O dia depois do impeachment, por Dilma Rousseff

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
[email protected]

Declarações da presidente afastada a Luis Nassif alertam para o que vem depois do golpe
 
Por Dilma Rousseff
 
 
Edição/Transcrição: Patricia Faermann
 
Nós teremos, no dia seguinte, primeiro… Rompeu-se um pacto. Um pacto que vinha desde a Constituição de 1988. Foi rompido, terá de se remontar e não será dentro de gabinete. 
Terá um processo em que a população vai ter, querendo ou não, de ser consultada. E é fundamental para que esse pacto seja passível de ser executado, que haja o fim do golpe. Significa que nós ganhemos no Senado. 
 
Não é possível fazer pacto nenhum com o governo Temer em exercício.
 
Não é só o meu mandato, são as consequências que têm sobre a democracia brasileira tirar um mandato. Isso não afeta só a Presidência da República. Afeta todos os Poderes e todos os níveis intermediários. A ordem jurídica vai para o vinagre.
 
Isso implica que a questão democrática, a partir daí, passa a ser central. 
 
O que é a questão democrática no Presidencialismo? É o voto direto e secreto. Não só os meus 54 milhões, mas os votos futuros. A escolha do presidente. E a escolha do programa que o presidente vai executar. 
 
Daqui para frente, nós temos que pensar: estamos diante de um grande problema. Reivindico voltar não só porque eu não cometi crime, mas porque temos de discutir os momentos seguintes. Tem uma pauta muito estranha, que vem com o semi-parlamentarismo ou com o “esperemos 2017, façamos uma eleição indireta”.
 
Tudo isso coloca em questão uma grande conquista, que foi a democracia no Brasil. E aí eu vou defender o presidencialismo para o futuro, não é só o meu mandato.
 
Defesa nacional
 
Nessa conjuntura, diante de tudo o que aconteceu, a questão nacional é muito importante, porque chegamos a produzir 1 milhão de barris por dia de petróleo. Não adianta diminuir esse fato. 
 
A questão nacional é fundamental. Acho que a Petrobras vai passar para a história como um caso absolutamente atípico. Único caso em que uma reserva de petróleo que você sabe onde está, quanto petróleo tem e qual é a qualidade altíssima dele, a empresa não quer. Fico estarrecida como a forma com que eles querem tratar a Petrobras.
 
Uma coisa é acabar com os malfeitos da Petrobras, retomar o controle de toda a parte de compliance, transparência e melhores práticas. Outra coisa diferente é vender 1 milhão de barris. 
 
Apesar de ser fundamental, até porque gera recursos para a educação e saúde, apesar da questão social ser estratégica, porque a inclusão da nossa população é romper com todo o legado e herança da escravidão, para mim, esta conjuntura faz com que o que articula as outras coisas seja a questão democrática. 
 
Presidencialismo como transformação
 
E aí, o presidencialismo tem um papel fundamental. Eu acredito que se olharmos a história do Brasil, vamos ver que o presidencialismo foram sempre os momentos de transformação. Sempre, foi através do presidencialismo que o Brasil conseguiu dar passos em direção à modernidade e à inclusão de sua população. 
 
Nós temos no Brasil uma tendência. Sempre você tem governos de Executivo mais avançados que a representação parlamentar, que é filtrada por interesses econômicos, por oligarquias regionais e por um conjunto de práticas que fragmenta a questão política. 
 
Primeiro, eu acho gravíssimo que os golpistas comecem a falar em semi-parlamentarismo. Se o presidencialismo, que eles chamam de coalizão, ficou instável porque o centro foi para a direita, e porque as práticas desse centro são extremamente questionáveis, nós não temos de acabar com o presidencialismo. Temos que criar as condições e criar pela reforma política para que isso não ocorra. 
 
Eu acho que, em qualquer hipótese, a consulta popular é o único meio de lavar e enxaguar essa lambança que está sendo o governo Temer. 
 
Depois do impeachment, vencer modelo
 
Não só continuará minoria na Câmara e no Senado, como continuando do jeito que está, com o senhor presidente da Câmara afastado, Eduardo Cunha, dando as cartas, como dá, teremos só as pautas conservadoras sendo aprovadas. Só terá isso no Brasil.
 
Então, necessariamente, a recomposição é uma discussão séria para onde vamos. 
 
Para onde vamos? Só temos um jeito, dado o nível de contradição hoje entre os diferentes atores neste país. É que se recorra à população. Para ela dizer. 
 
Reconquistar confiança
 
Progressivamente, nós temos de nos aproximar do meio empresarial e fazer uma discussão a respeito da situação, porque isso não vai beneficiar ninguém. Você não recupera o país, nessas condições que nós estamos, com esse governo que nós temos. 
 
Com esse governo provisório interino, não recuperamos a confiança de ninguém.
 
Como é que alguém vai acreditar que os contratos serão mantidos, se o maior contrato do país que é a eleição foi jogada na rua?
 
Pós PMDB e PSDB
 
Houve, e houve muito, uma imensa dificuldade política. Imensa. Li uma coisa que eu prestei muito atenção. Que a crise econômica era favas contadas. Iria chegar no Brasil, ‘vocês não podem querer ficar à margem de um processo que atingiu o mundo’. O que não estava previsto era uma crise política com essa dimensão. 
 
Qual país do mundo não aprovou, sendo de corte mais liberal, outro menos liberal, uma série de medidas no seu Parlamento? Qual? O próprio Estados Unidos fez isso. 
 
Agora, conosco, a política do ‘quanto pior, melhor’ foi muito forte. Foi de uma irresponsabilidade absoluta do PSDB. Aí, não é o PMDB só. Irresponsabilidade do PSDB que achava que se inviabilizasse o meu governo, do ponto de vista econômico, criaria um ambiente para o impeachment. 
 
Criaram. Só que o impeachment caiu no colo no PMDB. Sistematicamente e geralmente, deve engolir os dois. Engole e janta. 
 
Assista a entrevista completa:
 
 
Leia mais:
Exclusiva: Dilma faz o diagnóstico invisível da sua gestão econômica
Governo Temer é a síntese do que pensa Eduardo Cunha, diz Dilma Rousseff
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

11 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Nos protestos de 2013, a
    Nos protestos de 2013, a senhora poderia ter discursado para a populacao apoiar reformas politicas que poderiam sim dar um salto de modernidade na forma de fazer politica no brasil. Transformar o congresso, que eh o cancer do brasil, em algo mais proximo da populacao. Esta populacao que so eh consultada para eleger politicos pre-estabelecidos. Esta que paga impostos, sustenta politicos carissimos e nao pode decidir nada. Entretanto, a senhora decidiu por levantar a bandeira de plebiscito e no fim das contas nao mudou nada. Depois disso e com o golpe de agora eu vejo que eh uma mafia tomando o poder da gangue. Estes dois grupos querem apenas e simplesmente o poder. 

    1. Guerra econômica e os donos do Dollar

      Sem uma moeda que tenha origem em um dinheiro que nos favoreça  será impossível para o governo brasileiro manter o Estado de Direito e nossa soberania.

      A ruptura é inescapável.

      O arrocho monetário que o FMI e a banca que o sustenta usam para açambarcar nossas riquezas e a liberdade do povo nunca será estancado sem este enfrentamento.

      A hora é esta, com o plebiscito e a exposição dos crápulas que servem a estes interesses contrários ao povo e ao Brasil.

      Dona Dilma, é tudo ou nada agora.

  2. Pressões de quem ou de onde?

    Uma das palavras mais usadas pela Presidenta na entrevista, para explicar o repique dos juros de cima para baixo e depois para cima de novo, foi as “pressões” sofridas, mas não explicou de onde nem de quem, e o entrevistador (da melhor qualidade) também não perguntou. Podemos imaginar de onde vieram, mas os que a elegeram gostariam de saber mais detalhes sobre isto.

  3. quando ela fala em recorrer à

    quando ela fala em recorrer à população e às eleições fiquei com a nítida

    impressão de que eka defenderá  novas eleições já, se ela voltar….

    é isso ouu viajei na maionese?

    1. A consulta popular a que ela

      A consulta popular a que ela se refere diz respeito à reforma política. A mesma proposta que fez em 2013, em resposta às manifestações de 2013, que reinvindicavam o nada. E  que não foi levada adiante .

  4. Mais inacreditável é que, com

    Mais inacreditável é que, com tanta gente sustentada pelo Itamaraty e Universidades poucos se deram conta que desde 2013 o Brasil era alvo de uma Guerra Híbrida. Sei que houve excessões, como alguns jornalistas e o próprio Luiz Alberto Moniz Bandeira, mas, ao que eu saiba, tirando esses, ninguém mais conseguiu prever o que vinha por aí. Se previram e avisaram o governo o PT cometeu um erro monumental ignorando os avisos.

  5. Diante dos cortes do interino

    Diante dos cortes do interino nas verbas de viagem e até de alimentação, os partidos de esquerda poderiam criar um fundo financeiro para sustentação das despesas da presidenta, com arrecadações no âmbito nacional e internacional. Iria ferir de morte a postura do interino, expondo sua  mesquinharia, contribuindo para arruinar, ainda mais, sua imagem internacionalmente.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador