Iniciativa privada e melhoria da infraestrutura: um efeito automático?, por André Castro Carvalho

A Secretaria de Aviação Civil (SAC) divulgou recentemente uma pesquisa, referente ao quarto trimestre de 2013, com relação à satisfação dos passageiros em aeroportos. Curiosamente, o Estado de São Paulo registrou o aeroporto mais bem (Viracopos, em Campinas) e o mais mal avaliado do País (Cumbica, em Guarulhos). E, ainda mais coincidentemente, ambos foram transferidos para a exploração da iniciativa privada em 2012 por meio de um contrato de concessão.

Pois bem, passados quase que dois anos do leilão desses dois aeroportos, impõe-se a seguinte questão: a concessão à iniciativa privada traz, automaticamente, melhoria na infraestrutura já existente?

É interessante que não há uma resposta peremptória para essa pergunta. No caso das rodovias, as pesquisas da Confederação Nacional de Transportes – CNT vêm constantemente incluindo no rol das melhores rodovias do País as que foram concedidas à iniciativa privada. De outra sorte, no caso das ferrovias, o fato de o programa de concessões ter ocorrido há mais de quinze anos – e de as ferrovias estarem na sua quase totalidade sob operação privada e dificultarem esse “benchmarking” público/privado – deixa a resposta ainda mais inconclusiva.

Sempre houve questionamentos por parte crítica especializada no setor rodoviário ao afirmar que o fato de as rodovias concedidas serem as melhores do Brasil era resultado de que já eram de excelência antes mesmo de terem sido licitadas e concedidas à iniciativa privada, especialmente no caso do Estado de São Paulo. Se a afirmação é aplicável para algumas como a Rodovia Ayrton Senna/Carvalho Filho, não se pode sustentar com tanta veemência em outros casos, como a  Rodovia Presidente Dutra, no trecho São Paulo/Rio de Janeiro. E essa minha opinião é a de um usuário frequente dessas infraestruturas, isto é, na mesma perspectiva daquela colhida pela SAC na pesquisa mencionada no parágrafo inicial deste texto.

Qual seria então o problema dos aeroportos privados (que provavelmente não conseguirão “decolar” a tempo da Copa do Mundo FIFA 2014)? Não acredito que a razão seja o descumprimento do contrato de concessão pelas concessionárias. Convém salientar que modelagem adotada no setor priorizou muito mais o ágio dos leilões do que a efetiva melhoria da prestação de serviços aos usuários – e isso, verdade seja dita, não é culpa do concessionário, quem tem apenas a obrigação de cumprir os estritos termos do contrato.

O resultado da modelagem adotada, portanto, é evidente: excelente para o Governo Federal – quem, inclusive, conseguiu incrementar razoavelmente seu superávit primário com a arrecadação desses recursos em 2012 e 2013 –, mas péssimo para os usuários do serviço público. Diante disso, os aeroportos que já eram bem organizados na época de exploração pela Infraero – como Viracopos – mantiveram o seu padrão de excelência; os que já eram desorganizados – como Guarulhos – pouco conseguiram melhorar.

Há, ademais, outros serviços públicos relacionados a infraestruturas em que seria uma heresia a defesa de sua exploração pelo setor público. Como exemplo, pode-se mencionar o setor de transporte público de passageiros. No caso dos ônibus, esse tem sido um setor dominado pela iniciativa privada, seja pelo baixo custo fixo inicial – o que impõe poucas barreiras à entrada, seja pelo próprio processo de retroalimentação que é gerado em razão da sua desregulamentação. Em outras palavras, antigamente era fácil alguém “criar” um itinerário próprio e tomá-lo para si, o qual passava a ser regulamentado pelo Estado depois – mas não explorado por ele próprio.

Outro caso que merece ser ressaltado – e que seria reprovado em qualquer pesquisa de satisfação, em qualquer lugar do País – é o setor metroviário e ferroviário metropolitano. Embora tecnicamente possa ser considerado dentro do setor ferroviário, houve, no País, a opção histórica pela exploração pelo Estado, que não tem funcionado a contento Mais recentemente, surgiram empreendimentos operados diretamente pela iniciativa privada, o que poderá servir como um novo padrão comparativo nesse setor entre os serviços prestados pelo Estado e pela iniciativa privada.

Desde o estopim ocorrido em junho de 2013, observa-se que a qualidade do transporte público de passageiros está piorando gradativamente, sem uma perspectiva de melhora no curto prazo. No caso do sistema metroviário e ferroviário metropolitano, talvez seja a hora de se dar mais ênfase no  novo modelo – com maior participação privada na exploração, para que seja possível ampliar os investimentos e melhorar a operação. O grande risco – e daí a importância de uma modelagem amplamente discutida com a sociedade – é de a iniciativa privada pouco poder contribuir para resolver o caos instaurado, como estaria ocorrendo no caso dos aeroportos.

Já no setor de ônibus, uma modelagem que priorize a atuação do Estado, sobretudo na gestão e operação viária das vias arteriais, quiçá possa servir como uma forma de dar um novo “benchmarking” à prestação do serviço público. A centralização do sistema de transporte de ônibus é algo que precisa começar a ser pensado nas grandes cidades, visto que esse “modelo de itinerários” está claramente correndo o risco de falir no curto prazo. E possivelmente, em alguns anos após essa centralização, estaremos discutindo a necessidade de passar esse sistema para a iniciativa privada a fim de dar-lhe maior eficiência.

A grande contribuição dessas pesquisas de satisfação, tal como as divulgadas pela SAC e pela CNT, é justamente trazer uma reflexão acerca da dinâmica da exploração das infraestruturas, e afastar o embate ideológico extremista entre plena estatização ou privatização das infraestruturas, a saber, na defesa irrestrita de que qualquer exploração pública ou qualquer espécie de exploração privada poderá acarretar automaticamente benefícios ou malefícios aos usuários. O verdadeiro fator de sucesso é que o modelo de exploração, seja público ou privado, seja claramente definido com o foco no usuário que irá utilizá-la.

Ao longo da história, há uma tendência quase que “senoidal” à exploração das infraestruturas, oscilando a onda entre o setor público e o privado, que se movimenta justamente de acordo com a percepção do usuário em cada momento histórico. Tomara que junho de 2013 tenha deflagrado o início de um novo movimento de mudança nessa onda.

Andre Castro Carvalho é doutor em Direito Público e Financeiro pela USP, advogado e membro do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura – IBEJI

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