Gestão, meritocracia e concorrência, por Lisboa e Latif

Da Folha de S. Paulo
Por Marcos de Barros Lisboa e Zeina Abdel Latif
Em Sobral, o tratamento meritocrático dos docentes provocou grande avanço nos indicadores de aprendizado
Na semana passada, argumentamos que a retomada de uma agenda de crescimento com maior justiça social impõe novos desafios para a política pública, e que a melhora da qualidade dos serviços requer uma gestão mais eficaz.
Meritocracia é tema polêmico. Significa reconhecer os gestores públicos mais eficientes e requer transparência sobre os resultados, como os obtidos pelo diretor de uma escola específica, ou de um hospital. Os melhores não deveriam ser mais bem remunerados, enquanto os demais, treinados ou alocados para outras funções?
Sobral, no Ceará, exemplifica o impacto que a boa gestão pode ter sobre a qualidade dos serviços públicos. Há mais de uma década, o maior controle sobre o plano de aula e a avaliação do aprendizado dos alunos, com o tratamento meritocrático dos professores, resultaram em notável avanço dos indicadores de aprendizado no ensino fundamental, atualmente melhores do que os de São Paulo, apesar de gastar bem menos com cada aluno.
O caso da educação ilustra um fenômeno mais geral. Em diversas áreas, nossa política pública apresenta resultados piores do que países em estágio semelhante de desenvolvimento, apesar da nossa elevada carga tributária. O caso de Sobral ainda é a exceção ao invés da regra. Os resultados dos nossos indicadores sociais desapontam e refletem a menor focalização dos recursos públicos nos mais pobres, e a menor eficácia das políticas adotadas, comprometidas pelos mecanismos de gestão adotados.
Concorrência é tema que parece distante da intervenção pública. Não deveria.
Considere duas formas de conceder crédito subsidiado. Na primeira, o governo transfere recursos para um banco público, que seleciona e financia os beneficiados pelo programa a taxas de juros previamente definidas. Na segunda, o governo realiza um leilão e oferece os recursos a todos os bancos, sendo selecionados aqueles que garantirem menores taxas de juros para os beneficiados. Nesse caso, o risco de inadimplência será responsabilidade dos bancos que ganharem a concorrência, que devem selecionar criteriosamente a quem conceder o crédito, e não do governo.
Diversos países adotam instrumentos públicos mais criativos e eficazes do que os nossos, que se diferenciam pelo processo de seleção dos grupos a serem protegidos, pelos mecanismos de controle, pelo reconhecimento dos melhores gestores e pelas formas de concessão dos benefícios. Com isso, conseguem resultados melhores nas diversas áreas, da educação ao crédito subsidiado.
O aperfeiçoamento da política pública requer a renovação contínua dos instrumentos de gestão, como os ocorridos no sistema de saúde na Europa nos anos 1990. As políticas de proteção setorial e de estímulo a atividades econômicas deveriam ter metas de desempenho e prazo para retirada dos benefícios, prazos que sejam respeitados, ao contrário do que ocorre no Brasil.
O controle democrático da intervenção governamental seria aperfeiçoado com a maior transparência sobre a avaliação de seu resultado. A melhor governança das políticas públicas, com meritocracia e mecanismos mais eficazes de gestão, seria benéfica para a sociedade.
MARCOS DE BARROS LISBOA, vice-presidente do Insper, e ZEINA ABDEL LATIF, economista chefe da XP Investimentos, escrevem aos domingos neste espaço
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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  • Essa ideia de "tratamento

    Essa ideia de "tratamento meritocrático dos professores" me lembra muito o que existiu no Rio com o Nova Escola (ou nova esmola) de Garotinho e em São Paulo dos governos do PSDB.  Salários baixos, chicote no lombo e um "bônus de produtividade", para a escola e alguns professores. Para ser ganho incluía, entre outras coisas, a aprovação a rodo dos alunos. Só uma minoria recebia essa remuneração variável.

  • Meritocracia, uma palavra encantadora para garfar o seu salário

    Vc que tem amigos ou parentes ou pretende ingressar no serviço publico federal, fique atento para a proposta de "salário variável" de Aécio Neves . Quando no governo sob FHC, era objetivo do PSDB que cada servidor público que não do quadro das funções típicas de estado(fiscais, policiais e procuradores) chegasse ao patamar de um salário mínimo. Aécio inova e promete "variação salarial" que, trocando em miúdos, significa 1 salário minimo mais produtividade e, ao aposentar-se, só se aposenta com 1 salário minimo. Tem que sobrar grana para o 1% da população, a elite endinheirada. PSDB odeia povo, não quer saber de pobre gastando, rodando por ai de avião, tendo crédito bancário...

  • MArcos de Barros Lisboa foi

    MArcos de Barros Lisboa foi secretário de Politica Econômica durante a gestão de Palocci no Ministério da FAzenda, durante o primeiro governo Lula. É só lembrar disso e fica fácil entender porque agora o PSDB de Aécio tem chances de voltar ao governo.

  • O que é meritocracia? Existe

    O que é meritocracia? Existe isto em educação?

    A educação diferentemente de outras atividades a produtividade de uma escola ou de um professor esbarra num grande problema, a definição dos verdadeiros índices de produtividade.

    Antes de estabelecer qualquer “meritocracia” o mais difícil é estabelecer qual o mérito que deve ser medido. Mesmo quando alguém está produzindo qualquer coisa material, como uma peça de uma máquina, o mérito, ou a produtividade individual ou coletiva de produtos é difícil ser estabelecida em comparação a outras pessoas ou grupos.

    Os economistas podem reduzir a produtividade à moeda e esta simplificação que é feita por muitos não serve nem para a indústria e muito menos para a educação. A qualidade de um produto pode quando levada a grupos mais amplos pode distorcer totalmente o futuro da produção. Durante muito tempo a indústria, que era muito menos automatizada do que nos dias atuais, definia a qualidade do produto final por métodos estatísticos de controle de qualidade. Dentro de uma linha de produção se retirava uma parcela dos produtos e sobre estes se fazia uma série de ensaios verificando qual era a proporção de produtos que não estavam dentro dos limites, por análises estatísticas se aprovava ou não toda a produção representativa deste lote. Diga-se de passagem, que este sistema era essencial para produtos que necessitavam de “ensaios destrutivos”, ou seja, num exemplo fictício, para verificar a qualidade de munições seria necessário disparar os cartuchos, e se toda a produção fosse testada no fim se descobriria que todos os cartuchos estavam perfeitos, mas como todos foram disparados a produção cairia à zero.

    Esta concepção de qualidade na produção foi substituída por formas mais modernas onde a inspeção é feita em cada etapa da produção para atingir o que se chama a qualidade total, neste sistema desenvolvido pelo engenheiro japonês Taiichi Ohno, e é denominado Toyotismo (a Toyota foi a primeira fábrica a empregar o sistema), pressupõe que todos os envolvidos no processo de produção, desejem e consigam atingir a qualidade total, para que isto seja atingido, vários outros princípios devem ser levados em conta, tais como mão de obra multifuncional e bem qualificada e mais outros que especialistas em controle de produção desenvolvem a cada dia.

    Como se vê, a qualidade de um produto físico exige vários pré-requisitos para ser atingido sendo que o principal deste é a definição do que deve ser atingido!

    Daqui para diante, quando se pretende implantar a “meritocracia” na educação, se nota que se está na presença de vários impasses. O primeiro e um dos mais cruciais é que a formação de alguém não pode ser quantificada por um parâmetro único. Salvo mentes brilhantes que aparecem na civilização a cada mil anos, ninguém consegue ser forte em todas as ciências, a especialização, o gosto e por consequente, o interesse a estudar determinadas matérias muitas vezes ocorre prematuramente (naturalmente e/ou induzido pelo maio), e se for alguém testado por uma métrica média alguns brilhantes juízes ou engenheiros nunca progrediriam desde os bancos escolares por deficiências próprias e matemática ou em oratória.

    A primeira barreira para a definição da excelência a ser perseguida nos bancos escolares não está sozinha. A própria definição do sucesso da educação é algo que se analisado em termos individuais e coletivos é muitas vezes de mais difícil quantificação de parâmetros de comparação de sucesso, mas sim a definição de sucesso. Num exemplo quase que anedótico, a discussão entre uma dona de um colégio privado e um pai de um de seus alunos, mostra a dificuldade no objetivo a ser alcançado como sucesso. O pai da criança, um grande industrial de sucesso segundo os padrões atuais, interpelava de forma jocosa a senhora, que como uma pessoa que havia sido expulsa de alguns colégios se alvoroçara ao direito de coordenar a educação de crianças. A senhora reagiu prontamente ao seu ex-colega dizendo simplesmente como um péssimo aluno como ele que algumas vezes empregava métodos nada lícitos (cola) para passar de ano, se transformou num empresário de sucesso!

    Poderia empregar, outros exemplos de alunos de engenharia de desempenho mediano ou mediano inferior, que depois de alguns anos de formados ocupam por algum mérito observado nos mesmos, cargos extremamente relevantes em grande empresas. Por outro lado, exemplos de alunos nota dez que simplesmente atingiram algum cargo por concurso público e permanecem sem o mínimo destaque em suas funções.

    Resumindo até aqui, a definição de sucesso para a vida não é associada linearmente com a definição de sucesso escolar, e segundo para definir o que é sucesso escolar para diversas pessoas não é possível o estabelecimento de parâmetros únicos que medissem as diferenças de grupos e pessoas.

    Poderia escrever mais centenas de linhas sobre a incoerência da aplicação da meritocracia de alunos, professores e instituições, algumas que levam em conta as disparidades do meio em sentido amplo, porém fico restrito a simplesmente ao conceito de MÉRITO, equivalente a qualidade do produto, porém sempre é bom lembrar que pessoas não são automóveis e muito menos parafusos. 

  • Meritocracia e "Accountability"

    Infelizmente, o tema da meritocracia tem sido vítima da arcaica polarização entre esquerda e direita que acomete o país no momento. O fato concreto é que meritocracia e gestão por resultados não são panaceias; por outro lado, ignorar a importância de se aferir a qualidade dos serviços públicos e premiar as melhores práticas é "jogar fora o bebê com a água do banho", e em muitos casos reflete um certo corporativismo dos interlocutores, que acham que a "valorização dos profissionais" leva automaticamente à melhora na qualidade dos serviços, o que está longe de ser verdade.

    O fato é que a gestão por resultados pode dar certo ou errado, dependendo da sua implementação. Enquanto o caso de Sobral é um exemplo positivo, o exemplo da segurança pública no Rio de Janeiro mostra como os resultados podem ser muito diferentes:  criou-se uma meta para redução de mortes em confrontos policiais; de fato eles caíram consideravelmente, no entanto ocorreu ao mesmo tempo um aumento significativo no número de "desaparecimentos". Ora, o monitoramento de apenas um indicador fez com que as estatísticas pudessem ser maquiadas, e o resultado final continuasse tão ruim quanto antes (talvez até pior). Isso significa que a gestão por resultados não funciona? Evidentemente não, apenas é um sinal que, como qualquer ferramenta, precisa ser constantemente revisada e aperfeiçoada.

  • Existem duas falácias, duas

    Existem duas falácias, duas fraudes sobre gestão pública, repetidas como um mantra pela direita conservadora brasileira.

    Primeira ideia é a de que “falta gestão” aos gestores públicos brasileiros. Ou seja, se os tais gestores aplicassem técnicas tayloristas de produção fabril em órgãos e empresas públicas, os serviços seriam melhores. E a segunda ideia, é a de que “falta meritocracia”. Ou seja, um bom pacote de punições, com alguns prêmios para poucos, alavancaria resultados. O medo de perder o emprego moveria a produtividade.

    Duas ideias estúpidas, quando se trata da coisa pública. Se essa palhaçada mal funciona quando se trata de entregar serviços privados, por que funcionaria no campo da garantia de direitos?

    Se meritocracia fosse um valor, o PT não estaria correndo o risco de perder a próxima eleição presidencial, nem Alkmin teria ganho em SP com menos votos que o total de brancos e nulos.

    Ninguém aceitaria ser operado por um engenheiro ou um economista. Por que devemos aceitar que leigos em gestão pública, em espcial no campo da educação, como Insper, XP, Ioschpe, Paulo Renato (já falecido) e o escambau, venham ditar regras tayloristas como panaceia universal?

    Essa palhaçada de gestão e meritocracia quando aplicada à coisa pública gera monstros como a Sabesp, que assegura dividendos para especuladores e entrega seca, água contaminada e desindustrialização para o povo.

    • Gestão...

      Então pra você gestão é taylorismo? Faltou um século de estudo sobre o assunto...

      E, bem, várias empresas públicas brasileiras já têm remuneração variável, paga com base em metas. Inclusive todos os bancos federais. Logo, a meritocracia que você critica tanto já é aplicada. Pelo governo do PT.

      • A lógica é outra

        Atuo há mais de 20 anos na iniciativa privada. Acompanhei TODAS as ondas de modernização de gestão empresarial.

        Meritocracia e "gestão" são falácias. O que existe (e infelizmente dá certo) é chitote no lombo. Poucas empresas conseguem fugir do figurino totalitário-piramidal, e dar resultado.

        Na gestão pública a lógica é outra. O objetivo não é agradar acionistas mas assegurar direitos. Demanda especialistas. Por isso a gestão da Sabesp deu errado e a gestão do Mec, de Haddad. deu certo.

  • Economistas!!!!!!!!!

     Zeina  e Barbosa, falam em meritocracia na educação.. Economistas falando de Educação  sem nenhum mérito.  Veja que este é um artigo pifio, pois ao final ficamos sem saber o que foi feito no Ceará. Nenhuma palavra sobre o projeto ou sobre como foi realizado.  Como deu resultados positivos, Zeina e  Lisboa resolveram capitalizar ideologicamente estes bons  resultados.  Nada disseram  sobre realidade escolar  e nem sobre os  critérios que definem o sucesso de uma escola. Nada disseram sobres as  condições  nem sobre o projeto.  Mas como esta dando resultado resolveram então encaixar a velha tese de que tudo isto foi devido a meritocracia.  ( Falar de meritocracia analisando um bom resultado é oportunismo)  . Isto é apenas quiseram capitalizar este resultado para repetir o mantra tucano , tão falado por Alckmin e Aécio. Premios de produtividade baseados no merito. Poderiam talvez analisar o tremendo fracasso na educação paulista e mineira .   Mas o essencial  aqui   é desmascarar estes artigos pseudo analíticos  e esta visão de gestão e  economia aplicada à educação.  Esta visão guia as propostas de Alckmim, que foram rejeitadas pela realidade. Otmizar a educação me lembra uma história.

     

    "Do alto de um gabinete o general  ordenou, mande primeiro pelotão 1. Todos morrerão mas serão úteis  e eficientes.  pois cumprirão com eficiência o seu papel. abrirão caminho para os seguintes.   Mande os doentes e os mais fracos.

    Como se vê as vêzes os doentes e mais fracos satisfazem melhor os critérios da meritocracia.

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