Crise européia, mecanismos econômicos e crise política

Por Waldyr Kopezky

Re: G8 e a saída para a crise na Europa

Sobre crise mundial, default de nações e a Grécia ameaçando cair fora da UE

Gente, essa história de fracasso da União Européia é absurdo…poucos foram responsáveis (agentes privados), muitos os prejudicados (cidadãos) e cobra-se hoje austeridade/contrição aos que estenderam a mão, buscaram ajudar/emprestar e carregam o peso da gestão pública no atendimento às demandas das sociedades, os Estados nacionais – que ainda foram responsáveis por absorver o “rombo” financeiro da crise gerada só por alguns. E estes ainda lucram nas duas pontas do processo de gestão da crise financeira. Vamos rememorar, porque o noticiário é tão distorcido que só é possível entender recapitulando:

1. A crise de 2008 nasceu no sistema financeiro privado. Ponto.

2. Para evitar que instituições bancárias entrassem em default (coisa que elas mesmas passaram a gritar aos quatro ventos, à época), os Bancos Centrais das nações em todo o mundo reagiram de forma quase idêntica – cobriram o rombo com dinheiro público (desfalcando o orçamento governamental) e “estatizaram” a dívida sem exigir contrapartidas de redistribuição desses valores disponibilizados (que tinham a evidente intenção de ser a liquidez que garantisse o crédito dos bancos privados à população, que assim poderiam refinanciar as dívidas dos seus clientes e garantir  a normalidade da economia nacional). Tais empréstimos estataís foram, aliás, financiados “generosamente” para os bancos a juros de 1% ou menos ao ano. “Era ajuda, então vamos ajudar”, devem ter pensado os governantes, inocentemente.

….

3. Já os bancos, livres de quaisquer compromissos (novamente saudáveis pela injeção da liquidez estatal), surpreendentemente não refinanciaram seus clientes inadimplentes – estes prejudicados pelo superdimensionamento das próprias instituições bancárias na avaliação dos empenhos hipotecários que alavancavam a liberação desregrada de empréstimos, no período “gordo” de liquidez (que gerou a “bolha” de crédito). Pelo contrário: executaram quase todo mundo, negando o dinheiro estatal disponibilizado ao setor privado para esse fim e ainda tomando os bens empenhados na garantia das dívidas, recusando-se até em disponibilizar novas linhas de financiamento a empresas e pessoas físicas em dificuldades (sob a alegação de políticas econômicas de um cenário mais recessivo). Foram ajudados, não repassaram a ajuda estatal e ainda lucraram muito, garantindo para eles um formidável quantidade de ativos (bens móveis, imóveis e até estruturas físicas fabris) produtivos, responsáveis peloatendimento a demandas essenciais à população – como a dos segmentos alimentício, vestuário, energético e de serviços. E a prática foi essa: todo bem/ negócio/comércio tomado em empenho que não pôde ser absorvido e continuado pela corporação financeira foi totalmente encerrado, relacionado como massa falimentar desmobilizada e vendida em partes (maquinário, estoques de produtos e insumos, estruturas/propriedades físicas, etc.), com vistas a garantir uma parcela de compensação para o banco que absorveu o default.

4. Bom, nesse cenário é fácil entender por que quebrou todo mundo – a queda de negócios gerou falências e fechamentos em massa de médios/pequenos empreendimentos e a demissão em larga escala também cresceu, como consequência. O giro de capital no mercado caiu drasticamente, com uma quase “estagnação” de transações financeiras e comerciais em vários segmentos produtivos e fornecedores do comércioe vitais para o mercado interno. Isso revelou um sistema financeiro invertido, agindo em reverso de seuconceito/missão: gerou miséria, ao invés de prosperidade; concentrou renda e reestabeleceu uma elite, ao invés de distribuir renda através do estímulo ao empreendedorismo, ampliando mercados e garantindo igualdade/justiça social via maiores oportunidades e a livre concorrência no mercado. Criou-se tal aberração, verdadeiro paradoxo jamais previsto dentro do Capitalismo – um segmento de negócios/empreendimentos vital (sistema financeiro) que “mata” a quase totalidade de sua carteira de clientes (fofo e razão de sua existência, fonte de prosperidade, perenidade e, por isso, sua maior riqueza) só para manter-se vivo. Parece até que foi caso pensado.

5. Com o setor privado quase estagnado, joga-se o abacaxi para os aparelhos de Estado: estes já haviam “estatizado” a dívida privada e agora “tomavam” empréstimos DAS MESMAS INSTITUIÇÕES  FINANCEIRAS PRIVADAS QUE ANTES AMEAÇARAM O DEFAULT E QUE FORAM RESGATADAS DA FALÊNCIA PELO AGENTE PÚBLICO, disponibilizando liquidez aos Estados com o mesmo dinheiro obtido no cofre do Estado, ESTES AGORA AMEAÇADOS POR ENORMES DÉFICITS PÚBLICOS EM SEUS ORÇAMENTOS gerados pela liberação do empréstimo que cobriu o rombo (privado) do Sistema Financeiro – só que os bancos fizeram isso emprestando a juros de 5% a 6% ao ano (e não a 1%, como obtiveram), porque eles não se prendem em qualquer sentimento altruísta ou preceito ético. O negócio da China no século XXI é lucrar com crises sistêmicas e guerras puntuais…

6. No caso do Banco Central Europeu (BCE), um detalhe tornou tudo mais crítico: na Constituição da União Européia (UE) está escrito que o BCE (absurdamente!) não pode emprestar diretamente dinheiro para os Bancos Centrais de cada país-membro, mas UNICAMENTE ÀS INSTITUIÇÕES/BANCOS PRIVADOS DESSES PAÍSES – vendadeira institucionalização da agiotagem. E ficou assim: o BCE emprestou aos bancos privados em 2008 valores que cobririam o risco de defaut do sistema financeiro em seus países (a 1% ao ano em média, lembre-se), mas “repassando” o custo aos Bancos Centrais nacionais, que então desfalcavam significativamente o “caixa” dos Estados com essa absorção de custos na ajuda dada ao setor privado, incorporando déficits orçamentários astronômicos. Os bancos privados europeus então “sentaram em cima” do dinheiro público que os tirava do risco e executaram os próprios clientes (da mesma forma que aconteceu nos EUA e resto do mundo). Miséria da maioria da população e governos endividados, que também passaram a pegar dinheiro (antes público) dos players privados (com juros de mercado escorchantes de 5% a 6%, sem choro nem vela). A ocasião faz o ladrão, não é mesmo?

7. E este é o detalhe que explica toda essa pressão entre os países europeus (com ameaças até de exclusão de nações da Comunidade Européia) exposta no noticiário mundial: o BCE exige de seus estados-membros padrões/índices econômicos garantidores de um patamar mínimo para seu sistema financeiro ser considerado saúdável, de comprovada liquidez e apto a prosseguir no Mercado Comum Europeu (MCE) – coisa que nações de mercados menores em giro de capitais e liquidez passaram a não conseguir mais cumprir (como Irlanda, Grécia, Itália, Espanha e Portugal), pois não possuem condições de “enxugar mais a máquina” para dirigir uma fatia maior de sua receita para dar conta do rombo da crise (privado, mas absorvido pelo BCE e repassado aos países), os novos empréstimos feitos junto ao sistema financeiro para cobrir o pagamento de suas contas e, igualmente, a continuidade de políticas públicas de estímulo e assistência à população mais desfavorecida – coisa absolutamente prioritária para equilibrar uma sociedade em plena crise econômica mundial.

8. Mas passou-se a exigir destes países em maiores dificuldades medidas austeras e restritivas – estas baseadas em cortes orçamentários a projetos, investimentos e iniciativas consideradas não-prioritárias, bem como a programas sociais e aportes mantenedores de serviços públicos de saúde, educação, transporte, infra-estrutura, além dos sistemas garantidores de direitos trabalhistas e pecuniários historicamente geridos pelo aparato estatal – numa exigência absurda para retroceder em conquistas históricas que deram às sociedades européias o mais alto padrão de vida entre todas as sociedades humanas, de qualquer tempo. Aí residea maior injustiça do processo de recuperação econômica: cobra-se dos cidadãos, estes muito menos responsáveis pela crise sistêmica (e muito mais prejudicados por ela, já que perderam tanto em suas rendas quanto no rombo das contas públicas, pois também são inequivocamente a maior “massa” contribuinte da receita estatal) sacrifícios ainda maiores para recuperar a economia. Mas, da responsabilização dos entes privados cuja irresponsabilidade, esbanjamento e endividamento comprovadamente geraram a crise mundial (via bolhas especulativas e práticas financeiras de alto risco), nada mais se fala…

Conclusão:

Luis Nassif

Luis Nassif

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