Organizações Sociais: flexibilização ou privatização dos serviços públicos?

Jornal GGN – “As Organizações Sociais são parceiras do Estado”, afirmou o advogado Rubens Naves ao Jornal GGN, afastando a ideia de que as OS são a privatização dos serviços públicos – eixo que permeia o seu recém lançado livro “Organizações Sociais – A construção do modelo”, do qual é coordenador e coautor.

Essa prática de parceria público-privada não é recente no país, mas teve as suas diretrizes e regulamentações reconhecidas somente no fim dos anos 90, com a reforma gerencial do Estado. Desde então, esse tipo de gestão da assistência social nas políticas do Executivo é alvo de polêmicas e debates.

Leia também: A lei de contratos com ONGs, a Santa Casa e as Organizações Sociais

Mas, para Rubens Naves, a parceria que teve como origem uma medida emergencial para sanar déficits da máquina estatal não se restringe a uma situação paliativa. Ele entende que esse é o caminho para solucionar também as bases. “A gente não pode falar em perda do poder do Estado, ao contrário, o Estado se torna estratégico. Quando se fala em parceria público-privada com essas Organizações Sociais não está se afastando o Estado dessas atividades essenciais, como a polícia, a questão da segurança, da justiça, mas simplesmente falando daqueles serviços que não são exclusivos do Estado”, defende.

Para tal, Naves explica que o Estado tem o apoio da capilaridade que um órgão público talvez não fosse capaz de ter, com as peculiaridades e necessidades de cada local, região, município, bairro. “Ao invés de você ter um Estado completamente distanciado da comunidade, o Estado não tem essa quantidade de gente e de conhecimento da região do local”.

O autor vai além. Contrariando o pensamento de que o governo é o responsável exclusivo pelas demandas sociais, garantidas na Constituição, Rubens Naves afirma: “É uma das grandes vantagens da Organização Social levar essa presença do Estado até a comunidade, e incentivar, inclusive, a participação dessa comunidade no caso, por exemplo, do SUS. A Organização Social incentiva a participação da comunidade”. E completa: “Não podemos falar em privatização, até porque as OS não visam lucro”.

https://www.youtube.com/watch?v=9W6-kmivwCw height:394]

Dentre as iniciativas de sucesso e de fracasso gerencial de parcerias público-privadas, está a Santa Casa Misericórdia de São Paulo. O advogado acredita que o problema das contas da organização pode e deve ser solucionado com um diálogo entre todas as esferas de poder.

“A Santa Casa de São Paulo tem uma experiência de Organização Social, mas que ainda é limitada, dentro do seu conjunto de recursos que são aportados. Então, houve uma cumulação de débitos por anos, de déficits operacionais. Nós ficamos indignados, a partir do momento em que deve ser tratada a questão da Santa Casa, diante da importância dessa Instituição, pelos três planos de governo. Tem que haver um diálogo entre o governo federal, estadual e municipal e a própria organização para equacionar essa situação”.

Para ele, a Santa Casa herda um histórico de serviço à saúde que tem que ser respeitado e valorizado pelo poder público. “As Santa Casas no Brasil é um exemplo que dou como um terceiro setor antigo. A igreja católica investiu muito na Santa Casa, o Brasil inteiro disseminou essa experiência. O serviço de saúde, antigamente, no Império, na primeira República, quase todo era emprestado pela Santa Casa da Misericórdia, então são entidades da melhor tradição. E vivia muito em função dos recursos, da solidariedade, da comunidade, dos empresários, etc. Claro que essas entidades também passaram a fazer convênios, antigos convênios com o governo, e passaram a receber dinheiro público. Mas há uma crítica de que esse dinheiro público era muito pouco representativo em face da complexidade dos serviços, da demanda por serviços médicos”.

O lançamento do livro ocorre concomitantemente à polêmica gerada com a deficitária gestão da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, que fechou seu pronto-socorro durante 24 horas, por uma dívida de R$ 50 milhões que a OS acumulou com seus fornecedores de insumos. Por falta de recursos para a compra de material e medicamentos, as empresas deixaram de entregar os fornecimentos à unidade, impossibilitando o atendimento de urgência.

Leia mais: O buraco nas contas da Santa Casa

Entender os problemas de gestão das Organizações Sociais e o controle para impedir tais ocorrências foi uma preocupação de Rubens Naves. Para o autor, o modelo de OS é viável para se resolver esses problemas como os das Santa Casas de Misericórdia.

https://www.youtube.com/watch?v=jT0arplyuPo height:394

Entretanto, o controle para impedir problemas de gestão não perpassa, na visão do advogado, pela rigidez dos órgãos de controle. Ao contrário, segundo ele, esse é o principal desafio para as Organizações Sociais atualmente.

“O grande risco está no impacto das decisões dos órgãos de controle em cima dessa relação público-privada. Há o que eles chamam hoje de um formalismo jurídico, o Estado brasileiro está muito engessado, as decisões são muito literais, os órgãos de controle precisam ter essa visão que a própria lei das Organizações Sociais dá do controle de resultados”.

Controle de resultados é aferir a qualidade e acessibilidade dos serviços sociais e não se todos “os procedimentos foram seguidos de uma forma absolutamente detalhada”.

“Nós temos no Estado brasileiro uma permanente tensão entre esse controle burocrático e uma visão de um Estado mais eficiente, mais flexível. Até faço uma brincadeira, acho que o país até gasta mais dinheiro com os órgãos de controle do que com planejamento e gestão”, afirmou Rubens Naves. Para ele, esse é o caminho para o aperfeiçoamento das parcerias público-privadas.

[video:https://www.youtube.com/watch?v=q_MQ8fbvh88 height:394

Imagens e Vídeo: Pedro Garbellini

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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  • Maxima venia, mais do mesmo

    Com o devido respeito caro advogado, essa sua conversa não COLA mais!

    Não cola desde a época do plano diretor!

    Quem fala em privatização e organização social, evidentemente é um DESAVISADO!

    Organizações não governamentais QUALIFICADAS com organizações sociais surgem da PUBLICIZAÇÃO e não da PRIVATIZAÇÃO!

    Nesse bolo para enganar otários, surgem também as OSCIP'S , as ppp's ( ou pQp's) os consórcios, enfim, uma infinidade de ROLOS para MAMAR nas tetas da viúva!

     

    Se a santa casa surge "da melhor tradição", mormente, da primeira república ( a velha, certo?) do império e da "igreja" , então, fica fácil concluir que deveria ACABAR o quanto antes. Se Santa Casa é esse modelo de organização social que v.sa está dizendo então,  xô Santa Casa! 

    Não queremos e não precisamos mais de PATRIMONIALISMO, travestido de ORGANIZAÇÃO NÃO GOVERNAMENTAL privada. Evidentemente, não visa lucro. Mas isso não quer dizer NADA! Ora, Basta acrescentar um rubrica, apenas uma, antes do resultado para NÃO TER LUCRO, compreende?!

    O Estado brasileiro está muito engessado porque o estado brasileiro tende ao engessamento, sob pena de novos do surgimento de novos mamadores  do leite da viúva. ( e aqui NÃO ESTOU fazendo campanha política contra a sua excelência a presidenta, mesmo porque, a tal da reforma é coisa dos anos 1990 ou antes)

    Sua brincadeira com os órgãos de controle foi infeliz. Clichê ( com o devido respeito) Papo para tentar convencer desorientados da necessidade de controle a posteriori , que é exatamente, uma das bases deste plano direito bresseniano( no fundo , damariano de ferro e reageriando pra se livrar de imposto de renda!)

    Que o Brasil precisa avançar em seus processos administrativos não temos dúvidas. Resta saber como fazer. 

    E , neste embalo, a flexibilização da 8666, sobretudo, no processo de compra, INCONSTITUCIONAL NA ORIGEM, não pode prosperar .

    Caso contrário, PROVE que os termos rebarbativos do tipo, termos de parceria, contrato de gestão, processo de compras da anatel ( só para citar um ) são ,  de fato, mais eficazes, entre nós,  do que a efetiva, veja bem, efetiva aplicação da dominação legal burocrática já proposta pelo mundo rígido e duro weberiano.

    Prove, estamos aguardando

     

     

     

  • "Vejo um museu de grandes novidades"!

    Complementando...

     

    Não daria mesmo para convidar o Celso Furtado para ser  ministro da economia lá na época pré Cr/88. Ora, desenvolvimentismo pós anistia, de novo? Ah não, de novo não! Diriam nossos adoráveis parceiros de cima do mapa mundi!. Melhor chamar o senhor Bresser.

    Alíás, melhor chamá-lo de novo em 1995,    a ponto de  prestigiar os alienígenas de sempre, afastando o pais tupiniquim indígena, onde se encontra a jabuticaba,  de   suas  necessários reformas de base já previstas pelo Furtado há mais de 50 anos! 

    Tratemos de jogar mais uma PERFUMARIA na cabeça destes mestiços , copiadores de nossa "intelectualidade "desenvolvida", já difundida, inclusive, entre os liberais adoradores da organização mundial do comércio ( de culturas, de hábitos, de forma de pensar, e de produtos industrialiSados)

    Nascem assim, propriamente dito,  a sua organização social para "inglês ver".

  • 'organizações sociais' criação neoliberal

    Todas as modalidades dos entes chamados de orgnizações sociais foram criação inspirada no modelo neoliberal. Basta reler a censura do seu defensor contra 'ingerências estatais', contra a burocracia do Estado, censura que traveste a aversão por quaisquer controles de quem fornece o capital, fruto do esforço coletivo nacional, do dinheiro dos contribuintes.

    No fundo a velha moção neoliberal resulta nisso, na eliminação de controles, essencialmente, os controles estatais sobre o uso do capital social, sobre a mais-valia apropriada pelo Estado. Qual controle restaria, se o campo das chamadas organizações sociais está fora do mercado, por definição?

    Outro engodo é a proibição de lucros. Facílimo jogar contabilmente para travestir lucros. Esse advogado é suspeito na sua defesa das OS's.

    Existe mesmo um espaço situado entre o Estado e o mercado, uma coluna do meio? o recém chamado terceiro setor é um mito ideológico. Falácia usada para retirar do Estado, trespassando ao mercado, tarefas, setores que nunca antes interessaram o mercado, que eram infensos ao mercado.

    fabiano

     

  • Ninguém junto o privado com o

    Ninguém junto o privado com o público, se nãqo fosse para o púlbico pagar até as piores aberrações . Essas históiria de que na Era Lula os empresários quem OS até para gastar do próprio bolso tendo prejuízo só por amor o povo fazer o que o Estado não pode, quando por isso pagar bilhões a mais do que precisava se fosse o mesmo fazer, é contrução de corruptos e nada mais

  • No molde como está, ou é

    No molde como está, ou é pequeno projeto experimental sem escalabilidade relevante, ou é privatização do espaço público. Seja de verba, poder ou cargos. No modelo aplicado principamente pelo PSDB, a a tendência é do aparelhamento da máquina estatal, sob disfarce de uma suposta meritocracia. E quando a esquerda resolver entrar de vez na briga por esse espaço, vai ser sob o manto da representatividade dos movimentos sociais, e também vai ser aparelhamento partidário da máquina estatal.

    E o efeito final vai ser desviar das eleições. O resultado eleitoral traz uma equipe de pessoas para preencher cargos, exercendo o poder e administrando a verba estatal para realizar projetos do seu programa partidário. Dar espaço às Organização Sociais nos moldes em que estão permite que o grupo derrotado nas urnas se eternize no poder, mantendo contratos com o poder público para executar atividades tipicamente estatais para além do mandato de seus partidários.

    E o problema é que precisou haver muita luta para ter mecanismos precários para evitar a apropriação privada de verba pública como a licitação; e para evitar que o poder público fosse usado de maneira pouco republicana, como a lei de abuso de autoridade ou os diversos requisitos para acolher a discricionariedade no uso do poder; e uma batalha ainda em curso para evitar que os cargos públicos fossem presentes a parentes, como o concurso público e a vedação ao nepotismo (e ainda assim há lapsos como o quinto constitucional que os dois ministros do STF estão batalhando para as filhas).

    Seria muito bom se essa "onguização" funcionasse, porque a agilidade do setor privado mais qualificado seria o modelo que os órgãos públicos deveriam aplicar em um mundo ideal. Isto naquelas atividades econômicas que a Constituição deu ao estado: saúde, educação, entre outros serviços públicos, e demais atividades que estão ali entre os artigos 20 e 25 da Constituição.

    Mas o mercado privado brasileiro não é exatamente dinâmico e qualificado, muito menos nas atividades tipicamente estatais. Entre as atividades que foram privatizadas, como telefonia, estão alguns dos piores atendimentos, e seguramente os recordistas em reclamações no sistema Procon (que não cobre a realidade das milhões de reclamações não notificadas), sem falar dos mais precários postos de trabalho, com explosão de demandas trabalhistas e doenças ocupacionais.

    Algumas das coisas que fazemos melhor, como produzir petróleo (1/4 do PIB) e fazer aviões, são atividades de ponta porque eram feitas por estatais. O setor privado simplesmente pegou uma estrutura  montada, e levou adiante. E esses setores é que geram gente "de ponta" com bons salários, algumas garantias, e excelente qualificação. Não é por menos que o Eike avançou no pessoal qualificado da nossa estatal, quando quis produzir petróleo.

    Para que esse onguismo funcione no Brasil, e a atividade possa ser delegada ao setor privado sem grandes abusos, precisamos criar alguma noção de espírito público, que ainda não existe. Quando a súmula do STF sobre nepotismo foi finalmente editada, rapidamente acharam exceções, e ninguém se indignou muito. A academia precisa debater esse tema, e gerar material pedagógico convincente, para ser introjetado na cabeça da próxima geração.

    E não basta criar tipos penais. Precisa haver bons debates sobre os problemas em matéria de administração, sobre RH, e até as ladainhas da ética pública que quase ninguém leva em consideração. Sem isso, vai continuar a ser praticado como já está hoje.

    As pessoas precisam ver a ONG não como um meio de acessar o dinheiro do estado sem mandato. Mas algo como uma vocação, que se busca desenvolver na economia, e que acessa o dinheiro do estado quando é bom para os fins deste último.

    Ao que parece, é uma questão de ambiente cultural. Queremos esse modelo com cara americana. Mas não temos muito do associativismo e da proliferação de ONGs que não sejam mera projeção dos partidos, mas verdadeiramente uma manifestação da sociedade não filiada, financiadas por recursos privados. E que são abraçadas pelo dinheiro estatal quando interesse garantir escala a um projeto bem estruturado.

    Também não temos um ambiente público com regras éticas bem definidas. Os 25 anos de democratização são um período curto para espantar as práticas de uma época em que argumentos eram afastados a botinadas, e construir regras de convivência que não tenham sombras do moralismo de coturno. O máximo que se extrai de um debate sobre espírito público hoje é uma condenação aos corruptos que estão aí, sem que a corrupção seja bem definida.

    Até que o ambiente institucional saudável seja promovido, o melhor seria a regra do concurso público, e evitar ao máximo que gente ligada aos partidos tenham acesso ao dinheiro e ao poder. Eles já tem a eleição para ocupar todos os cargos que quiserem para efetivar seus projetos, e faz parte de suas funções melhorar a seleção de pessoal, aprimorando o modo como os concursos públicos têm sido feitos, caso pensem que o pessoal que está sendo contratado não é qualificado. 

  • A ONG E A POLÍTICA SOCIAL – BREVES REFLEXÕES NO CONTEXTO ATUAL

    A ONG E A POLÍTICA SOCIAL – BREVES REFLEXÕES NO CONTEXTO ATUAL

    http://revista.faculdadeprojecao.edu.br/index.php/Projecao2/article/view/166

    O presente artigo debate o papel das ONG como modelo de enfrentamento da questão social no contexto atual e de um Estado capitalista.  Contrapõe  o caráter executivo das politicas sociais em relação ao seu papel de viabilização das lutas democráticas pela garantia desses mesmos direitos. Apresenta, por fim, o caráter contraditório da ONG, como instrumento de emancipação e de garantia de direitos que pode se converter em instrumento patrimonialista e de enfraquecimento desses mesmos direitos.

    Palavras-chave: Política social. ONG. Contradição

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