Vamos deixar os fiscais, por Bill Emmott

Jornal GGN – É sabido que não existe ganho sem dor, mas é igualmente possível haver dor sem ganho – uma lição que as populações ocidentais aprenderam de forma mais difícil, pelo menos até 2012. Após anos de austeridade fiscal nos Estados Unidos, Europa e Japão sem um objetivo obtido, é tempo de os governos começarem a gastar novamente. A afirmação é de Bill Emmott, ex-editor chefe da revista The Economist, em artigo publicado no site Project Syndicate.

“A proposta será recebida com indignação por muitos governos, especialmente, mas não exclusivamente, a Alemanha, e o tema será julgado por muitos candidatos políticos que tratam da dívida soberana, construída pelos operadores históricos que tentam depor, como obra do diabo. Mas além da ideologia e do auto-interesse reside uma verdade simples e inevitável: a austeridade não está funcionando”, diz o articulista.

Segundo Emmott, o primeiro-ministro japonês Shinzo Abe “relutantemente” reconheceu o fracasso da austeridade ao anunciar, em 1º de junho, que seu governo vai adiar um aumento do imposto de consumo do país. “Longe de ajudar a controlar o déficit orçamental e a enorme dívida pública do Japão, o aumento de impostos provavelmente teria reduzido as receitas. Afinal, a caminhada anterior, implementada em abril de 2014, rapidamente levou a economia de volta à recessão”.

Já a zona do euro – apontada como “principal campeã de austeridade no mundo desenvolvido” – não chegou à mesma conclusão, apesar das evidências gritantes. “Em 2012, os líderes da zona do euro assinaram um pacto fiscal que visa controlar a dívida pública – que, no total, atingiram 91,3% do PIB , de acordo com o Fundo Monetário Internacional – forçando os países a cortar gastos e aumentar os impostos. Em 2015, o déficit orçamental da zona do euro, como proporção do PIB, caiu em dois terços de seu pico em 2010”, pontua o articulista.

Entretanto, o lastro da dívida pública bruta aumentou para o equivalente a 93,2% do PIB. “De fato, enquanto a Alemanha conseguiu reduzir sua dívida pública bruta, passando de 79,7% do PIB em 2012 para 71% no ano passado, os lastros da dívida em França e Itália continuaram a aumentar, apesar dos controles fiscais apertados (especialmente na Itália)”, explica Emmott. Nos Estados Unidos, o lastro da dívida passou de 102,5% para 105,8% em relação ao mesmo período.

O articulista explica que o problema está no crescimento econômico mais lento, “o que compromete o crescimento dos salários, enfraquece as receitas fiscais, e torna impossível para os governos para pagar as suas dívidas”. Entre os maiores obstáculos para o crescimento, está a austeridade fiscal. “Quanto mais os governos cortem os seus déficits, o crescimento mais rápido diminui – e as metas de redução de dívida tiveram seu alcance afetado. Assim funciona o ciclo autodestrutivo de austeridade fiscal”.

Além disso, Emmott ressalta que os tempos mudaram em relação ao período em que a austeridade exerceu algum impacto favorável. “Para começar, não estamos mais vivendo em uma era inflacionária. Pelo contrário: o Japão e alguns países da zona do euro enfrentaram deflação, enquanto a inflação no Reino Unido é essencialmente zero. Apenas na América é que a inflação existe – e apenas suavemente. Além disso, os custos de empréstimos de longo prazo estão em mínimos históricos, assim como eles têm sido ao longo dos últimos cinco anos. Com a autoridade prosseguindo neste contexto, criou-se um obstáculo ao crescimento tão grave que nem mesmo a redução para metade dos preços da energia nos últimos 18 meses pode superá-lo”.

O ex-editor do The Economist ressaltou que, atualmente, nada pode substituir a expansão fiscal. “Muitos países, em especial na Europa, precisam aumentar o investimento público em infraestrutura. Mais amplamente, a Europa precisa de um novo Plano Marshall, desta vez de autofinanciamento, e não financiada pelos americanos, para o arranque de crescimento económico e aumentar a produtividade. Há uma abundância de espaço para um programa semelhante nos EUA também. Esses gastos poderiam até mesmo ajudar a obter um aumento das receitas fiscais, empurrando o emprego e os salários para níveis mais altos”.

 

(Tradução livre por Tatiane Correia)

Tatiane Correia

Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.

Tatiane Correia

Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.

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