.
O jornalista Luis Nassif questionou, então, o fator da taxa Selic, que atingia 7,5% na ocasião, gerando uma expectativa nos fundos de pensão e fundos familiares de que o cenário se estenderia a longo prazo. A presidente admitiu que houve uma grande pressão do Banco Central sobre a taxa de inflação, além dos diversos interesses na rentabilidade financeira. “Ali, a política tradicional do Banco Central começa uma pressão, uma pressão sob a taxa da inflação. Tanto que nós tentamos uma série de medidas para impedir que houvesse uma explosão, principalmente, dos preços administrados”, contou.
“Tem um grau de financeirização na economia brasileira, em que todos os setores têm interesses. Havia, e acho que isso ficou patente, uma grande resistência à queda da taxa de juros. Não era algo trivial. Inclusive, porque diziam que estavam afetando o valor das ações na bolsa. Havia, então, uma situação que era bastante diversa para, não só aqueles que atuam especificamente no setor financeiro, mas também na indústria em geral e no setor serviços”, completou.
Entretanto, a presidente afastada defendeu que, apesar das pressões, a sua equipe econômica apostava no cenário de “virada”. “E percebemos que estava virando”, disse, completando que o momento em que a retomada passou a ocorrer é que não ajudou. “Vira em um momento muito estranho, porque se combina também com as manifestações de junho de 2013. Que são estranhíssimas naquele quadro em que se tinha uma taxa de juros caindo, uma taxa de investimento tentando ser alavancada, você tinha uma redução grande dos impostos”, analisou. Além disso, dentro da gestão econômica, Dilma ressaltou que o Orçamento, sobretudo em momento de crise econômica em que os riscos sofrem ainda mais pressões de interesses, entra para uma batalha “de disputa política”.
Em um momento de grande pressão sobre as taxas, que a presidente situa na metade de 2013, ela acredita ter ocorrido uma recuperação no fim daquele ano, quando as pressões estariam “palpáveis”, embora o governo não tenha conseguido “segurar”. “Mas nós ainda fizemos um esforço. Aí começa algo que vamos sentir aos poucos, não se tem noção disso de imediato, que é o fim do superciclo das commodities”, lembra Dilma, ao comentar sobre o segundo grande obstáculo em sua gestão. “O fim do superciclo das commodities começa lentamente, lá pelo início de 2014, o petróleo ainda está no patamar dos 80, 100 dólares o barril. A China ainda não tem uma aterrisagem mais profunda. Ela ainda está crescendo entre 8% e 9%. Não há uma indicação muito clara disso”, conta a presidente.
O terceiro fator – e que, em sua visão, foi subestimado pelo país – foi a seca vivida em 2012 e 2013, que teve uma expectativa de redução para o ano seguinte. Contudo, além da seca não ter se reduzido, o problema acabou se prolongando para 2015. “A expectativa é que ela tinha de ser mais suave. E os primeiros indícios, pelo final do ano (2013), dava a entender que ela não ia ser tão forte”, relembra. “Em 2015, nós temos uma intensificação violenta da seca, a ponto de chegar a 8% o reservatório de Furnas, que é o maior do país, já no final de 2014 e é muito forte no início de 2015”, contou.
Na época, o governo ainda sofreu pressão de diversos setores de que se deveria optar pelo racionamento, para evitar um colapso. “Não era necessário, porque tinha uma estrutura de térmicas”, disse, ressaltando o custo a ser pago: “Mas isso significava uma pressão muito forte na inflação. Muito forte. E nós tivemos uma alteração de preços relativo ali violenta”.
Para analisar e criar toda a estratégia econômica de seu governo, Dilma Rousseff disse que o responsável foi o então ministro da Fazenda Guido Mantega (que esteve no cargo até novembro de 2014) e sua equipe econômica. Revelou que, mesmo após a saída do ministro, foi o seu “delinear” deixado na equipe que formou as medidas de “ajuste rápido”, para recuperar a economia, logo no início de seu segundo mandato. “E se coloca a necessidade de duas coisas: da CPMF e da mudança dos juros sob o capital, a partir da discussão sobre dividendos e sobre heranças. Na nossa avaliação, nós teríamos de fazer um ajuste rápido, que teria como fundamento um corte de despesas, mantendo os programas sociais, e teríamos de iniciar, imediatamente, um processo para ampliar a receita. Primeiro, reduzindo as próprias desonerações que nós tínhamos dado. Segundo, ampliando os impostos”, disse.
Ao ser questionada sobre a visão de que, em um processo de crise, o ajuste fiscal pró-cíclico aprofunda a recessão, Dilma respondeu: “Nós temos clareza absoluta disso”. Entretanto, explicou que o limite do Orçamento não absorvia mais investimentos. “Se você absorve de forma contínua no Orçamento, no ajuste, naquelas condições que nós estávamos absorvendo, com a inflação saindo do controle, por uma pressão clara, e, ao mesmo tempo, se você embute no Orçamento toda uma política anticíclica, você não suporta”, disse.  “Como você diminui a ‘pró-ciclidade’, vamos dizer assim, da política? Ao mesmo tempo que você corta despesas, refaz, porque nesse momento de crise fiscal você pode fazer alguns ajustes”.
Assista à entrevista completa:
https://www.youtube.com/watch?v=HCB74ydQKEg width:700 height:394

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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  • Eu ainda não assisti a

    Eu ainda não assisti a entrevista, mas  presumo que Nassif não fez duas perguntas que gostaria muito de saber:

    1)  De qual cabeça  partiu a  ideia convidar Temer para vice?

    2) E qual foi a cabeça que resolveu mantê-lo como vice no segundo mandato?

     

    Pensei que a Dilma  adivinhou, sem perceber direito, sobre as dificuldades de governo no seu segundo mandato, dai ter  escolhidos figuras  horrorosas para criar base política , como Kassab, por exemplo.  E tb imaginou que colocando um inimigo como vice (o Temer) ele deixaria de ser animigo.  Duvido que Temer já não tivesse mostrado que  era um  judas, com perdão ao Judas.

  • Excelente

    Necessária a iniciativa do Nassif. Além de muito ter sido explicado, a entrevista teve repercussão em toda a imprensa, mesmo na mais golpista.

    Maravilhosa esta proposta de irmos às urnas para a saída do impasse. É uma retomada do controle do processo e uma volta por cima, que deixa os golpistas em saia justa.

  • A primeira parte da

    A primeira parte da entrevista foi muito boa, com questionamentos e respostas. Deu para formar um juízo. A segunda parte foi uma conversa de comadres, para falar mal do Cunha, do Temer, do STF, do Serra, dos vazamentos, do ministério público, da imprensa e, last but not least, do FHC...

  • A entrevista mostrou que

    A entrevista mostrou que Dilma não tem condições e certamente não retornará.

    Nâo assumiu responsabillidades e pior, não apontou caminhos para o futuro.

    Não disse com faremos para desarmar o Estadpo Procuradoral e Policial que ela ajudou a armar. Essa seria a sua principal função.

    E Dilma parece que está com sindrome de estocolmo, se apaixonou pelos algozes, que pior, não são apenas dela, são do País.

    Se ela apontar alguma mínima chance de retornar é bem provável que a LJ, como já fez em outra ocasião, bote de novo no rabicó dela e do Lula e elimine as possibilidades.

     

  • Uma entrevista muito

    Uma entrevista muito importante. Ela revela, na minha opinião, alguns dos graves equívocos da política anticíclica adotada. Cito apenas um: reduzir o custo do trabalho por meio de desonerações fiscais e previdenciárias foi uma opção tremendamente ruim, principalmente pelo seu impacto nas contas públicas, com destaque para as da previdência. O que importava era alterar a relação câmbio/ custo salário, e preservar o espaço para uma política fiscal anti-cíclica. O impacto inflacionário de deixar "deslizar" o câmbio é inegável. Teria de ser aceito.

  • As críticas econômicas do Nassif

    Sou leigo em tudo, mormente economia. Nesse último parágrafo, parece-me que à grande crítica econômica que o Nassif fez ao Governo nos últimos anos houve resposta "técnica", digamos. (Ou o respeito não retrucou). E, quanto à Selic, o que se sabe: governos dificilmente têm força política para deixá-la em um dígito.

    A questão é: por que os economistas "pecam" [força de expressão] ignorando a Política, interna e externa, como se a economia fosse uma ciência autônoma e se movesse per se? Se Delfim já citou vários autores que a desmatematicaram, quem está politicando-a?

    E quanto à Presidenta do País, sempre sabendo tudo em detalhes. Quais outros exemplos de governantes assim que temos no planeta?

    Quanto à crítica ao fato de ser centralizadora, será que é possível governar uma casa sem que a esposa ou o marido centralize? [Não: a esposa sempre centraliza (principalmente passando ao macho a impressão de que é ele o centralizador).]

    Pela entrevista parabéns ao "Deep Blue" do Nassif.

     

  • Volta Dilma

    Uma entrevista que mostra lucidez e estatura de chefe de Estado e que a coloca numa ilha envolta ao mar da politicagem tradicional brasileira, onde prevalecem a mente tacanha e os interesses mesquinhos expostos nas faces de Aécio, Serra, Aloysio e de todos os “cunhas”.    

  • Dá de mil em Temer!

    Revi minha posição e já acho que os movimentos sociais deveriam apoiar o plebiscito por duas razões: a primeira é que se tornou mais importante apear os corruptos selvagens que tomaram o Poder de assalto ilegalmente; a segunda é porquê no plebiscito pretendo votar NÃO a novas eleições e fazer intensa campanha para que a Presidenta Dilma exerça o mandato que lhe foi conferido nas eleições de 2014 para durar até 2018. Ou seja, o plebiscito não impede que continuemos a defender o mandato legítimo de Dilma. Qualquer governante pode ter altos e baixo, é só ler a mídia internacional e ver os índices de aprovação de presidentes como o dos EUA e da França, entre outros, mas em nenhum desses países estão querendo depor seus presidentes legítimos por causa de impopularidade, que pode ser momentânea.

     

    PS - Uma evidência ficou demonstrada: Dilma está anos-luz mais preparada para ser presidente do que Temer ou qualquer outro de seu bando de salteadores.

  • A melhor entrevista de DIlma

    A melhor entrevista de DIlma foi concedida justamente nesse terrível momento de crise pelo qual o país atravessa. A presidenta demonstrou muita lucidez e se pôde perceber claramente que será ela a principal protagonista nas futuras negociações para a  solução dos impasses.

  • conselho da república

    Boa tarde, Nassif. Antes de mais nada FORA TEMER!

    Sua entrevista com a Presidenta Dilma foi uma lavagem de alma...

    Mas gostaria que você, se puder, explicasse, com detalhes, não só para mim como para o povo brasileiro, esse CONSELHO DA REPÚBLICA, que não ouço falar dele desde 61.

    Seria possível?

    Um forte abraço

     

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