Manifestante rebelde, simbolo de irreverência diante da polícia e da repressão aos protestos sociais, é acusada de “violência sexual”
Protagonista de umas das melhores fotos do ano, imagem viralizada amplamente pelas redes como um simbolo pacifista dos protestos que se espalharam pelo mundo em 2013, a estudante italiana Nina De Chiffre, voltou a chamar atenção esta semana. Não por questões estéticas, mas pela kafkiana situação em que se encontra. Seu ato pacifico, um beijo, virou sinônimo de vandalismo.
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A estudante de 20 anos acaba de ser processada por “violência sexual”, depois de ter sido fotografada beijando o capacete do oficial da policia Salvatore Piccione durante a manifestação mês passado em Susa, norte da Itália.
A Coisp, sindicato que representa os policias italianos apresentou uma denúncia aos promotores de Turim. Franco Maccari, secretário-geral do sindicato, disse ao jornal La Repubblica que a manifestante deve ser punida por violência sexual e insulto ao funcionário público. O suposto ofendido não poupou palavras: “se o policial tivesse beijado a moça, a III Guerra Mundial teria estourado. Ou se eu tivesse apalpado seu traseiro, ela teria se sentido ultrajada. Portanto, se ela fez isso com um homem de plantão, deveria ser tolerada?”
O soldado Salvatore Piccione, que recebeu o beijo, aparentemente gostou, a julgar pela imagem. Parece estar, ainda hoje, mais tranquilo que o burocrata interessado em processar a moça. “O importante é que, no final, a manifestação foi em frente, sem perturbação.”
Já Nina explicou, ao mesmo jornal italiano, o contexto de seu gesto rebelde. A manifestação era contra a construção de uma linha de trem de alta velocidade (TGV) entre as cidades de Turim (Itália) e Lyon (França). Os participantes do protesto defendem o transporte público ferroviário. Mas a ligação entre as duas cidades já existe. O TGV tornará a viagem apenas 15 minutos mais curta e provocará grandes danos ambientais. Na véspera, em outra manifestação, Marta — uma amiga de Nina — havia sido espancada pela polícia. Esta decidiu reagir.
“Tentei provocar um pouco, como uma prostituta teria feito numa rua. Conheço as regras das forças da ordem e agi segundo elas. Sei que os soldados não podem reagir às provocações. Não me limitei a beijá-lo, como se vê na foto? Sim, disse-lhe certas coisas, para ver se reagia, mas manteve-se impassível. Abri a viseira, e toquei seus lábios com os dedos”.
Nina não teme uma eventual condenação. “Prefiro ser processada a ver meu beijo como sinal de paz. Foi um gesto de nojo diante da polícia”.
Cauê Seingermartin Ameni é estudante de Ciências Sociais da PUC-SP, pesquisador do NEAMP, editor do Outras Palavras e um dos operadores da loja virtual Outros Livros