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A ideologia do aquecimento global, por Daniela de Souza Onça

A ideologia do aquecimento global– Excerto de uma tese de doutoramentopor Daniela de Souza Onça [*]

14. A hipótese do aquecimento global como ideologia legitimadora do capitalismo tardio 
    14.1 O estado capitalista tardio e sua crise de legitimação 
    14.2 Climatologia emancipadora? 
    14.3 A função social da ideologia do aquecimento global 

15. A crise estrutural do capitalismo 
    15.1 A lei da taxa de uso decrescente e a produção do desperdício 
    15.2 O culto à frugalidade e a produção artificial da escassez 

14. A hipótese do aquecimento global como ideologia legitimadora do capitalismo tardio

Uma pergunta ainda nos intriga. Se a hipótese do aquecimento global é falsa, por que o mundo inteiro está preocupado com ela? Por que desperdiçamos tempo e dinheiro em resolver um problema que não existe? Respondemos que a persistência desse problema imaginário enquadra-se como solução de muitos problemas reais enfrentados pelo sistema capitalista. É o que veremos neste e no próximo capítulo. 

14.1 O estado capitalista tardio e sua crise de legitimação

Todas as sociedades baseadas numa distribuição desigual de poder e de riqueza, se não quiserem ter sua ordem contestada, necessitam elaborar uma justificativa para seus integrantes explicando por que aquela distribuição é desigual, porém justa. Nas chamadas sociedades tradicionais, em que podemos incluir desde os grupos tribais até as monarquias absolutistas modernas, o problema da justificação da distribuição desigual da riqueza e do poder, que chamaremos de ideologia de legitimação , era resolvido através do apelo a ideologias que reconheciam explicitamente a existência do sistema de dominação e ao mesmo tempo justificavam-no, contida em interpretações míticas, religiosas ou metafísicas da realidade no seu conjunto. Existem dominantes e dominados porque Deus quis assim. Tais interpretações cosmológicas proporcionavam respostas aos problemas centrais da humanidade relativos à convivência social e à história de vida de cada indivíduo. Já o capitalismo liberal não apenas questionará as formas tradicionais de legitimação, como as substituirá por outra e tentará resolver o problema negando, ideologicamente, a realidade da dominação. São as ideologias burguesas que agora entram em cena, substituindo as legitimações tradicionais de dominação, apresentando-se com a pretensão da ciência moderna e justificando-se a partir da crítica às antigas ideologias. O capitalismo liberal oferece uma legitimação da dominação que já não procede “do céu” da tradição cultural, mas que emana da base do trabalho social. A instituição do mercado, onde proprietários privados trocam mercadorias e que inclui um mercado em que pessoas destituídas de propriedade trocam como única mercadoria a sua força de trabalho por um salário, promete a justiça da equivalência nessas relações de troca. É agora o princípio da reciprocidade a base da organização dos próprios processos de produção e reprodução social. Na medida em que o capitalismo se baseia na relação, historicamente inédita, entre o capital e o trabalho assalariado, e no fato de essa relação ser regida pelo princípio da troca de equivalentes, a legitimidade do sistema social como um todo será derivada da legitimidade da justa troca . Desse modo, a dominação política passa de agora em diante a ser legitimada “a partir de baixo”, da base das relações sociais, ao invés de “a partir de cima”, das tradições culturais. No entanto, as novas ideologias exercerão funções igualmente legitimadoras e subtrairão as relações de poder vigentes tanto à análise quanto à conscientização pública. Se nas sociedades pré-capitalistas o exercício da dominação exibe um caráter francamente político, na sociedade capitalista a dominação emana das relações de produção e se legitima na ideologia da justa troca, na racionalidade apolítica do mercado, onde a dominação se torna invisível, pois a única autoridade assim percebida é a das leis econômicas, que ao mesmo tempo asseguram o funcionamento (“politicamente neutro”) da economia e distribuem o produto social de acordo com o princípio da troca de equivalentes. O sistema de dominação pode agora justificar-se apelando para essas relações legítimas de produção . 
Na passagem do século XIX para o século XX, estabeleceu-se um longo debate entre diversos autores envolvendo a questão da possibilidade de crises econômicas levarem o capitalismo ao colapso e conduzirem ao advento do sistema socialista. Tal debate receberia o nome de a controvérsia sobre o colapso. Sua origem é traçada à publicação, em 1896 e 1897, de dois artigos de autoria de Eduard Bernstein (antigo colaborador de Engels e um dos marxistas ortodoxos mais importantes da social-democracia alemã) na revista alemã Die Neue Zeit. Em linhas gerais, o autor defendia a idéia de que as transformações ocorridas no capitalismo no fim do século XIX, como a disseminação dos cartéis e o aperfeiçoamento do sistema de crédito, alterariam os rumos do sistema econômico. A partir de tais fatos, as crises econômicas seriam atenuadas e os males do capitalismo poderiam ser sanados de forma gradual; assim sendo, o socialismo deixaria de ser o resultado inevitável do colapso do capitalismo, passando a ser considerado o produto de uma transição pacífica. Com esses artigos, nascia o revisionismo , movimento teórico-político que defendia a necessidade de uma revisão do pensamento de Marx. A tese revisionista, é claro, provocou um grande alvoroço entre os marxistas e levou à publicação de vários artigos de vários autores sobre o assunto . 

Uma das importâncias da controvérsia sobre o colapso foi ter provocado reflexões profundas sobre as leis do movimento do capitalismo e o papel das crises. De um lado, argumentava-se que as transformações pelas quais passara o capitalismo representavam uma racionalização neutra que terminaria por estabilizar a economia e transformar o seu caráter; de outro lado, afirmava-se que as transformações aprofundavam, ao invés de atenuar, as contradições desse modo de produção, desestabilizando-o e aproximando o momento de sua crise definitiva . 

Um evento histórico marcante serviria como um verdadeiro laboratório para a verificação das teorias envolvidas no debate: a crise de 1929 e a reestruturação da economia capitalista depois dela. Este evento, de certa forma, desmentiu a maioria das teorias da crise que se estruturavam em torno da idéia de colapso: a profundidade da crise de 1929 foi inédita na história do capitalismo, mas apesar disso não se seguiu o colapso desse modo de produção . Friedrich Pollock, frankfurtiano, propôs-se a desvendar os determinantes dessa crise e a capacidade de regeneração do capitalismo diante delas, abandonando a idéia de colapso. Em 1932, ele já afirmaria que não se deve esperar um colapso automático do capitalismo: “Do ponto de vista econômico, não subsiste nenhuma necessidade inelutável que force sua substituição por um outro sistema” . 

“O fato de que as intervenções sobre as relações de produção, a fim de adaptá-las às forças produtivas, assumiram nos últimos anos uma amplitude que antes não seria pensável em tempos de paz é sintomático da força das tensões que hoje se produzem no interior do sistema capitalista. Como em outras regiões, também aqui na Alemanha o capitalismo demonstrou uma insuspeitada capacidade de resistência e adaptação 

Pollock, entretanto, vai mais além desse diagnóstico. Sua discussão tenta apreender o sentido histórico apontado por essas profundas modificações do capitalismo na sua busca por adaptação. Neste mesmo artigo de 1932, o autor afirma que a causa mais importante da agudeza da crise são as transformações estruturais que põem em questão o automatismo do mercado. Conforme já havia sido preconizado por Marx, ocorreu um deslocamento do maior peso econômico para as grandes fábricas e as empresas gigantes. Tal crescimento das unidades econômicas confere a seus dirigentes um crescente poder econômico e político, que por sua vez produzirá três resultados disruptivos para o mecanismo de mercado. Primeiramente, o poder desses dirigentes passará a ser determinante para a formação dos preços, que deixarão de resultar do livre jogo das forças de mercado. Em segundo lugar, uma eventual falência dessas grandes unidades produtivas torna-se excessivamente custosa para a sociedade; o Estado, então, passará a auxiliar as empresas em dificuldade, de modo que os riscos da atividade econômica são socializados, enquanto o lucro continua sendo objeto de apropriação privada. Finalmente, o poder dos dirigentes será exercido para influenciar os rumos das políticas comerciais, no intuito de proteger os mercados da concorrência estrangeira, garantindo assim seu poder concentrado . 

Todas essas transformações, tomadas em conjunto, se são fatais para o capitalismo privado, criam justamente os mais importantes pressupostos para sua superação, rumo a uma planificação da economia. Já neste momento Pollock cogita um sistema econômico em que o Estado seja o maior capitalista, que denominaremos capitalismo tardio . Neste momento, porém, suas conclusões limitavam-se à afirmação de que estavam dados os pressupostos econômicos para uma reorganização planificada da economia, e o autor não tratou dos pressupostos sociais e políticos para a efetivação dessa organização . 

Em 1941, Pollock publicaria o texto Capitalismo de Estado: suas possibilidades e seus limites , discutindo a transformação do Estado em principal coordenador da produção e da distribuição, função antes atribuída ao mercado, através de um sistema de controles exercidos diretamente. Tal modelo se estruturaria em torno de cinco elementos, a saber: 1) a formulação de um plano geral que dirigiria a produção, a distribuição, a poupança e o investimento; 2) a administração dos preços em função do plano, não podendo flutuar livremente; 3) a subordinação do lucro ao plano, não podendo contradizer os objetivos deste; 4) a substituição de toda improvisação nas atividades estatais por uma racionalização e uma administração científica; 5) a substituição dos meios econômicos por meios políticos como última garantia da reprodução da vida econômica. Este último elemento em especial mudaria o caráter de todo o processo histórico, correspondendo à transição de uma era predominantemente econômica para uma era política 

Pollock afirmará, por fim, no texto de 1941, que, do ponto de vista econômico, não há qualquer limite ao funcionamento do capitalismo de Estado. O capitalismo consolida-se na medida em que passa a ser regulado conscientemente e tal processo de reestruturação afasta a perspectiva de sua superação. A conseqüência dessa conclusão marcará a ruptura definitiva com o debate marxista das décadas anteriores.

“Podemos até mesmo dizer que, sob o capitalismo de Estado, a economia, como ciência social, perdeu o seu objeto. Não existem mais problemas econômicos no velho sentido do termo, quando a coordenação de todas as atividades é realizada por um planejamento consciente e não pelas leis naturais do mercado. Onde antes o economista quebrava a cabeça para resolver o enigma do processo de troca, ele encontra, sob o capitalismo de Estado, meros problemas administrativos” . 

Assim sendo, a enorme capacidade de resistência e adaptação do capitalismo resultou em uma mudança qualitativa desse modo de produção. Não somente a capacidade de resistência desmentiu as especulações sobre o colapso, como o advento do capitalismo de Estado bloqueou a própria dinâmica econômica, praticamente não fazendo mais sentido continuar discutindo as crises . 

Com base nos trabalhos de Pollock, os frankfurtianos, já na década de 1930, rejeitaram as interpretações econômicas de sua época, segundo as quais o intervencionismo estatal era um fenômeno meramente conjuntural, pois o mercado, regulado pela livre concorrência, dispensaria as intervenções do Estado sob condições normais. Os autores defendiam a tese de que nenhuma economia moderna – fosse ela capitalista ou socialista – dispensaria a presença reguladora do Estado, e esta situação só tendia a se agravar no futuro, devido ao crescente imbricamento das economias nacionais no mercado mundial. Por isso o Estado não pode mais, como fizera até então, assumir o papel de mero espectador da dinâmica econômica: cabe a ele agora uma crescente participação na gestão da economia nacional e na manutenção do equilíbrio internacional. A livre concorrência não pode mais atuar como princípio regulador da economia nacional, pois era válida em um momento histórico em que as crises se limitavam à falência de um ou outro empresário, sem risco para a sobrevivência do sistema capitalista como um todo, mas não na nova fase, quando se trata de assegurar a continuidade do próprio sistema, organizado em enormes cartéis que rapidamente transcendem os limites geográficos das nações, pondo em jogo o sistema econômico mundial . 

Para Habermas, na fase atual, a do monopolismo do Estado , fazem-se notar nos países capitalistas avançados duas tendências evolutivas. A primeira é a crescente atividade intervencionista do Estado, que deve assegurar a estabilidade do sistema (já prevista por Pollock). A segunda é a crescente interdependência com a esfera técnica, que transformou a ciência na primeira força produtiva . 

Vejamos. O capitalismo moderno impõe ao Estado a missão de intervir sistematicamente no processo econômico, com vistas à salvaguarda da economia e a sobrevivência da própria nação, contribuindo ainda para a manutenção do capitalismo global. A nova tarefa do Estado – a de empresário – porém, se destrói a concepção do Estado liberal, não destrói, e sim reforça, as relações de produção dominantes. Permanece intacta a realidade da produção de bens baseada na propriedade privada, na venda da força de trabalho “livre” e na apropriação privada da mais-valia, mas torna-se necessário modernizar o aparelho estatal, tanto no que se refere ao seu desempenho econômico (como intervenções nas leis de oferta e procura e obras de infra-estrutura) quanto ao seu desempenho político (como a formulação de políticas que desativam os conflitos de classes) . 

O Estado capitalista moderno interfere diretamente na economia, manipula as crises, protege os produtos nacionais através do controle das importações e exportações, incentiva e dinamiza a economia com investimentos em infra-estrutura e saneamento de empresas. Da mesma forma, o Estado interfere no mercado da força de trabalho, combate o desemprego, reforça as políticas sociais de saúde e educação e procura controlar a mão-de-obra excedente. Ou seja, o Estado capitalista moderno se converte no Welfare State , o Estado de Bem-Estar que desativa a luta de classes e minimiza os conflitos entre operários e industriais em nome do bem-estar coletivo . 

“O intervencionismo estatal atua, pois, em dois planos: o econômico , manipulando as crises cíclicas da economia e limitando os riscos para os empresários individuais ou cartéis, e o político , amortecendo o conflito entre as classes de proprietários dos meios de produção e as classes operárias, e procurando cooptar essa última em nome do ‘progresso econômico’ e o ‘bem-estar social'” . 

Entretanto, mesmo em seu novo estágio, o capitalismo continua baseado na apropriação privada do excedente, na valorização privada do capital, e numa política de investimentos que responde a critérios de rentabilidade privada, e não a critérios de utilidade social. Na época em que o sistema era dirigido pelas exigências “naturais” do mercado e em que sua legitimação era assegurada pelas próprias relações de produção capitalistas, regidas pelo princípio da justa troca, estas dimensões suas não precisavam ser discutidas. No momento, porém, em que o Estado deve assumir o encargo de preservar estas relações de produção e em que o sistema econômico perde sua autonomia e passa a depender da esfera estatal, as disfunções do capitalismo perdem sua aparência de naturalidade e a política do Estado corre o risco de ser vista como a própria política do capital. Ao mesmo tempo, a ideologia da justa troca, que Marx desmascarara na teoria, sofreu também um colapso na prática: sua falsidade já se tornou evidente entre todos. Coloca-se então um novo problema: como esse Estado que assume o controle do capitalismo em sua fase monopolista, que mantém inalterada a exploração social, justificará sua atuação? Uma vez colapsada a ideologia da justa troca tanto na teoria quanto na prática, urge ao sistema encontrar uma nova forma de legitimação. Claro está, no entanto, que não se pode mais retroceder às visões de mundo pré-burguesas. Qual será agora, então, o novo princípio norteador e regulador do sistema capitalista? Como assegurar a lealdade das massas, nestas novas circunstâncias do capitalismo, em que ele não pode mais ser legitimado pelo apelo a uma ordem apolítica das relações de produção? Em outras palavras, qual será sua nova ideologia de legitimação? Acreditamos que a tese de Herbert Marcuse, de que a técnica e a ciência cumprem hoje a função de legitimação da dominação, proporciona-nos a chave para a análise da constelação alterada. Em sua etapa monopolista, a dominação será mascarada pelo véu tecnológico, removendo do horizonte visual não apenas as estruturas concretas de poder como as próprias categorias graças às quais seria possível pensar projetos alternativos de organização social, baseados em critérios não-instrumentais . 

Embora tenha sido originalmente concebida e empregada para a emancipação dos homens, a ciência está hoje a serviço da manutenção do capitalismo e das relações de classe. A produção de bens obedece a uma lógica técnica, e não à lógica das necessidades humanas: produz-se com eficácia aquilo que dá lucro e não as coisas de que os homens necessitam ou que gostariam de usar. A ciência e a técnica como forças produtivas, enfim, atuam hoje a serviço do valor de troca, da produção de mercadorias, e a sua dimensão crítica, negadora e emancipadora foi sufocada, abafada ou desviada. Na medida em que a ciência e a técnica conseguiram suprir algumas necessidades básicas e atenderam a algumas reivindicações dos homens, promovendo assim o “progresso” desejado e aplaudido por todos, elas mesmas se tornam a base legitimadora do sistema capitalista, desativando o conflito de classes e silenciando eventuais reivindicações por um sistema político e econômico menos alienado. Assim, a ciência e a técnica se converteram numa ideologia , aideologia tecnocrática , segundo a qual as questões tipicamente políticas não são resolvidas politicamente, com base em negociações e lutas, mas são convertidas em meras questões técnicas , de acordo com o princípio instrumental de meios ajustados a fins. Apesar de se apresentarem como neutras, a ciência e a técnica se transformam em dominação econômica e política no interesse da acumulação do capital. A intensa simbiose da ciência e da técnica com a dominação econômica e política no capitalismo moderno mostra o quão profundamente ambas estão comprometidas com o interesse das classes dominantes . 

Desse modo, as duas tendências da fase de monopolismo do Estado identificadas por Habermas alteram as formas de legitimação do poder. A ciência e a técnica, promotoras do progresso e do bem-estar coletivo, tornam-se a base de legitimação indispensável do Estado capitalista moderno. Os conflitos de classe e as lutas políticas para modificar a ordem social são definitivamente silenciados em nome do bom funcionamento da economia através da ciência e da técnica, que promove, por meio do Estado, o bem-estar geral . 

Mas tal resultado é fortemente obtido através de ações administrativas segundo critérios técnicos. A ação do Estado não poderá ser vista como política, mas simplesmente como uma ação instrumental, a serviço de uma racionalidade imanente, com seus próprios imperativos. Com esta manobra, as questões práticas poderão deixar de ser objeto de discussão e problematização e a opinião pública será despolitizada. A opinião pública, que no passado funcionava como uma instância crítica, é refuncionalizada para transformar-se num instrumento de canalização do consenso, em benefício do sistema de poder . 

A tendência evolutiva que caracteriza o capitalismo tardio é, pois, a cientificação da técnica . De fato, o capitalismo sempre foi marcado por uma pressão institucional para intensificar a produtividade do trabalho por meio da introdução de novas técnicas. Contudo, as inovações ainda dependiam de inventos esporádicos que, embora até pudessem ser induzidos economicamente, ainda detinham um caráter natural. Tal situação se modifica quando a evolução técnica passa a ser cada vez mais alimentada com o progresso das ciências modernas. Já a partir da Segunda Guerra Mundial, a pesquisa industrial de grande porte, a ciência, a técnica e a revalorização do capital confluirão num único sistema. O Estado assume os encargos da pesquisa científica destinada primeiramente ao setor militar, a partir de onde ela reflui para as esferas da produção de bens civis. Desse modo, a ciência e a técnica são transformadas na principal força produtiva, adquirindo total destaque. Mas por ser, pelo menos em princípio, independente do sistema econômico, o progresso da ciência aparece como quase autônomo, do qual depende a outra variável – esta sim, a mais importante do sistema – o crescimento econômico . 

“Cria-se assim uma perspectiva na qual a evolução do sistema social parece estar determinada pela lógica do progresso técnico-científico. A legalidade imanente de tal progresso parece produzir as coações materiais pelas quais se deve pautar uma política que se submete às necessidades funcionais” 

O progresso autônomo da ciência e da técnica é considerado uma variável independente do sistema, da qual depende o desenvolvimento da vida social. Assim sendo, o Estado nada mais faz que seguir a lógica dos imperativos técnicos e científicos; não toma decisões práticas (políticas), mas sim decisõestécnicas , que não são contingentes, mas sim necessárias, pois estão embasadas na objetividade do saber científico, invulnerável a qualquer crítica. Os fundamentos desse sistema, como simplesmente respondem a imperativos de ordem técnica, tornam-se imunes a qualquer contestação. A ideologia tecnocrática apresenta questões políticas sob a forma de questões técnicas e exclui do debate público todos os temas realmente significativos para a práxis . 

A ideologia tecnocrática, para Habermas, é ao mesmo tempo menos ideológica e mais ideológica que as legitimações tradicionais. É menos ideológica porque não corresponde apenas a uma ilusão: os benefícios sociais advindos do progresso tecnológico do capitalismo tardio são reais, não importando quais sejam suas verdadeiras motivações. É a própria eficácia da técnica e seus resultados que fornecem a base de sua legitimação. Mas é também mais ideológica porque, assim como as antigas ideologias, seu objetivo é inibir a discussão dos fundamentos do sistema. A ideologia tecnocrática mascara, por trás da aparente racionalidade da ciência e da técnica, em cujo nome atua o Estado, a realidade de um sistema de dominação que continua baseado na valorização privada do capital. Podemos dizer assim que a ideologia tecnocrática é mais ideológica justamente por ser menos ideológica: na medida em que os benefícios reais do capitalismo tardio são atribuídos à ação espontânea do progresso técnico e científico, e em que este é apresentado como a solução definitiva para todos os males da humanidade, a verdadeira causa desses males simplesmente desaparece da esfera do debate . 

Habermas sugere a adoção de um modelo descritivo da relação entre a ciência e a política chamado de pragmatista , no qual nenhuma das duas esferas exerce uma preponderância absoluta sobre a outra; antes existe uma profunda interrelação entre ambas. Nem o cientista se converteu em soberano perante o político, nem este é mais guiado unicamente por seus atos de vontade na resolução de questões práticas. Na realidade, ocorre uma forte comunicação recíproca em que, por um lado, os especialistas científicos “aconselham” as instâncias tomadoras de decisões e, por outro, os políticos “encarregam” os cientistas segundo as necessidades da prática. A instituição do IPCC é emblemática desse processo. As conclusões do Painel passam a guiar as decisões políticas, enquanto os governos financiam as pesquisas de mudanças climáticas favoráveis à hipótese e às conclusões almejadas, necessárias à realização de seus interesses políticos. Desse modo, controla-se, por um lado, o desenvolvimento de novas técnicas e estratégias, a partir de um horizonte tornado explícito de necessidades e de interpretações historicamente determinadas destas necessidades; e por outro são igualmente controlados os interesses sociais refletidos em sistemas de valores pela comprovação nas possibilidades técnicas e nos meios estratégicos de sua satisfação. São desenvolvidas tecnologias “verdes” em virtude da necessidade de preservação do meio ambiente, ao mesmo tempo em que se demonstra a necessidade desse tipo de desenvolvimento . 

Mas uma tradução bem-sucedida das recomendações e estratégias técnicas para a esfera da prática política necessita da mediação da opinião pública. De fato, a comunicação estabelecida entre os especialistas e as instâncias de decisão política, que determina a direção do progresso técnico a partir da auto-compreensão tradicionalmente marcada das necessidades práticas, ao mesmo tempo em que também examina e critica essa auto-compreensão a partir das oportunidades de satisfação possibilitadas pela técnica, deve efetivamente se religar com os interesses sociais e as orientações de valores de um mundo social da vida já dado – do contrário, perde-se a aparência da democracia no processo decisório. O processo de comunicação encontra-se preso à pré-compreensão historicamente determinada e socialmente prescrita do que é necessário fazer numa situação concreta e institucionaliza-se na forma democrática de discussões públicas no seio do público formado pelos cidadãos. É o próprio público quem deve ser levado a clamar pelo “desenvolvimento sustentável”, ditar suas regras e fazer-se ouvir por meio de ONGs e políticos engajados, para que a opção por esta alternativa adquira total aparência de decisão democrática. “Para a cientificação da política, é constitutiva a relação entre as ciências e a opinião pública ” . 

Esse processo de tradução do conhecimento que se desenrola entre os mandatários políticos e os especialistas das ciências envolvidas no projeto também foi alvo de uma institucionalização em grande escala. No nível dos governos, são instituídas burocracias encarregadas de dirigir a pesquisa e o desenvolvimento e institutos de assessoria científica, cujas funções refletem mais uma vez a complexa transformação da ciência em prática política. Lembremos que a burocracia responsável pela pesquisa oficial de mudanças climáticas da ONU não é constituída apenas por cientistas, mas por um grande número de representantes governamentais com poder de intervenção direta sobre as conclusões a serem divulgadas – daí o nome de Painel Intergovernamental e não Painel Científico . Atrelada a essa assessoria científica, aparece também uma assessoria política, cujas tarefas incluem a interpretação dos resultados da pesquisa a partir do horizonte dos interesses dominantes que determinam a compreensão da situação por parte dos agentes e avaliar, selecionar e estimular os programas que encaminham o processo de pesquisa em direção a questões práticas. De fato, o IPCC é o órgão responsável por compilar a pesquisa climática produzida de acordo com os interesses de governos e empresas e idealizar estratégias de mitigação da mudança climática, sempre atreladas ao desenvolvimento de novas tecnologias e fontes de energia e aos mecanismos de desenvolvimento limpo, tão interessantes a governos e empresas nos dias atuais . 

No momento em que esta tarefa se dissocia do contexto dos problemas particulares e o desenvolvimento de uma pesquisa no seu conjunto se torna um tema de maior relevância, configura-se então uma política de pesquisa em longo prazo. Esta é a tentativa de controlar as relações espontâneas entre o progresso técnico e o mundo social da vida. Os grupos de assessoria que se ocupam da política de investigação suscitam um novo tipo de pesquisa prospectiva de caráter interdisciplinar, que deixa mais claro o estado evolutivo e os pressupostos sociais do progresso científico juntamente com o nível de formação da sociedade global, retirando-os assim das situações de interesses espontâneos. A pesquisa agora deverá seguir os ditames desse programa inequivocamente demarcado, corroborando as conclusões já estabelecidas pelo Painel e fechando o espaço a qualquer possibilidade de contestação por parte da ala dissidente . 

Habermas não deixa de notar uma barreira que perturba, pelo menos em princípio, o fluxo da comunicação entre a ciência e a opinião pública: trata-se da reclusão burocrática que resulta da organização do moderno sistema de pesquisa. Juntamente com as formas de sabedoria individual e de uma unidade sem maiores problemas entre pesquisa e ensino, desvanece também o contato sem coerções e outrora até um pouco evidente entre o pesquisador e o público, seja este composto de estudantes ou de leigos cultos. O verdadeiro interesse do pesquisador integrado a uma grande organização, interesse este orientado para a solução de problemas rigorosamente circunscritos, não mais precisa estar associado à preocupação de comunicar seus resultados a um público de leitores, pois o destinatário que encontramos às portas da pesquisa organizada e a quem se dirigem as informações científicas já não é exatamente um público discente ou uma opinião pública que tem por hábito a discussão científica, mas em geral um cliente interessado no resultado do processo de pesquisa em virtude de sua aplicação técnica. O destinatário das pesquisas de mudanças climáticas hoje não é a academia comprometida com o debate de idéias, mas as empresas e governos que necessitam de argumentos científicos que apóiem e justifiquem os planos e as políticas adotadas. No lugar das antigas exposições quase em prosa poética, surge o relatório de pesquisa explicitando o estágio de desenvolvimento do encargo e as recomendações técnicas – os relatórios de avaliação periodicamente lançados pelo IPCC . 

A esta dificuldade de comunicação somam-se o próprio volume de pesquisa científica e a crescente especialização. Multiplicam-se, então, as revistas e os congressos científicos, numa tentativa de divulgar a informação e de estabelecer contatos com pesquisadores de outras áreas que eventualmente contribuirão para os trabalhos uns dos outros e para sua divulgação. Ao mesmo tempo, aumentam as tentativas de resumir todo esse material que se tornou inabarcável, de ordená-lo e reelaborá-lo com o objetivo de se conseguir uma visão de síntese. Em virtude do tamanho de seus relatórios, o IPCC produz seus próprios resumos, cuja função alegada é divulgar mais amplamente suas conclusões, mas que acaba servindo como um desestimulador da leitura dos relatórios completos, que desestimulariam a tomada de ações de combate ao aquecimento global, em virtude das incertezas ali apontadas em diversas passagens. Mas o congresso, o periódico científico e o resumo, por constituírem apenas um primeiro passo, serão insuficientes nessa empreitada da comunicação, dado o volume e as grandes distâncias que hoje separam as disciplinas . A solução definitiva, nota Habermas, passará então pela grande mídia: 

“os físicos informam-se no Time magazine sobre os novos desenvolvimentos da técnica e da química. Helmut Krauch suspeita com razão que também na Alemanha o intercâmbio entre disciplinas de diversas disciplinas se vê já remetido para as traduções de um jornalismo científico, que se estende das informações bibliográficas exigentes até as colunas científicas da imprensa diária (…) A opinião pública externa à ciência, numa situação de tão elevada divisão de trabalho, torna-se de muitos modos o caminho mais curto para o entendimento interno entre especialistas que se ignoram uns aos outros” . 

Sabemos perfeitamente que, a despeito da existência e dos trabalhos do IPCC, as evidências e conclusões sobre o aquecimento global divulgadas por uma parcela significativa dos acadêmicos provêm direta ou indiretamente do filme do ex-próximo presidente dos Estados Unidos, Uma verdade inconveniente.Os relatórios do IPCC são muito longos, difíceis de ler e interpretar, e não trazem grandes novidades em relação ao conhecimento já consagrado pelo senso comum, não é mesmo? Então qual a necessidade de lê-los se já existe um documentário de excelente qualidade abordando essa temática? 

14.2 Climatologia emancipadora?

A Climatologia aparece hoje, pois, como uma importante força produtiva do capitalismo tardio. Com a hipótese do aquecimento global, atual mãe de todos os medos ambientais, ela se posiciona na linha de frente do desenvolvimento de novas tecnologias e do controle dos interesses sociais, atuando em prol do saneamento de empresas por parte do Estado e assim consolidando-o em seu papel de grande gerenciador da economia. Ao institucionalizar este novo paradigma de pesquisa, a Climatologia trabalha pela continuidade e agravamento da apropriação privada da riqueza socialmente gerada e das tradicionais estruturas de dominação social, eximindo o Estado da responsabilidade de suas ações. 

Não há o que estranharmos em termos chegado até aqui. Os rumos tomados pela ciência em geral e pela Climatologia em particular como legitimadoras do capitalismo tardio não foram casuais, mas antes a conseqüência lógica de sua própria estrutura. A ciência, originalmente concebida para a emancipação humana, não pode cumprir essa meta sem exercer o domínio totalitário da natureza e dos homens. Justamente por ser um instrumento de emancipação, a ciência se torna um instrumento de dominação. Esta conseqüência aparentemente anticientífica não é o resultado de uma aplicação social específica da ciência; na verdade, a direção geral em que foi aplicada era inerente à ciência pura até mesmo onde não eram objetivados propósitos práticos . 

“a ciência, em virtude de seu próprio método e de seus conceitos, projetou e promoveu um universo no qual a dominação da natureza permaneceu ligada à dominação do homem – uma ligação que tende a ser fatal para esse universo como um todo. A natureza, cientificamente compreendida e dominada, reaparece no aparato técnico da produção e destruição que mantém e aprimora a vida dos indivíduos enquanto os subordina aos senhores do aparato. Assim, a hierarquia racional se funde com a social” . 

A ciência que busca o controle da natureza é tecnologia apriorística, e o a priori de uma tecnologia muito específica, qual seja, a tecnologia como forma de dominação e controle social. E, em sendo desde o princípio um instrumento de dominação, não representa qualquer incoerência o fato de ela ser apropriada pelo complexo industrial e financeiro como seu meio fundamental de sobrevivência. A sociedade industrial que faz suas a tecnologia e a ciência é organizada para a dominação cada vez mais eficaz do homem e da natureza, para a utilização cada vez mais eficaz de seus recursos . Seria, pois, apenas uma questão de tempo até a Climatologia ter sua oportunidade de associar a seu projeto de compreensão do funcionamento do sistema climático, elaboração de prognósticos e adequação do clima aos propósitos humanos – ou seja, de dominação da natureza – o projeto de tornar-se uma peça fundamental da inabalável tendência de dominação do homem. É através da tentativa de controle da variabilidade natural do sistema climático que a Climatologia nos disponibiliza requintadas formas de controle social. 

A ciência tem, pois, uma função estabilizadora, estática e conservadora em relação às formas institucionalizadas de vida. Mesmo as suas conquistas mais revolucionárias correspondem a construções ou destruições em harmonia com uma organização e uma experiência específicas da realidade. Sua evolução propulsiona e amplia o mesmo universo histórico, a mesma experiência básica, e conserva os mesmos pressupostos formais que favorecem um conteúdo muito material e prático . A ciência, que conduziu à dominação cada vez mais eficaz da natureza forneceu, dessa forma, tanto os conceitos puros quanto os instrumentos para a dominação cada vez maior do homem através da dominação da natureza. A razão teórica, ao permanecer pura e neutra, entrou para o serviço da razão prática. “Hoje, a dominação se perpetua e se estende não apenas através da tecnologia, mas como tecnologia, e esta garante a grande legitimação do crescente poder político que absorve todas as esferas da cultura” . 

À primeira vista, a racionalidade tecnológica parece implicar o oposto da resignação. Como os dogmas teológicos e teleológicos não interferem mais na luta do ser humano com o mundo natural, ela desenvolve suas energias experimentais sem inibições. Não há constelação de matéria que esse homem todo-poderoso não procure romper, mudar e manipular conforme sua vontade e interesse. Mas, se essa racionalidade está direcionada para um controle mais eficaz da natureza e do homem, é justamente sob a forma do “gerenciamento científico” que a racionalidade tecnológica se tornou um dos meios mais eficientes e lucrativos para o exercício desse controle . 

Como as leis e os mecanismos da racionalidade tecnológica estão difundidos por todas as esferas da vida, eles desenvolvem um conjunto de valores de verdade próprios que serve bem ao funcionamento desse existente – e nada mais. Afirmações relativas ao uso da ciência e da tecnologia tornam-se verdadeiras ou falsas em termos deste sistema de valores, testados e perpetuados pela experiência e guia dos pensamentos e ações de todos os que desejam sobreviver. “A racionalidade aqui pede submissão e coordenação incondicional e, conseqüentemente, os valores de verdade relacionados a essa racionalidade implicam a subordinação do pensamento a padrões externos preestabelecidos” . Em suma, 

“A racionalidade está se transformando de força crítica em uma força de ajuste e submissão. A autonomia da razão perde seu sentido na mesma medida em que os pensamentos, sentimentos e ações do homem são moldados pelas exigências técnicas do aparato que ele mesmo criou. A razão encontrou seu túmulo no sistema de controle, produção e consumo padronizados. Ali ela reina através das leis e mecanismos que asseguram a eficiência, a eficácia e a coerência desse sistema” . 

Ser racional nesta cultura não significa fazer uso do pensamento, da reflexão, em prol da emancipação de si próprio e de sua comunidade. Ser racional é adequar-se aos ditames do complexo industrial e financeiro, atender às suas expectativas. São eles que determinam os fatos da ciência, os rumos da política, os valores morais, os sonhos de cada ser humano vivente. Ao ajustar seu comportamento a tais ditames, o sujeito encontra o conforto de estar no rumo certo. Ser um climatólogo racional nesta cultura implica necessariamente em moverse por um impulso incontido de levar aos quatro cantos do mundo a mensagem da urgência da tomada de atitudes pelo controle da evolução das temperaturas do planeta, a saber, uma drástica mudança nos padrões de vida praticados por amplas parcelas da população, forçando a adoção de novos hábitos de consumo e redução de seu nível de conforto e de seus direitos civis, enquanto a esmagadora maioria de pobres e miseráveis de que se compõe a humanidade deve ser mantida exatamente onde está, se possível ainda mais rebaixada, para não comprometer a sustentabilidade do planeta e o bem-estar das gerações futuras. Ser um climatólogo racional significa atender prontamente a todos os chamados do complexo industrial e financeiro em sua incessante meta de desenvolver sustentavelmente a si próprio, significa subordinar-se incondicionalmente aos valores de uma cultura cujo último interesse é o bem-estar dos seres humanos futuros ou presentes. “Racional é aquele que mais eficientemente aceita e executa o que lhe é determinado, que confia seu destino às grandes empresas e organizações que administram o aparato” . E, como a Climatologia cética contraria a ordem científica existente, que permite a continuidade das tradicionais estruturas de dominação, favorecendo seus interesses ao clamar insistentemente pela destinação de financiamentos ao prioritário desenvolvimento de modelos de circulação geral, tecnologias ditas sustentáveis e produtos de consumo verdes, enfim, porque recusa esta ordem existente , a Climatologia cética é rotulada de reacionária, míope e parcial. A Climatologia desponta hoje como uma formidável racionalização da eterna sustentabilidade da escravidão física e mental. 

Várias influências contribuíram para consumar a impotência social do pensamento crítico, mas a mais importante delas foi o crescimento do aparato industrial e seu controle, que abrange todas as esferas da vida com a mais alta eficácia, conveniência e eficiência. É um aparato racional, que combina a máxima eficiência com a máxima conveniência, economiza tempo e energia, elimina o desperdício, adapta todos os meios a um fim, antecipa as conseqüências, sustenta a calculabilidade e a segurança. Foram a crescente produtividade tecnológica e a crescente conquista do homem e da natureza que possibilitaram a integração política da sociedade industrial. O progresso técnico criou formas de vida e de poder que reconciliam as forças de oposição do sistema e rejeitam ou refutam todo protesto em nome das perspectivas históricas de libertação. Quem ousaria, em sã consciência, posicionar-se contra o progresso tecnológico que tantos benefícios nos trouxe? Os eventuais conflitos são estabilizados pelos efeitos benéficos da produtividade crescente, produzindo um sistema de dominação disfarçada de afluência e liberdade, pois o véu da tecnologia consegue esconder a reprodução da desigualdade e da escravização. Em nenhum momento passa pelas nossas cabeças a menor possibilidade de que a tecnologia estabelecida possa ser, ela mesma, uma ferramenta de regressão ao invés de emancipação. Tendo o progresso técnico por instrumento, a falta de liberdade, a sujeição do homem ao seu aparato produtivo é perpetuada e intensificada sob a forma das muitas liberdades e comodidades . 

A sociedade contemporânea é capaz de conter toda transformação social, uma transformação qualitativa que estabeleceria instituições essencialmente diferentes, novas direções aos processos produtivos, novas formas de existência humana. Tal contenção da transformação e a integração dos oponentes são talvez a mais singular realização das sociedades capitalistas avançadas, ao mesmo tempo resultado e requisito dessa realização. Validado pelas conquistas da ciência e da técnica e justificado por sua produtividade sempre crescente, este existente desafia qualquer possibilidade de superação . Nesse sentido, podemos dizer que a ideologia do aquecimento global é mais ideológica do que as ideologias burguesas tradicionais justamente por ser menos ideológica. Ela é menos ideológica porque a poluição atmosférica e seus efeitos maléficos sobre a saúde humana e os ecossistemas são uma realidade, o que implica na necessidade de seu controle. E, ao se confundir poluição atmosférica com efeito estufa antropogênico, nada mais natural do que exigir sua contenção. Mas, na medida em que o problema real da poluição atmosférica é apresentado como causa de muitos outros problemas reais de ordem ambiental e social, bloqueia-se a possibilidade de discussão e investigação sobre a verdadeira causa desses problemas, ocultando-as, cumprindo assim sua função de ideologia em sua plenitude. Ou seja, a base da legitimação da ideologia do aquecimento global assenta-se justamente sobre a realidade, autorizando-lhe a adentrar as mais diversas esferas e contribuindo para mascarar os verdadeiros determinantes dos problemas sociais e ambientais. 

A racionalidade tecnológica inculcada naqueles que mantêm o aparato transformou diferentes métodos de compulsão externa e autoridade em métodos de autodisciplina e autocontrole. A segurança e a ordem do sistema são garantidas pelo fato de que o homem aprendeu a ajustar seu comportamento até os mínimos detalhes. Ao manipular a máquina, o homem aprende que a obediência às instruções é o único meio de se alcançar os resultados almejados. Ser bem-sucedido é sinônimo de adaptar-se ao existente. Não há lugar para a autonomia, mas somente para a dócil submissão à seqüência predeterminada de comandos, que absorve os esforços libertadores do pensamento e força as várias funções da razão a convergirem para a manutenção incondicional do existente. Todos agem de forma igualmente “racional”, ou seja, de acordo com os padrões que asseguram o perfeito funcionamento deste existente e, dessa forma, a manutenção de sua própria vida. Mas essa internalização da coerção e da autoridade, ao invés de atenuar, reforçou os mecanismos de controle social. “Os homens, seguindo sua própria razão, seguem aqueles que fazem uso lucrativo da razão”. Esses mecanismos de controle ajudaram a impedir que os indivíduos agissem de acordo com a verdade evidente, e foram eficazmente suplementados pelos mecanismos de controle físico do aparato. Neste ponto, os interesses que de outro modo seriam divergentes e seus meios de ação são sincronizados e adaptam-se de tal maneira que sua eficiência neutraliza qualquer ameaça séria ao seu reinado . 

Essa tolerância à administração total é imposta não por alguma entidade terrorista ou pela força bruta, mas pelo poder e eficiência esmagadores e anônimos da sociedade tecnológica. As organizações econômicas e sociais dominantes não mantêm seu poder através do uso da força, mas sim identificando-o com as crenças e lealdades do próprio povo, enquanto este é treinado a identificar suas crenças e lealdades com as organizações. Se antes a dominação era exercida pela força, ela se dá agora pela ciência estabelecida : “no período contemporâneo, os controles tecnológicos parecem ser a própria personificação da Razão para o bem de todos os grupos e interesses sociais – a tal ponto que toda contradição parece irracional e toda ação contrária parece impossível” . Assim, todo um sistema é montado para transformar os instintos, os desejos e os pensamentos humanos em canais de alimentação deste existente . 

“Se os indivíduos estão satisfeitos a ponto de se sentirem felizes com as mercadorias e os serviços que lhes são entregues pela administração, por que deveriam eles insistir em instituições diferentes para a produção diferente de mercadorias e serviços diferentes? E se os indivíduos estão precondicionados de modo que as mercadorias que os satisfazem incluem também pensamentos, sentimentos, aspirações, por que deveriam desejar pensar, sentir e imaginar por si mesmos?” .

Os produtos doutrinam e manipulam ao trazerem consigo atitudes e hábitos prescritos e prendendo produtores e consumidores ao todo. Os escravos da sociedade industrial são escravos sublimados, mas permanecem escravos, pois a escravidão de agora não é determinada “pela obediência e pela dureza do trabalho, mas pela condição de ser um mero instrumento e pela redução do homem à condição de coisa” . Tanto os sujeitos quanto os objetos constituem-se em meros instrumentos num todo cuja razão de ser são as realizações de sua produtividade cada vez mais poderosa. E tudo isso, no final das contas, é para seu benefício, segurança e conforto: quem seguir as instruções será mais bem-sucedido, subordinando seu corpo e sua alma à sabedoria anônima que ordenou tudo a ele . 

Em outros tempos, o exercício da dominação social exigia um investimento prévio em algemas, bombas e campos de concentração. A cada dia, no entanto, essa dominação pela força bruta cede mais espaço à dominação pela sustentabilidade: todos estão convencidos da prioridade de salvar o planeta e recebem com efusivas saudações cada nova medida em seu favor. Não percebem porém que cada uma dessas medidas tem como único objetivo a venda de produtos e tecnologias, a escravidão e a criação de impostos, exatamente as mesmas práticas que o capitalismo desenvolveu ao longo de toda a sua história, sem qualquer preocupação com o restabelecimento do equilíbrio ambiental planetário. Agora, no entanto, esses produtos, essa escravidão e esses impostos são desejados pelo povo, cada vez mais subserviente aos ditames de seus carrascos. O consumo ecologicamente correto ameniza nossa sensação de alienação da natureza, reconectando-nos às nossas origens. Não são simplesmente produtos , são ideais que nos são vendidos. E, se queremos manifestar nossos ideais, nada mais natural do que consumi-los e apoiar seu desenvolvimento. A escravidão, assim, deixa o tronco e a senzala para se firmar no interior de nossas mentes, identificando nossos ideais com os de empresas e governos, tudo pelo nosso bem. Quem ousaria se opor a tão caridoso sistema? 

Tudo isso culmina numa devastadora redefinição do próprio pensamento, de sua função e de seu conteúdo: “Surge assim um padrão de pensamento e comportamento unidimensionais no qual as idéias, as aspirações e os objetivos que por seu conteúdo transcendem o universo estabelecido da palavra e da ação são repelidos ou reduzidos a termos desse universo” . A mente unidimensional tende a abreviar o conceito em imagens fixadas, impedir o pensamento através de fórmulas autovalidadoras e hipnóticas, imunizar-se contra a contradição e identificar a coisa ou a pessoa com sua função. Ela bloqueia o desenvolvimento conceitual, milita contra a abstração e a mediação, repele o conhecimento dos fatores por trás dos fatos, bem como de seus conteúdos históricos. A razão, uma vez definida nesses termos, converte-se numa atividade perpetuadora desse mundo. O comportamento racional, assim, iguala-se à factualidade que prega uma submissão incondicional e, por isso, garante uma convivência pacífica com a ordem dominante . 

O pensamento independente e autônomo e o direito à oposição perdem sua função crítica numa sociedade cada vez mais capaz de atender às necessidades dos indivíduos através da forma de sua organização – sejam essas necessidades autênticas, criadas ou meramente pão e circo. Tal sociedade pode, justificadamente, exigir a aceitação dos seus princípios e instituições, além de perseguir a oposição e a promoção de diretrizes alternativas. Nas condições de um padrão de vida crescente, o inconformismo com este sistema parece socialmente inútil e especialmente prejudicial quando acarreta desvantagens econômicas e políticas tangíveis e ameaça a sinfonia do todo. Tal atitude de conformismo, que dissolve todas as ações em uma seqüência de reações mecânicas às normas prescritas, tornou-se não somente racional, mas perfeitamente razoável. Todo protesto é insensato e o indivíduo que insiste em sua liberdade e independência de pensamento e ação é considerado um outsider . A autonomia de pensamento aparece como um obstáculo, em vez de um estímulo à ação racional. Em virtude de sua subordinação cega aos padrões externos, a racionalidade tecnológica entra em flagrante contradição com os ideais emancipatórios da razão. Ela se converte em mera submissão aos fatos deste existente, ao invés de instrumento de sua transcendência . 

A Climatologia tal como está constituída hoje mostra-se como um extraordinário momento de regressão da razão. Plenamente incorporada a este existente, ela se mostra surda à dissidência, combate os conceitos subversivos como em uma guerra santa e eterniza suas verdades, escondendo suas verdadeiras origens e contextos. Sob tais circunstâncias, as argumentações da ala cética, que denunciam os interesses velados e os incalculáveis erros científicos e epistemológicos cometidos, tornam-se ilusórias e sem sentido, ou pior, um verdadeiro entrave ao progresso da ciência. Ao acreditar que poderia nos libertar das forças da natureza a partir do domínio completo sobre ela, alterando-se a composição atmosférica e antecipando seus desdobramentos em séculos, ao conduzir-nos por um raciocínio estritamente linear e simplista, ao renunciar ao pensamento independente, a Climatologia global warmer na realidade promove a atrofia da mente, impedindo-a de perceber as contradições e as alternativas. 

É inegável que a força que transforma o comportamento humano em uma série de reações absolutamente previsíveis é uma força externa, a saber, a racionalidade tecnológica encarnada na sociedade industrial. Mas o homem não sente essa perda de liberdade como obra de uma força externa e hostil; ele antes renuncia à sua liberdade sob os ditames da própria razão. O aparato ao qual o indivíduo deve se ajustar e se adaptar apresenta-se tão racional que o protesto e a libertação individual parecem, além de inúteis e sem sentido, absolutamente irracionais. Não faz o menor sentido nadar contra a corrente dominante na Climatologia de hoje. Todos devem afirmar categoricamente a inquestionável existência de um aquecimento do planeta, apesar do acúmulo de provas em contrário. Sustentar uma posição contrária aos 2500 melhores cientistas do mundo é uma atitude em que nenhum ser racional deve incorrer. Os indivíduos são despidos de sua individualidade não pela coerção externa, mas pela própria racionalidade a que estão submetidos . 

Essa padronização do pensamento sob o comando da racionalidade tecnológica não deixa imunes sequer os valores de verdade críticos: eles são arrancados de seu contexto original e, em sua nova roupagem, recebem ampla publicidade, até mesmo oficial. O ambientalismo, que consistia originalmente em força crítica, converte-se em força de ajustamento e escravidão. Conforme estas afirmações se tornam parte da cultura estabelecida, perdem seu poder de ataque e se fundem ao antigo e ao familiar. Todos sabem hoje da importância de economizar água e energia, de reciclar seu lixo, de preservar os ecossistemas e de trabalhar a consciência ambiental. Todos esses comandos, porém, não visam a produção de um meio ambiente sadio para os homens, mas a redução dos custos de produção das empresas, a criação de impostos, a restrição de liberdades individuais e coletivas. Essa familiaridade com os valores de verdade originalmente emancipadores mostra a que grau a sociedade se tornou indiferente e insensível ao impacto do pensamento crítico, pois as categorias do pensamento crítico preservam seu valor de verdade somente quando conduzem à completa realização das potencialidades sociais que vislumbram, e perdem seu vigor se determinam uma atitude de submissão fatalista . 

Essa força descomunal e sempre crescente do aparato, no entanto, não é a única influência responsável. A impotência social do pensamento crítico foi ainda mais facilitada por conta da incorporação de importantes setores da oposição ao próprio aparato – sem, é claro, perderem o título de oposição. Até mesmo os climatólogos e intelectuais que dispõem de todos os argumentos políticos contra a ideologia do aquecimento global sucumbem a esse processo de padronização, que, apesar de exibir um conteúdo crassamente oposicionista, pela disposição a também se acomodarem de sua parte, aproxima-os de tal maneira do espírito dominante, que seu próprio ponto de vista se torna objetivamente cada vez mais contingente, dependendo apenas de frágeis preferências ou de sua avaliação de suas próprias chances profissionais e de pesquisa. A crítica que, de um ponto de vista subjetivo, parece-lhes radical, na verdade obedece objetivamente em tudo e por tudo à parte do esquema reservada para seus pares, de tal sorte que seu radicalismo se reduz a um prestígio abstrato, à legitimação daquele que sabe a favor do que ou contra que um intelectual tem de estar nos dias de hoje. Inúmeros são os climátologos hoje que, mesmo de posse de todos os dados e argumentos básicos, insistem em anunciar ao mundo a emergência de uma crise global sem precedentes, como se com essa nobre atitude ele estivesse prestando sua inestimável contribuição à sociedade, clamando pela adoção de novos hábitos e novas tecnologias cuja única finalidade é reformular as mesmas estruturas capitalistas de dominação social. Não é do interesse da grande maioria dos cientistas envolvidos na causa do aquecimento global a “salvação da humanidade”. A única ambição deles é “estar por dentro”, no que se refere ao paradigma aceito, encontrar o slogan certo, conhecer as novas tendências e caminhar perfeitamente alinhado a elas . 

No entanto, ao invés de sentir alguma hostilidade nas proibições de pensar, tais climatólogos (ou pretensos climatólogos) sentem-se aliviados, pois o pensar crítico impõelhes uma responsabilidade, que sua posição objetiva no processo de produção lhes impede de assumir, e eles então “renunciam aos pensamentos, encolhem os ombros e passam para o lado do adversário”. Sem demora, sua má vontade e sua preguiça transformam-se na incapacidade de pensar e são elevadas à categoria de mérito moral. Os cientistas que se recusam a cooptar com este existente não passam de vendidos aos impérios do petróleo e de negadores do holocausto, enquanto os global warmers constituem os fiéis representantes dos interesses das gerações futuras. Ser crítico nesta ciência é correr o risco de ser relegado ao ostracismo por toda a comunidade científica e pela sociedade como um todo. Em resumo, pensar torna-se uma atitude anticientífica. Mas “a estupidez coletiva dos técnicos de pesquisa não é a simples ausência ou regressão das faculdades intelectuais, e sim uma proliferação destas mesmas faculdades, que devora com sua própria força o pensamento” . É seguindo a razão que esses cientistas renunciam à autonomia de pensamento, pois esta via está de pleno acordo com o sistema de valores dominante, com a demanda do desenvolvimento tecnológico, científico e financeiro, com os anseios sociais. Irracional mesmo seria desafiar este existente. 

Também Mészáros é um ferrenho crítico da noção de neutralidade da ciência, embora num sentido mais materialista do que o discutido até agora. Para o autor, a afirmação de que nossa sociedade tecnológica é um tipo inédito de sociedade, na qual a ciência e a tecnologia ditam o que acontecerá ao corpo social, abalando as instituições estabelecidas e destruindo os fundamentos sociais dos mais caros valores, é uma total mistificação. Não pode haver uma sociedade inédita conduzida pelas descobertas científicas e desenvolvimentos tecnológicos porque, na realidade, a ciência e a técnica estão sempre profundamente inseridas nas estruturas e determinações sociais de sua época. Conseqüentemente, não são mais impessoais, menos ideológicas ou menos ameaçadoras do que qualquer outra prática produtiva importante da sociedade em questão . 

Mészáros resume seu posicionamento ao afirmar que 

“Se o impacto da ciência e da tecnologia sobre a sociedade parece ser ‘implacável e possivelmente esmagador’, evocando a ameaça de uma total paralisia e desintegração social observadas com angústia por ‘governos desamparados’, isso não ocorre por conta de suas características intrínsecas. É mais por causa da maneira pela qual as forças sociais dominantes – inclusive, em uma posição preponderante, aquelas descritas como ‘governos desamparados’ – se relacionam com a ciência e a tecnologia: seja assumindo a responsabilidade por seu controle a serviço de objetivos humanos, seja, ao contrário, usando-as como um álibi conveniente e seguro para sua própria capitulação ante os poderes da alienação e da destruição “.

Nas palavras do autor, “A idéia de que a ciência segue um curso de desenvolvimento independente, de que as aplicações tecnológicas nascem e se impõem sobre a sociedade com uma exigência férrea, é uma simplificação demasiadamente grosseira e com objetivos ideológicos” . Mészáros não pretende negar que a lógica do desenvolvimento científico tenha um aspecto relativamente autônomo; no entanto, alerta que o reconhecimento dessa autonomia não pode chegar a ponto de tornar absoluta a lógica imanente do desenvolvimento científico, com a eliminação, de modo ideologicamente tendencioso, de determinações sóciohistóricas importantes e muitas vezes problemáticas. Defender a absoluta imanência do progresso científico e de seu impacto sobre os desenvolvimentos sociais, dirá o autor, só pode servir aos propósitos da apologia social . A ciência não é um corpo a-histórico e neutro de conhecimento, é antes o reflexo do sistema social que a envolve. O paradigma do aquecimento global antropogênico não é simplesmente uma teoria científica; ele está estreitamente relacionado a todo um conjunto de determinações sociais. E, em estando atrelado a e determinado por este aparelho social, o cientista trabalhará em favor da manutenção deste existente, por mais que ele se afirme neutro, objetivo e balanceado. 

Mészáros cita um trecho de Hilary e Steven Rose a respeito da determinação social da ciência: 

“até o mais básico da ciência que realizamos é um produto de nossa sociedade. Portanto, certos tipos de sociedade realizam certos tipos de ciência; investigam determinados aspectos da natureza. A religião babilônica antiga exigia a previsão exata dos acontecimentos celestes, e a ciência babilônica era muito dedicada ao estudo intensivo da astronomia. O capitalismo emergente da revolução industrial na Grã-Bretanha exigia avanços tecnológicos na geração de energia, e os físicos estudaram as leis da termodinâmica e da conservação e transformação de energia. (…) Mas o corolário negativo deste relacionamento entre ciência e sociedade também é verdadeiro; isto é, em algumas sociedades alguns tipos de ciência não são praticados. Tornamse impraticáveis ou impensáveis “. 

Criamos ao longo dos séculos uma ciência e um modelo de pensamento prontos a identificar como anormal e indesejável tudo aquilo que não se encaixa nos padrões instituídos em nossas mentes, eles mesmos historicamente construídos mas, porque reificados, não percebidos dessa forma. Fomos programados para enxergar em cada evento extremo uma prova do aquecimento global, quando na realidade esses eventos são absolutamente naturais e fazem parte do sistema climático. O global warmer rebate a argumentação do cético chamando-o de cego e alienado, por este não conseguir enxergar as “mudanças” nos padrões meteorológicos. Não percebe ele que é a sua percepção da realidade que está distorcida, ao enxergar como anômalo o que é absolutamente normal. Ele seleciona os pretensos fatos favoráveis à doutrina global warmer e ignora as provas em contrário, sem perceber que essa percepção distorcida da realidade não parte de sua mente, e sim foi-lhe inculcada por uma ordem social na qual ele é meramente um fantoche. Os fatos do aquecimento global são na verdade produtos de um sistema que encontra na convergência de interesses entre governos, empresas, ONGs e público leigo a base de sua legitimação. Assim sendo, fenômenos climáticos absolutamente esperados e comuns podem perfeitamente ser apresentados como atípicos e, por isso, produzidos por uma falha externa – humana – induzida ao perfeito funcionamento da natureza. A dificuldade em considerar uma temporada de furacões como parte do funcionamento usual do sistema climático, ao invés de prova do aquecimento global, entretanto, não se deve simplesmente a uma falta de conhecimento científico, como uma análise mais apressada nos levaria a crer; ela habita a nossa própria estruturação de pensamento, calcada no estabelecimento de padrões e no extermínio de toda dissidência, seja ela real ou imaginária. A uma sociedade que objetiva a eternização das relações sociais prevalecentes, nada mais natural que criar uma ciência natural que postula a imutabilidade dos sistemas naturais – afinal de contas, as mudanças (quaisquer delas) são perniciosas e temíveis. 

Dado que o modo de produção estabelecido e suas relações de propriedade devem ser representados como insuperáveis, portanto únicos, o único modo de a variável tempo entrar em cena seria não apenas não perturbar, mas reforçar positivamente esse arranjo : tudo na natureza e na sociedade funciona perfeitamente e qualquer intervenção humana terá um caráter destrutivo e ameaçador dessa perfeita ordem. Logo, postular a imutabilidade climática nesta cultura não constitui nenhum absurdo, muito pelo contrário, é a conseqüência lógica do desenvolvimento científico. Do mesmo modo, nossa percepção é historicamente construída: não enxergamos somente as coisas, mas aquilo que nossa experiência pregressa nos ensinou a ver, destacando algumas partes e desprezando outras. Se introjetamos a certeza do aquecimento global antropogênico, dificilmente enxergaremos as sucessivas evidências e provas em contrário, e esta certeza aparecerá para nós como um fato óbvio, mesmo quando não resta dúvida sobre sua construção social. 

Mészáros nos traz também uma interessante consideração a respeito da renitente ilusão em relação às ciências naturais sobre suas pretensas objetividade e neutralidade conferidas por seu caráter experimental e instrumental, diferente do caráter socialmente mais envolvido e comprometido das ciências humanas. Entretanto, um exame mais cuidadoso revelará que na realidade ocorre justamente o oposto no mundo atual. Como os cientistas naturais precisam trabalhar dentro de uma estrutura de apoio e de complexos instrumentais tangíveis e dispendiosos, precisam assegurar recursos materiais e financeiros incomparavelmente maiores que os de seus colegas das ciências humanas, como condição elementar de sua atividade. Todos sabem que é muito mais dispendioso criar e conservar faculdades e laboratórios de ciências exatas nas universidades do que um número equivalente de faculdades e laboratórios de ciências humanas. Por isso os cientistas naturais são, sim, muito menos livres e desvinculados do que seus colegas das ciências humanas. Sociólogos e filósofos podem continuar escrevendo livros e artigos críticos à ordem estabelecida mesmo gozando de pouco prestígio acadêmico e financeiro; o mesmo não se aplica, porém, aos cientistas naturais, que perdem as condições instrumentais e institucionais indispensáveis à sua atividade quando tomam a iniciativa de denunciar a ameaça à sobrevivência humana representada pelo complexo militar-industrial-financeiro. Os financiamentos científicos, exatamente pelo fato de serem tão proibitivos, são quase que exclusivamente acessíveis a umas poucas sociedades consideradas ou auto-intituladas “avançadas”, ajudando assim a perpetuar o sistema historicamente estabelecido de desigualdades e exploração em escala global, ao invés de contribuir ativamente para sua eliminação. De há muito todos os ramos da ciência e tecnologia nos países capitalistas avançados são levados a operar de acordo com os ditames e objetivos das poderosas estruturas econômicas e político-organizacionais. A noção tradicional de neutralidade da tecnologia torna-se, pois, insustentável . 

“As somas envolvidas são direta ou indiretamente controladas pelo complexo militar-industrial em uma extensão quase inacreditável, ao mesmo tempo que as ideologias de legitimação e racionalização continuam a elogiar o ‘feroz espírito de independência’ e a ‘autonomia operacional’ da pesquisa científica sob o ‘sistema de livre empresa’. Entretanto, como mais de 70% de toda a pesquisa científica dos Estados Unidos é controlada pelo complexo militarindustrial, e na Grã-Bretanha o dado equivalente corresponde a mais de 50%, sendo crescente em ambos os países, pergunta-se de quem são a liberdade e a autonomia a que estão se referindo quando louvam os arranjos estabelecidos que são – é claro – os melhores possíveis nos limites das referidas estruturas” . 

A produção do conhecimento como um todo “é reconstituída em torno dos ‘técnicos engenhosos’ que são proclamados grandes cientistas em virtude de sua total disposição para defender os interesses destrutivos e, em última instância, autodestrutivos do complexo militarindustrial” . A Climatologia hoje constitui um precioso exemplo de ciência essencialmente interdisciplinar, pois é controlada por engenheiros de computação, matemáticos, biólogos, economistas, administradores de empresas, jornalistas, políticos e toda sorte de ongueiros; tudo, menos cientistas atmosféricos, para que não se perceba os frágeis pilares sobre os quais se tenta assentar a disparatada hipótese do aquecimento global antropogênico. E todos são igualmente auto-proclamados “grandes especialistas em Climatologia”, muitos deles membros do seleto grupo dos “2500 melhores cientistas do mundo”, todos trabalhando em defesa dos interesses das gerações futuras, não de indianos, é claro, mas dos administradores de suas empresas. E todos são igualmente subservientes aos ditames da política nacional e internacional, ávidos pelas possibilidades de lucro advindas do comércio de créditos de carbono, de tecnologias e energias limpas, de parcerias acadêmicas para programas de pósgraduação no exterior, dos infindáveis financiamentos para novas técnicas de controle dos corpos e mentes dos cidadãos comuns, de maneiras mais e mais refinadas de desviar enormes somas de dinheiro público para seu uso particular, de vagas de emprego que do contrário jamais existiriam. Tudo isso, é claro, em nome do maior desafio já enfrentado pela humanidade: o combate ao aquecimento global. 

A vertente cética da Climatologia tem como objetivo apontar a parcialidade da ciência produzida pela vertente global warmer , buscando uma conscientização acerca das limitações dessa Climatologia que acredita poder prever, com os instrumentos e técnicas disponíveis hoje, o estado do sistema climático ao final do século XXI e além. Neste projeto, ao contrário das acusações dirigidas, não é intenção dos céticos travar o desenvolvimento tecnológico e colocar em risco a sobrevivência e o bem-estar das gerações futuras, mas justamente alertar sobre a inversão de prioridades que a ideologia do aquecimento global nos coloca: importamo-nos com a temperatura futura do planeta, mas não nos importamos com os famintos presentes, que se não dispõem hoje de acesso às tecnologias tradicionais, menos ainda às alegadas tecnologias sustentáveis. É em favor dos famintos, dos maltrapilhos e dos desdentados de hoje que a Climatologia cética se posiciona, sublinhando as estreitas e ocultas relações construídas entre os rumos da ciência e da política, despojando-as de suas aparências de simples e incontestáveis fatos e assinalando-as como produtos históricos e sociais. A Climatologia cética luta por expor o caráter irracional da racionalidade estabelecida (que se torna cada vez mais óbvio) e por indicar as tendências que permitem que essa racionalidade gere sua própria transformação . 

No entanto, seria um erro terrível acreditar que toda a humanidade oprimida reconhece a urgência do advento de sua libertação da ideologia do aquecimento global. As massas acreditam piamente na urgência, sim, de salvar o planeta das interferências destrutivas do modo de produção industrial. Após tantas décadas devotadas à tentativa de convencer a si próprio da imperiosa necessidade da mudança nos hábitos cotidianos para salvar o planeta e da grande diferença que fazem esses pequenos gestos, convencer-se agora de seu oposto, de que tais atitudes não só são insignificantes como perpetuam e agravam ainda mais a situação de miséria e penúria humana, ou seja, que o modelo apregoado e introjetado de salvação do planeta e das gerações futuras conduz na realidade à sua destruição, constitui um abalo de convicções que hoje, após toda a seqüência de abalos de convicções já sofridos pela humanidade, pouquíssimas pessoas estão dispostas a suportar. Quem ousa suspeitar da relevância da mudança de hábitos para a salvação do planeta, de que para acabar com o sofrimento de milhões de indianos é suficiente comprar uma televisão de plasma que economiza energia elétrica, torna-se agora o inimigo número um da espécie humana (e de todas as outras espécies!), numa total inversão de papéis. 

A ciência, que tinha como objetivo libertar o homem do medo , do dogma e do destino , tranforma-se justamente naquilo que condenava, e seu caráter emancipador desaparece. No momento em que a Climatologia se julga capaz de fazer previsões climáticas apocalípticas com décadas e mesmo séculos de antecedência, como se todas as variáveis necessárias já fossem conhecidas, ela mostrou seu profundo desconhecimento de seus próprios limites epistemológicos e sua incapacidade de tecer uma autocrítica. Neste contexto, nada a diferencia dos mitos e das religiões que a ciência pretendeu combater. A Climatologia impõe o dogma do aquecimento global antropogênico através do medo de suas trágicas conseqüências contidas num destino inescapável da humanidade. Pretende conseguir controlar os fluxos de matéria e energia do planeta em seu favor com pequenas mudanças nos rituais de consumo, tal como o feiticeiro pretendia atrair ou repelir fenômenos meteorológicos e climáticos com seus rituais mágicos, repletos de simbolismo. Extermina a dissidência tal como a Igreja exterminou o paganismo. Apresenta-se como defensora dos interesses de toda a humanidade, como o sumo bem, tal como as religiões se apresentam como imaculadas. Define suas soluções propostas como o único meio de salvar o planeta, da mesma forma que as igrejas se anunciam como único caminho de salvação. Louva seus cientistas e exalta seus currículos do mesmo modo que os fiéis louvam os santos e suas virtudes. É cúmplice eterna das práticas ilegítimas do Estado, tal como os papas autorizavam a escravidão. Explica a ocorrência de todos os fenômenos naturais com base em seu corpo sistematizado de conhecimento, do mesmo modo que os sistemas mitológicos já se pretendiam narrativas totalizadoras. Prossegue em seu valioso trabalho acreditando que sua integridade e sua aderência aos fatos prevalecerão no final, tal como o bravo guerreiro vai ao encontro de suas virgens no céu. Considera-se detentora de uma verdade imparcial e universal, assim como a sagrada escritura é detentora dos mandamentos. Ignora o mundo real e considera como verdadeiras somente as saídas de seus modelos de circulação geral, tal como as religiões denunciam o mundo material como ilusório e focam apenas nas verdades espirituais. Apela pela adoção de acordos climáticos internacionais para alterar os trágicos rumos do planeta e da humanidade, da mesma forma que as igrejas convidam à conversão e à santidade. Imagina uma atmosfera originalmente perfeita, livre da interferência poluidora humana, igual as religiões falam de uma idade do ouro anterior ao pecado. Atesta a existência de pequenos fenômenos físicos capazes de alterar drasticamente os rumos do funcionamento da natureza do planeta, tal como atuavam as fadas e os gnomos. Por fim, recorda-nos que somos todos parte de uma comunidade planetária, componentes de um mesmo sistema, engrenagens de uma mesma máquina, células de um mesmo organismo, todos compartilhando a tarefa de salvar o planeta, da mesma forma que a comunhão dos santos e o guru nos lembram que somos todos um com o universo. A ciência climática constitui hoje uma mitologia . Perdeu o elemento de reflexão sobre si mesma e afastou-se de seu projeto, convertendo-se em instrumento de dominação e escravidão. Ao instaurar o medo e as trevas e bloquear sua dimensão emancipadora, anunciando-se como verdade absoluta e definitiva, a catástrofe que ela anuncia é na realidade muito menor do que a que ela produz. 

A verdade originalmente una encontra-se dividida em dois diferentes conjuntos de valores de verdade e dois diferentes padrões de comportamento: um assimilado ao existente, outro antagônico a ele; um constituído pela racionalidade tecnológica dominante e governando o comportamento exigido por ela, outro constituído pela racionalidade crítica, cujos valores somente poderão ser realizados se ela própria houver moldado todas as relações pessoais e sociais. A racionalidade crítica deriva dos princípios de autonomia e emancipação embutidos no próprio projeto do esclarecimento. Julgando esses princípios em comparação com a forma como o esclarecimento os realizou, a racionalidade crítica denuncia este existente em nome da própria razão. O grande impasse da Climatologia hoje é sua subordinação aos imperativos reificados do crescimento canceroso do complexo militarindustrial- financeiro, sua conversão em ciência aplicada deste sistema, e não a carência de dados. Dessa forma, a reversão das tendências do desenvolvimento e das condições da Climatologia é inconcebível sem uma grande intervenção na estrutura social, a grande mãe das determinações destrutivas da ciência e da tecnologia . 

14.3 A função social da ideologia do aquecimento global

Marcuse acredita no potencial emancipador da questão ambiental. Se o totalitarismo do esclarecimento consiste na dominação dos homens através da dominação da natureza, nada mais lógico que pensar que a libertação da natureza constitui uma etapa necessária da própria libertação humana. Para o autor, o florescimento da questão ambiental a partir da década de 1960 representou a redescoberta da natureza como aliada na luta contra as sociedades exploradoras em que a escravidão da natureza agrava a escravidão do homem. “A descoberta das forças libertadoras da natureza e de seu papel vital na construção de um sociedade livre converte-se em nova força de mudança social” . A emancipação humana, de acordo com o autor, será correlata da emancipação da natureza: 

“A natureza, quando não é deixada a si mesma e protegida como ‘reserva’, é tratada de um modo agressivamente científico; existe para ser dominada; é uma matéria livre de valor, um material. Esta noção de natureza é um a priori histórico, pertinente a uma forma específica de sociedade. Uma sociedade livre poderá perfeitamente ter um a priori diferente e um objeto muito diverso; o desenvolvimento dos conceitos científicos poder-se-á basear numa experiência da natureza como totalidade de vida a ser protegida e ‘cultivada’, e a tecnologia aplicaria essa ciência à reconstrução do meio ambiente vital” . 

Sim, é inegável que algumas vertentes do movimento ambientalista tiveram suas origens ligadas a essa meta da emancipação de sua dominação, de luta contra o uso predatório e de combate às diversas formas de poluição, que afetam negativamente tanto a vida silvestre quanto a humana. Não é possível apontar uma data para o início da questão ambiental, mesmo porque tal conceito é muito amplo e em diversos momentos da história diversas sociedades se preocuparam com a conservação de seu meio ambiente. Porém, não importa sua data, sua origem ou sua motivação; o desdobramento histórico de um evento ou de uma idéia não permanece necessariamente ligado às circunstâncias que levaram ao seu surgimento. Ao contrário, uma idéia ou um evento, por vicissitudes históricas ou por suas próprias contradições internas, pode tomar rumos completamente imprevistos e opostos àqueles apontados por sua trajetória inicial. No caso dos movimentos ambientalistas, mesmo que suas origens estejam relacionadas à luta contra o uso predatório da natureza, nada garante que esta será sempre a sua questão norteadora: eles bem podem se tornar instrumentos de conservação e reforço das estruturas sociais, políticas e econômicas por eles criticadas. O mesmo Marcuse que exalta as virtudes do movimento ambientalista da década de 1960 expressa um ligeiro ceticismo em relação à questão ambiental ao afirmar que “Ao mesmo tempo, porém, a função política da ecologia é facilmente ‘neutralizada’ e serve ao embelezamento do Establishment ” . Sim, é possível que o movimento acabe sendo absorvido pelo sistema maior contra o qual ele se revolta. Mas o autor não vai mais além. 

Já Mészáros, ainda em 1971, na mais tenra infância do movimento ambientalista contemporâneo, questionava suas reivindicações e advertia-nos sobre seus desdobramentos futuros – quase profecias. “‘O Deus que falhou'”, na imagem da onipotência tecnológica, é agora recomposto e novamente apresentado sob o disfarce do ‘interesse ecológico universal'” . O autor resume-nos qual a função da histeria ambientalista: 

“Há dez anos a ecologia podia ser tranqüilamente ignorada ou desqualificada como totalmente irrelevante. Agora, ela é obrigada a ser grotescamente desfigurada e exagerada de forma unilateral para que as pessoas – impressionadas o bastante com o tom cataclísmico dos sermões ecológicos – possam ser, com sucesso, desviadas dos candentes problemas sociais e políticos ” . 

Em uma nota de rodapé, o autor traz a introdução de um programa de entrevistas com intelectuais intitulado Man and his survival , da rede Voice of America

“A ordem de importância das grandes tarefas foi modificada. Hoje o choque de interesses nacionais ou a luta pelo poder político não mais ocupam o primeiro plano ; nem sequer, na verdade, a eliminação da injustiça social . Agora o assunto relevante consiste em saber se a humanidade conseguirá assegurar as condições de sua sobrevivência em um mundo que ela própria transformou (…) não surpreende o fato de que o presidente dos Estados Unidos tenha despendido dois terços de seu último discurso à nação com a questão da despoluição do meio ambiente. O que aconteceria, no entanto, se o homem, em lugar de pensar em sua própria sobrevivência, desperdiçasse suas energias lutando pelas verdades relativas das várias ideologias e sistemas sociopolíticos? Quais são os primeiros passos que a humanidade deve dar para reformar a si própria e ao mundo? ” . 

Mészáros finaliza: “Qualquer comentário adicional seria redundante, graças à transparência dessas linhas” . Mas vamos comentar. Observamos na citação acima o claro objetivo de desviar nossa atenção “dos candentes problemas sociais e políticos” para os problemas do meio ambiente, muitos deles imaginários ou sem sentido. É perda de tempo, de energia, de recursos e de inteligência tentar salvar a humanidade da fome, das guerras, do desemprego, do analfabetismo, do machismo, do racismo, das doenças infecciosas e da corrupção política. Temos um inimigo muito mais ameaçador que todos estes juntos: o aquecimento global . Enquanto todos os outros não passam de uma ilusão da consciência e de verdades relativas das várias ideologias e sistemas sociopolíticos, este sim é um problema muito grave e urgente, que caso não tratado arruinará os destinos de centenas de milhões de seres humanos, diferentemente da injustiça social, problema muito genérico, pouco aparente, restrito a umas poucas nações atrasadas e sem relevância no cenário mundial e, no final das contas, sem solução, pois desde sempre as sociedades se dividiram em dominantes e dominados; por que nossa era seria diferente? As mudanças climáticas globais, ao contrário, são um problema inédito, exclusivo de nossa época e provocado por cada um de nós, daí nossa suprema responsabilidade em solucioná-lo. 

Dentro desta estratégia de desvio de nossa atenção dos candentes problemas sociais e políticos, é um traço bastante característico das críticas global warmer o ataque à tecnologia , apontada como a causadora da devastação criticada, sem ser tecido um ataque incisivo contra o sistema econômico e político que produziu tais formas e usos regressivos dessa tecnologia. Em outra passagem, Mészáros cita um trecho de E. J. Mishan, onde se lê: 

“O recente colapso no fornecimento de energia elétrica na cidade de Nova York, ainda que deplorável sob o aspecto da eficiência, rompeu com a monotonia da vida cotidiana de milhões de nova-iorquinos. As pessoas usufruíram o choque de voltar a dispor unicamente de seus recursos inatos e a depender, assim de repente, umas das outras. Por algumas horas, as pessoas se viram livres da rotina e foram aproximadas pela escuridão. Vizinhos que viviam como estranhos passaram a conversar e sentiam prazer em se ajudar mutuamente. Havia espaço para a gentileza. O defeito no sistema de eletricidade foi reparado. O gênio da eletricidade retornou a cada lar. E, da mesma forma que a escuridão havia lançado as pessoas umas nos braços das outras, a áspera luz voltou a dispersá-las . No entanto, ouviu-se alguém dizer: ‘Isso deveria ocorrer pelo menos uma vez por mês'”. 

Diante de semelhante insanidade, Mészáros pergunta-se por que não, ao invés de uma vez por mês, não podemos ter apagões pelo menos uma vez por semana? Certamente a economia de energia resultante seria mais do que suficiente para cobrir os custos “do replanejamento em larga escala de nossas cidades, e da restauração e embelezamento de muitos de nossos povoados, vilas e locais de lazer”. Além disso, não podemos nos esquecer de citar os supremos benefícios da redescoberta dos jantares à luz de velas, das tertúlias em família às escuras logo após, e das horas de sono prolongadas pelo hábito saudável de dormir mais cedo. “Pois, aparentemente, não é o modo das relações sociais que afasta as pessoas, mas a eficiência tecnológica e a monotonia da ‘áspera luz'”. A tecnologia afasta as pessoas de todas as formas de convívio: vivemos trancados em nossas residências com todos os aparatos de segurança, deslocamo-nos em automóveis individuais hermeticamene fechados e conversamos com nossos amigos (quando o fazemos) através de e-mails e sites de relacionamentos. Desse modo, a solução mais óbvia é fornecer menos luz e menos tecnologia às pessoas, e todas essas conseqüências nefastas da vida moderna desaparecerão para sempre. O fato de a “áspera luz” ser uma imprescindível necessidade social, cujos benefícios não são sob quaisquer condições inferiores aos alegados benefícios de jantares à luz de velas, é uma consideração evidentemente incapaz de desviar a atenção de nossos românticos global warmers . É justamente essa ignorância com relação ao papel da tecnologia em nossas vidas que tolas iniciativas como a Hora do Planeta celebram: ela nos ensina que a renúncia a todas as nossas comodidades é fácil e até mesmo divertida, principalmente sabendo que este pequeno sacrifício é de curta duração e muito simples de ser corrigido caso algo não corra bem no escuro. Mas será tão fácil e divertida a vida sob a severa restrição às emissões de gases estufa proposta por ONGs como o WWF? Tentemos imaginar nossas vidas não somente sem uma hora de luz elétrica por ano ou mesmo por semana, como propõe Mészáros, mas sem qualquer tecnologia movida a eletricidade ou combustíveis fósseis – o que inclui não só a iluminação, mas também a refrigeração, o transporte, a produção de alimentos e medicamentos e a circulação de informações. Que tal renunciarmos de uma vez a todas as nossas comodidades e retornarmos à Idade Média, quando as atividades humanas não “ofereciam riscos” ao clima? Quem acredita na necessidade de cortar as emissões de gases estufa para “salvar o planeta” simplesmente ou não se dá conta do faraônico desastre humano que isso provocaria ou pouco se importa com ele. 

Sempre que a crítica global warmer se queixa do materialismo de nossa sociedade, promove a crença de que o pecado é o desejo dos homens pelos bens de consumo, e não a organização do todo que nega aos homens esses bens: para os global warmers , o pecado é a saciedade e não a fome . Se a humanidade dispusesse de abundância, arrancaria as multidões dessa barbárie civilizada que os global warmers debitam da conta do progresso, em vez de debitá-la do atraso das condições materiais. A culpa pelas desgraças que afligem a humanidade é atribuída à tecnologia enquanto tal, não à tecnologia enquanto instrumento de dominação efetiva: daí o irracionalismo da crítica global warmer . Ela não é capaz de compreender que a mutilação da própria vida repousa não em um excesso , mas em uma escassez de esclarecimento, e que as mutilações infligidas à humanidade pela racionalidade particularista contemporânea são estigmas da irracionalidade total. É por isso que a crítica global warmer , de maneira semelhante à crítica burguesa da cultura, vê-se obrigada a retroceder, intentando aquele ideal do natural , que já constitui por si mesmo uma peça-chave da ideologia burguesa. O ataque dos global warmers à cultura fala a linguagem da falsa ruptura, a linguagem do “homem natural”. Ela despreza as formações espirituais, o avanço tecnológico (sim, porque as fontes “alternativas” de energia não merecem o título de avanços) porque, apesar de todas as suas realizações, são feitas pelo homem e servem apenas para encobrir a vida natural. Em nome dessa suposta futilidade, as formações espirituais deixam-se manipular arbitrariamente, sendo utilizadas para fins de dominação . 

A técnica em si pode promover tanto o autoritarismo quanto a liberdade, tanto a escassez quanto a abundância, tanto o aumento quanto a abolição do trabalho árduo. Ela só impede o desenvolvimento individual quando está presa a um aparato social que perpetua a escassez. Se é verdade que a ciência e a tecnologia nada têm de neutras, dada a sua finalidade original de dominação, não é menos verdade que o progresso tecnológico possibilita uma diminuição do tempo e da energia gastos na produção das necessidades da vida, além de uma redução gradual da escassez. Desse modo, todos os projetos de caráter antitecnológico, toda propaganda a favor de uma revolução antiindustrial prestam-se unicamente ao interesse daqueles que enxergam as necessidades humanas como mero subproduto da utilização da técnica. Quanto mais a tecnologia parece capaz de criar as condições para a pacificação da existência, tanto mais são a mente e o corpo do homem organizados contra essa alternativa . “Os inimigos da técnica prontamente se aliam à tecnocracia terrorista (…) A filosofia da vida simples, a luta contra as grandes cidades e sua cultura freqüentemente servem para ensinar os homens a desacreditar nos instrumentos potenciais que poderiam libertá-los” . 

A Climatologia global warmer prega a libertação de todas as tragédias que podem nos acometer através da renúncia aos mesmos instrumentos tecnológicos que possibilitaram nossa libertação. Para não morrermos de penúrias diversas em conseqüência do aquecimento global, devemos nos submeter a um drástico corte em nosso consumo de energia e recursos, adotar estilos de vida mais naturais, retrocedendo em todas as conquistas advindas das tecnologias “poluidoras” – afinal de contas, a culpa de todas as nossas desgraças é da queima de combustíveis fósseis. Assim, ao contrário da libertação pretendida, a Climatologia global warmer abre espaço para uma refinada forma de submissão. Justamente no momento em que o homem dispõe de todos os meios materiais necessários à sua libertação das limitações impostas pela natureza e de todas as formas de escravidão social, inculca-se nele a crença de que tal libertação é maléfica em si mesma e conduzirá a uma tragédia ainda maior, por isso a atitude mais sábia a ser tomada é evitá-la a qualquer custo. Quando podemos nos libertar da escravidão material, sujeitamo-nos além dela à escravidão mental, esta muito mais eficiente: mesmo vendo nossas algemas abertas, continuaremos cativos. 

São inegáveis os fatos de que a tecnologia estabelecida constitui-se num instrumento de política destrutiva, que o padrão de vida alcançado nas áreas mais desenvolvidas do globo não constitui um modelo de desenvolvimento se o propósito é a pacificação da existência e que a “sociedade afluente” é a sociedade da imbecilização, da perpetuação da labuta e da promoção contínua da frustração e do medo. Mas “o fato de que a cultura tenha fracassado até os dias de hoje não é uma justificativa para que se fomente seu fracasso” . Libertar-se da sociedade afluente não significa voltar à pobreza e à simplicidade. Se a efetivação do projeto de racionalidade compreende um rompimento com a racionalidade tecnológica prevalecente, tal rompimento depende, por sua vez, da existência continuada da própria base tecnológica. Emancipar-se de um sistema tecnológico escravizador de forma alguma significa voltar para as cavernas, pois foi justamente essa base tecnológica que possibilitou a satisfação das necessidades humanas e a redução da labuta, e continua sendo a própria base de todas as formas de liberdade humana. A transformação aqui pregada assenta-se na reconstrução dessa base, qual seja, seu desenvolvimento visando a fins diferentes – produzir alimentos para os homens e não biocombustíveis para os automóveis. A libertação da natureza não significa o retorno a um estágio pré-tecnológico, mas um avanço no uso das realizações da civilização tecnológica para libertar o homem e a natureza do abuso destrutivo da ciência e tecnologia a serviço da exploração . 

Ao desejar, como que por um golpe de borracha, apagar todo o nosso progresso material e espiritual, os global warmers desenvolvem fortes afinidades com a barbárie, e suas simpatias são invariavelmente com o mais primitivo, o menos diferenciado da natureza, por mais que isso também esteja em contradição com o próprio estágio de desenvolvimento da força de sua produção intelectual. A rejeição categórica da cultura torna-se um pretexto para promover os mais rudes, considerados mais saudáveis, eles mesmos repressivos. Uma vez aceita essa promoção, basta um passo para a reintrodução oficial da barbárie da cultura supostamente rejeitada. Retiremos da humanidade todas as tecnologias perniciosas ao clima e a tragédia produzida superará em horror qualquer horda de hunos . 

Em resumo, a crítica global warmer vem sempre acompanhada de uma dimensão crítica em relação à modernidade, apontada como capitalista, ocidental, técnica consumista . Seus delitos reais ou supostos são denunciados em nome de uma nostalgia romântica de um passado perdido e de uma identidade expropriada pela cultura do desarraigamento. Procura-se mostrar a superioridade das “sabedorias antigas” sobre a loucura da técnica contemporânea, rediscutir os princípios de pensamento convencionais do Ocidente moderno e propor uma alternativa à herança maldita do Iluminismo . Se já está cabalmente demonstrado que o aquecimento global observado ao longo do século XX foi provocado pelas emissões antropogênicas de dióxido de carbono, “não seria insensato, ou mesmo imoral , prosseguir despreocupadamente na via da depredação? E não é (…) o mundo moderno inteiro, com seu antropocentrismo arrogante na indústria como na cultura (…) que convém incriminar?”. 

Aqui Ferry lança mão de outra dimensão perniciosa ao clima e bastante combatida pelos global warmers : o antropocentrismo . Ferry cita autores que, sem perceberem que o antropocentrismo sequer começou para 80% da humanidade, advogam em prol da supressão deste em favor da igualdade de direitos entre todos os seres deste planeta. O autor cita o artigo de Stan Rowe, Crimes against the ecosphere , em que este discorre, entre outras idéias, sobre as “conseqüências desastrosas” da Declaração dos direitos do homem e do cidadão , assim como do humanismo a ela associado, culminando numa vigorosa denúncia dos ideais da Revolução Francesa: 

“A Declaração francesa dos direitos do homem e do cidadão definiu a liberdade como o fato de não sermos absolutamente restringidos no direito de fazer o que quer que seja (provavelmente ao mundo natural) contanto que não interfiramos com os direitos do outro. No rastro desse sentimento popular (…) George Grant definiu o liberalismo como o conjunto de crenças procedentes do postulado central segundo o qual a essência do homem seria sua liberdade e que, por conta disso, sua questão principal na vida seria moldar o mundo conforme sua vontade . Tal é o princípio normativo que enseja a destruição maciça do meio ambiente que ocorre em toda parte onde a cultura ocidental faz sentir sua influência – destruição a que só o reconhecimento dos direitos e do valor intrínseco da natureza pode se contrapor” . 

Rowe propõe, assim, “reconhecer a supremacia dos valores da ecosfera” sobre os do humanismo e elaborar a noção de “crimes contra a ecosfera”, dentre os quais se incluiriam sobretudo “a fecundidade e o crescimento econômico explorador, todos dois encorajados por uma filosofia homocêntrica” . 

Michel Serres faz a crítica da Declaração de 1789, que “ignora e passa sob silêncio o mundo”, a ponto de fazer dele sua vítima. A perspectiva instaurada pela Declaração, prossegue o autor, estabelece que somente o homem, “o sujeito do conhecimento e da ação, goza de todos os direitos, e seus objetos de nenhum… Eis por que necessariamente levamos as coisas do mundo à destruição”. É necessário, pois, derrubar a perspectiva humanista característica da Declaração. “Mais uma vez, é preciso estatuir para os vencidos, estabelecendo por escrito o direito dos seres que não os têm” . 

Por fim, citamos uma passagem de um editorial das Chroniques do Greenpeace, datada de abril de 1979: 

“Os sistemas de valores humanistas devem ser substituídos por valores supra-humanistas que coloquem toda a vida vegetal e animal na esfera da consideração legal e moral. E a longo prazo, quer agrade ou não a este ou àquele, será necessário de fato recorrer à força, se for o caso, para lutar contra os que continuam a deteriorar o meio ambiente”. 

A advertência é clara: a superação do humanismo em proveito da transformação dos reinos animal e vegetal em sujeitos de ética e de direito não ocorrerá sem coações, um argumento perfeitamente coerente com uma perspectiva segundo a qual a raiz de todos os problemas ambientais é a lógica dos famosos “direitos do homem”, que não se prestaram a qualquer outra finalidade além de legitimar o esquecimento e a destruição do mundo pela explosão da técnica . É a perspectiva humanista a grande culpada pelo caos ambiental em que estamos mergulhados. É por nos preocuparmos com nossos direitos, e não porque vivemos num sistema político-econômico explorador, que destruímos a natureza. Não somos seres humanos, mas seres egocêntricos e poluidores e, como tal, somos intrinsecamente maus e portanto desprovidos de direito à vida. Aqui se revela a verdadeira função da ideologia do aquecimento global: pregar o ódio aos seres humanos , retirar deles os poucos direitos conquistados, atribuir a eles a deterioração de todas as dimensões de nossas vidas, lançar sobre seres inocentes o fardo da culpa que governos e empresas terminantemente se recusam a carregar. 

Examinemos mais detidamente este ponto. O Fórum Humanitário Global de Genebra, presidido por Kofi Annan, lançou no mês de junho de 2009 um relatório intitulado The anatomy of a silent crisis , descrevendo todas as tragédias humanas provocadas pelo aquecimento global, como pobreza, fome, escassez de água potável, doenças e deslocamentos populacionais. O relatório é entremeado por uma seqüência de “estudos de caso” das conseqüências das mudanças climáticas globais e por “testemunhas da mudança climática”, depoimentos comoventes de pessoas simples do mundo todo relatando as mudanças ocorridas em suas comunidades em anos ou décadas recentes por conta do aquecimento global, a maioria deles devidamente recolhidos pelo WWF. 

De acordo com o relatório do GHF, a ciência atualmente está plenamente segura da realidade das mudanças climáticas e de que a emissão antropogênica de gases estufa é sua causa principal. Os piores afetados, no entanto, são os países e pessoas mais pobres, justamente os menos culpados. Diferentemente dos tão aclamados impactos ambientais, projetados para daqui a 50 ou 100 anos, os impactos humanos da mudança climática estão ocorrendo agora e requerem atenção urgente. Eventos meteorológicos extremos, desertificação e elevação do nível do mar, exacerbados pela mudança climática, trazem consigo fome, doenças, pobreza e subsistência perdidos, reduzindo o crescimento econômico e impondo uma ameaça à instabilidade social e política. Muitas comunidades não apresentam resiliência suficiente à variabilidade climática e a padrões meteorológicos extremos, não conseguindo, pois, proteger suas famílias, seus meios de subsistência e suprimentos dos impactos negativos do clima. A mudança climática multiplica todos esses riscos. Ela já afeta centenas de milhões de pessoas hoje e nos próximos 20 anos tais números mais que dobrarão, tornando a mudança climática o maior desafio humanitário de nosso tempo . 

Já hoje centenas de milhares de vidas são perdidas todos os anos devido às mudanças climáticas, e esse número será de quase meio milhão em 20 anos. Mais de nove em cada dez dessas mortes estão relacionadas à degradação ambiental gradual devido às mudanças climáticas – principalmente subnutrição, diarréia e malária, com as mortes restantes ligadas a desastres meteorológicos provocados pelas mudanças climáticas. As perdas econômicas devidas às mudanças climáticas atingem mais de 100 bilhões de dólares por ano, o que equivale a mais do que o PIB individual de três quartos das nações do globo, e mais do que o total anual destinado às ações oficiais de assistência. Já hoje, mais de meio bilhão de pessoas se enquadram em risco extremo de impactos das mudanças climáticas, e seis em cada dez pessoas são vulneráveis às mudanças em sentido físico e socioeconômico. A maior parte da população do planeta não possui a capacidade de enfrentar os impactos das mudanças climáticas sem que isso acarrete uma perda possivelmente irreversível de seu bem-estar. As populações mais ameaçadas estão justamente nas áreas mais pobres e mais propensas às mudanças climáticas. É um grave problema de justiça que os que mais sofram as conseqüências das mudanças climáticas sejam justamente os menos responsáveis por ela: os 50 países menos desenvolvidos contribuem com menos de 1% das emissões globais de dióxido de carbono. Entretanto, é importante destacar que mesmo as nações desenvolvidas não estão imunes aos impactos de ondas de calor, enchentes, tempestades e incêndios florestais. Destas, a Austrália é seguramente a nação mais vulnerável, não somente por impactos diretos mas também indiretos dos países vizinhos afetados pelas mudanças . 

O impacto humano das mudanças climáticas é difícil de ser avaliado com grande acurácia porque ele é o resultado de uma miríade de fatores, sendo realmente desafiador tentar isolar os impactos da mudança climática de outros fatores tais como a variabilidade natural, crescimento populacional, uso da terra e governos. Em diversas áreas ainda existe uma base insuficiente de evidências científicas para se chegar a estimativas mais precisas. Entretanto, existem modelos e dados que configuram um sólido ponto de partida para a elaboração de estimativas e projeções que orientem o debate público, as políticas e as pesquisas futuras. Este relatório se baseia nos dados científicos mais confiáveis, mas a possibilidade de que os números fornecidos sejam significativamente mais baixos ou mais altos exige que eles sejam tratados como indicativos ao invés de definitivos . 

O relatório considera que o impacto humano das mudanças climáticas provavelmente é “muito mais severo” do que o estimado, e fornece quatro razões para isso. A primeira é a de que, embora os modelos climáticos empregados pelo IPCC sejam considerados confiáveis (!), são baseados em cenários que já se provaram muito conservadores (!!), pois evidências mais recentes sugerem que é possível a ocorrência de mudanças climáticas mais rápidas e mais severas do que as diagnosticadas e previstas pelo IPCC em 2007. Em muitas áreas notáveis, o clima já está se modificando para além de seus padrões habituais (aqui, o relatório não cita qualquer fonte!). A segunda é a de que as conseqüências mais dramáticas das mudanças climáticas correspondem a uma reação em cadeia que amplifica o efeito inicial da elevação das temperaturas, como a escassez de água e posteriormente de alimentos. A terceira é o crescimento populacional, que certamente expõe um número maior de pessoas a situações de vulnerabilidade. A quarta é o fato de a mudança climática agravar problemas preexistentes, como a fome e doenças, por atingir comunidades pouco resilientes a mudanças ambientais . 

“No seu Quarto Relatório de Avaliação, o IPCC descobriu que os padrões meteorológicos se tornaram mais extremos, com eventos de precipitação mais freqüentes e intensos, ondas de calor mais intensas e secas prolongadas. O ritmo do tempo também se tornou mais imprevisível, com mudanças na época e na localização das chuvas. Além da maior severidade dos eventos meteorológicos, o número de desastres relacionados ao tempo (tempestades, furacões, enchentes, ondas de calor, secas) mais que dobrou nos últimos vinte anos” . 

O leitor que tiver acompanhado este trabalho atentamente até aqui certamente terá notado a flagrante contradição do parágrafo acima com as verdadeiras conclusões do quarto relatório do IPCC sobre eventos extremos (confira a seção 9.2.3). Quando o leitor do relatório do GHF procurar nas notas de fim as fontes empregadas para a confecção deste parágrafo, simplesmente não encontrará o volume 1 do AR4, que aborda as mudanças nos padrões meteorológicos. Ao invés dele, o leitor encontrará um artigo da Science, o volume 2 do AR4, um instituto internacional de estatísticas e, pasmem, um relatório do WWF . Se já era um absurdo que as políticas globais fossem governadas pela nossa incipiente Climatologia e pelas tendenciosas conclusões do IPCC, o que devemos pensar de elas serem governadas por dados inventados pelas panfletárias concepções de uma ONG ambientalista? 

Mas as pessoas não são afetadas somente por eventos extremos, e sim também pelas chamadas mudanças graduais, que envolvem a elevação das temperaturas, o aumento do nível do mar, desertificação, mudanças na precipitação e na vazão dos rios, salinização de deltas, taxas de extinções aceleradas, perda de biodiversidade e enfraquecimento de ecossistemas. O impacto dessas mudanças graduais é considerável, pois reduz o acesso a água de boa qualidade, afeta negativamente a saúde e ameaça a segurança alimentar em muitos países na África, Ásia e América Latina, podendo levar à fome. A desertificação e a elevação do nível do mar provocam deslocamentos populacionais. A degradação ambiental devido à mudança climática já afetou a quantidade e a qualidade da água em algumas regiões, desencadeando o aumento da fome, doenças transmitidas por insetos como a malária, e outros problemas de saúde como a diarréia e doenças respiratórias. Além disso, a mudança climática contribui para a pobreza, e força as pessoas a se mudarem em busca de melhores condições. Tipicamente, a mudança climática afeta hoje justamente as regiões que já sofrem com os elementos acima mencionados. As áreas mais vulneráveis às mudanças climáticas correspondem ao cinturão árido e semi-árido do Saara/Sahel, Oriente Médio e Ásia Central (secas), África Subsaariana (secas e enchentes), sul e sudeste asiático (derretimento do gelo do Himalaia, secas enchentes e tempestades), América Latina e porções dos Estados Unidos (escassez de água e enchentes), pequenas ilhas (elevação do nível do mar e ciclones) e o Ártico (derretimento do gelo) . 

Com relação às perdas econômicas, o relatório do GHF afirma que elas serão ainda mais graves do que as já previstas no próprio relatório Stern, célebre por seu terrorismo climático. Os valores já estariam na casa dos 125 bilhões de dólares por ano, mais alto do que o PIB de 73% das nações do globo. Desse total, 90% vêm da Índia e sudeste asiático, África e Oriente Médio somados. Em 2030, as perdas poderão chegar a mais de 340 bilhões anuais, quando somente 30 nações possuem um PIB superior a esse valor . 

A seguir, expomos as áreas mais críticas do impacto humano das mudanças climáticas: 

Segurança alimentar 
Desastres meteorológicos destroem colheitas e reduzem a qualidade do solo em algumas das regiões mais pobres do mundo. Altas temperaturas, precipitações reduzidas, escassez de água e secas diminuem a produção e a saúde do gado. A desertificação diminui a disponibilidade de solo agricultável e sua qualidade. Nos oceanos, a destruição dos recifes de corais associada às mudanças climáticas reduzem a produção pesqueira. 

Estima-se que a mudança climática esteja na origem da fome e da subnutrição de cerca de 45 milhões de pessoas hoje, resultado da produção agrícola reduzida de cereais, frutas, verduras, carne e laticínios, bem como culturas comerciais como algodão e peixe, geradoras de renda [NR] . Até 2030, o número de famintos por conta da mudança climática pode chegar a 75 milhões, não somente por conta da redução da produção de alimentos, mas também pela conseqüente elevação de seus preços . 

Saúde 
A mudança climática ameaça reduzir, interromper ou reverter os progressos no combate a doenças e agravar problemas de saúde, especialmente nas regiões mais pobres. Ela afeta a qualidade do ar e da água, a disponibilidade de alimentos e de abrigos adequados, fundamentais para a manutenção da boa saúde. Assim sendo, o aquecimento global, juntamente com as mudanças nos alimentos e na água que ele provoca, pode indiretamente estimular aumentos em doenças como a subnutrição, a diarréia, problemas cardiovasculares e respiratórios, bem como doenças transmitidas pela água e por insetos. A malária é um caso importante, pois com a elevação das temperaturas ela pode se disseminar para novas áreas. 

Todos os anos a saúde de 235 milhões de pessoas é seriamente afetada pela degradação ambiental devido à mudança climática. Só no ano de 2010, são esperadas 300.000 mortes por problemas de saúde diretamente atribuíveis às mudanças climáticas. A subnutrição é o maior dos problemas, afetando 45 milhões de pessoas, com mais de 100.000 mortes por ano provocadas pela mudança climática. Em seguida vem a diarréia, com 180 milhões de casos anuais e quase 95.000 fatalidades, relacionadas à quantidade e à qualidade da água. Já a malária afeta mais de 10 milhões anualmente, matando aproximadamente 55.000. Em 2030, o número de pessoas com saúde atingida pela mudança climática chegará a 310 milhões, com meio milhão de casos fatais ao ano. Embora estejam ocorrendo progressos no combate à fome, à diarréia e à malária, o aumento dos casos atribuíveis à mudança climática e o crescimento populacional ameaçam reverter essa tendência. Os mais afetados, é claro, serão as mulheres, as crianças e os idosos. 

Pobreza 
Como os pobres tendem a viver em regiões geográficas e climáticas naturalmente mais vulneráveis, sua capacidade de adaptação é facilmente esmagada pelo impacto das mudanças no ambiente. Eles têm menos recursos com que contar na ocorrência de um choque, seja ele um desastre meteorológico, uma colheita ruim ou uma doença na família. Tais fatores tendem a se sobrepor um ao outro e a perpetuar um ciclo de pobreza difícil de romper. Ademais, as profissões exercidas pela maioria dos povos pobres do globo são altamente dependentes das condições naturais, como a agricultura e a pesca. A perda de uma safra ou de parte dela não compromete apenas a segurança alimentar, mas principalmente a geração de emprego e renda. 

Ao reduzir a renda da família, a mudança climática força as crianças a trocar a escola pelo trabalho; além disso, a subnutrição compromete seu desenvolvimento físico e mental, por isso a mudança climática de hoje também compromete a geração de renda da próxima geração. Aos 2,6 bilhões de pobres (de renda inferior a 2 dólares por dia) já existentes, a mudança climática fez somar mais 12 milhões, concentrados na Índia, Sudeste Asiático, África e America Latina. Até 2030, o número de novos pobres devido à mudança climática dobrará e, não fosse por ela, cerca de 20 milhões de pessoas no mundo todo conseguiriam sair da pobreza . 

Água 
A disponibilidade de recursos hídricos é altamente sensível a variações no tempo e no clima. As evidências sugerem que a mudança climática intensifica o ciclo hidrológico, tornando as áreas úmidas mais úmidas e as secas mais secas, deixando assim as chuvas e as estiagens mais severas. Em áreas onde o fluxo dos rios depende do derretimento da neve, o pico de escoamento da primavera pode ocorrer mais cedo e reduzir-se no final do verão. A elevação do nível do mar provoca a contaminação do lençol freático por água salgada, reduzindo a disponibilidade de água potável para consumo humano e agropecuário. 

Mais de 1,3 bilhão de pessoas no mundo sofrem de “estresse hídrico”, o que ameaça a produção de alimentos, reduz o saneamento, atrapalha o desenvolvimento econômico e danifica os ecossistemas. Enfim, a escassez de água e sua reduzida qualidade afetam diretamente a própria sobrevivência dos atingidos. Em 2030, outras centenas de milhões de pessoas também sofrerão de estresse hídrico provocado pela mudança climática. Os subtrópicos e as latitudes médias se tornarão mais secos e, embora a projeção para o sul da Ásia seja de maior pluviosidade, ela tenderá a se concentrar no período já úmido, não aliviando as dificuldades do período seco se a água não for estocada . 

Deslocamentos populacionais 
A mudança climática acarreta deslocamentos populacionais pela incidência de eventos extremos, que destroem casas e habitats repentinamente, ou pela desertificação ou elevação do nível do mar, que atuam em prazos mais longos. Entretanto, as relações entre deslocamentos populacionais e deterioração ambiental são complexas, pois é difícil isolar um fator único responsável pela migração. Fatores econômicos e conflitos os mais diversos também são importantes determinadores de deslocamentos. 

Dos 350 milhões de pessoas deslocadas em todo o mundo hoje, 26 milhões são considerados “refugiados do clima”. O IPCC e o relatório Stern alertam que, até 2050, 150 milhões e 200 milhões de pessoas, respectivamente, serão deslocados permanentes devido à elevação do nível do mar e incidência de secas e enchentes . 

Segurança 
A mudança climática possui o potencial de exacerbar as tensões existentes e de criar novas, atuando como um fator multiplicador de ameaças à segurança nacional e internacional. A desertificação, a salinização, a elevação do nível do mar, a escassez de água e os desastres meteorológicos aumentam a competição por alimentos, terra e recursos hídricos, criando situações propensas a conflitos, especialmente em áreas onde não existe apoio do governo ou fontes alternativas de renda. No entanto, as evidências que relacionam as mudanças climáticas a conflitos são ainda inconclusivas . 

A mudança climática pode diminuir e até reverter os progressos realizados no combate à pobreza e às doenças. Em especial, ela representa uma ameaça para todas as Oito Metas do Milênio – os compromissos estabelecidos pela ONU no ano 2000 para serem cumpridos até 2015, tipicamente demandando reduções de metade ou de dois terços dos problemas selecionados – conforme esquematizado abaixo: 

Meta 1 
– desastres meteorológicos mais freqüentes e intensos ameaçam a subsistência, a segurança alimentar regional é minada e aumenta a vulnerabilidade dos pobres. 
– a escassez de água agrava ainda mais o problema, pois é necessária grande quantidade de água potável para reduzir a fome pela metade. 
– sem os efeitos da mudança climática, teríamos cerca de 10 milhões de pobres a menos hoje. 
– o número de subnutridos deve aumentar devido à mudança climática. 
Meta 2 
– a perda dos meios de subsistência resulta em mais crianças exercendo atividade remunerada e o deslocamento e migrações das famílias deixa a educação em segundo plano. 
– a infra-estrutura, como as escolas, é destruída. Por exemplo, o furacão Mitch, de 1998, destruiu um quarto das escolas de Honduras. 
Meta 3 
– as mulheres correspondem a dois terços dos pobres do mundo e são mais adversamente atingidas por desastres. 
– dificuldades adicionais atingem a saúde das mulheres, pois mais trabalho e tarefas domésticas aumentam os níveis de estresse. 
Metas 4, 5 e 6 
– as mulheres são particularmente vulneráveis a eventos meteorológicos extremos. Por exemplo, 90% das vítimas do ciclone que atingiu Bangladesh em 1991 eram mulheres e crianças. 
– crianças e gestantes são particularmente suscetíveis a doenças transmitidas por vetores e pela água, a subnutrição e a diarréia, das quais todas devem aumentar com a mudança climática. Cerca de 90% das mortes ocorrem em crianças menores de 5 anos. 
Meta 7 
– a mudança climática provoca alterações fundamentais nos ecossistemas, como a perda de recifes de corais. 
– a mudança climática reduziu a biodiversidade. O IPCC estima que de 20 a 30% das espécies estejam em risco de extinção neste século. 
– a mudança climática altera a quantidade e a qualidade dos recursos naturais. Por exemplo, 20 milhões de pessoas em seis países da África central e ocidental 
dependem do lago Chade para obtenção de água, mas ele diminuiu em 95% nos últimos 38 anos. 
Meta 8 
– o investimento em adaptação e mitigação é crucial e requer uma forte cooperação e coordenação. 
– a falta de investimento adequado em adaptação atua como um entrave significativo na assistência humanitária e no desenvolvimento. 

A conclusão central deste relatório é a de que as sociedades globais devem trabalhar em conjunto se a humanidade quiser superar este desafio: as nações devem perceber seus interesses comuns em Copenhague, atuando com uma só voz; os atores humanitários e do desenvolvimento devem combinar recursos, conhecimentos e esforços para lidar adequadamente com os desafios impostos pelas mudanças climáticas em rápida expansão; por fim, as pessoas, o mundo dos negócios e as comunidades de todo o mundo devem se comprometer e promover medidas para enfrentar a mudança climática e acabar com o sofrimento que ela provoca. Kofi Annan adverte que o acordo de Copenhague precisa ser o acordo internacional mais ambicioso já negociado. Do contrário, o resultado será uma massa de famintos, de migrantes e de doentes. Se os líderes políticos não assumirem essa responsabilidade em Copenhague, eles serão então responsáveis pelo fracasso da humanidade. Copenhague deve gerar um resultado global, seguro, justo e integrado. Tal acordo é de interesse de cada ser humano vivente hoje . 

A mudança climática, no entanto, não deve ser encarada como um desafio paralisador, mas principalmente como uma oportunidade para reformas einovações . O acordo de Copenhague deverá ser ambicioso e provocar mudanças radicais no direcionamento das atividades humanas em menos de dez anos, para que as emissões sejam reduzidas a menos de 20% dos níveis atuais nos próximos 40 anos. Como a própria ambição de Copenhague já constitui um grande desafio, está claro que ele pode ser nossa última chance de evitar a catástrofe global. A temperatura média do planeta já se elevará em quase 2º C independentemente das ambições de Copenhague, e se tivermos em mente que os impactos descritos neste relatório foram desencadeados por uma elevação de 0,74º C, podemos esperar que todo o sofrimento aqui descrito seja apenas o começo. O aquecimento global constitui-se na maior ameaça humanitária que já existiu . 

Para encerrar, o GHF declara qual será a melhor estratégia para mitigar o aquecimento global e seus efeitos nefastos e gerar recursos para custear o desenvolvimento sustentável: 

“Para reorganizar a economia global em direção a uma via de baixo carbono, Copenhague provavelmente produzirá algum tipo de sistema de preços globais sobre as emissões. Deve buscar mecanismos e sanções, incluindo uma solução globalmente aceita sobre a taxação do CO 2 “

Para tanto, será necessário alterar a própria estrutura da economia global, o que só será possível se conseguirmos implementar um preço global sobre o carbono que seja mais representativo de seus verdadeiros custos para a sociedade que, de acordo com este relatório, chegam a mais de um trilhão de dólares por ano. Levar tais custos em consideração redirecionaria recursos, multiplicando exponencialmente as possibilidades de um caminho mais verde. E ainda assim esta transformação pode se tornar a maior oportunidade para um novo crescimento econômico desde o advento da revolução industrial. Energias limpas e renováveis beneficiariam principalmente os mais pobres, por questões sociais, de saúde e de acesso. Poderia também estimular o desenvolvimento de muitos povos; basta lembrarmos-nos dos 1,6 bilhão de pessoas deste planeta que não dispõem de qualquer fonte moderna de energia . 

Entretanto, como que num vislumbre de racionalidade, reconhecendo que tal medida pode agravar ainda mais o quadro de pobreza e miséria descrito no relatório, faz uma ressalva: 

“É imperativo, no entanto, que os efeitos desse sistema de taxação não criem uma carga ainda maior para os pobres. O que de fato atuará como um preço global sobre o carbono, também atuará como uma taxa regressiva, similar às taxas de valor agregado, pois os custos adicionais da poluição eventualmente serão repassados aos consumidores. Os custos aumentados terão um impacto maior sobre os grupos mais pobres do mundo, onde os indivíduos terão que despender uma maior proporção de sua renda antes gasta em necessidades básicas de nutrição e saúde. Qualquer política climática deve também compensar esses efeitos através da redistribuição de renda, ou então arriscará exacerbar ainda mais as desigualdades” . 

A proposta de cobrança de impostos ambientais não é recente. Ela foi estabelecida em economia na década de 1920 por Pigou, que propôs o célebreprincípio do poluidor-pagador , ou princípio da responsabilização , de grande repercussão e posteriormente um dos princípios básicos do direito ambiental, juntamente com o princípio da precaução e o princípio da cooperação – todos com forte carga ideológica. A valoração monetária de um bem ambiental constitui o pressuposto para que, em decisões de alocação de recursos econômicos, os custos sociais sejam levados em consideração e inclusos nos custos privados, num processo conhecido como “internalização das externalidades”, que significa computar os custos ocultos e imputá-los ao seu responsável econômico. No nosso caso, admite-se que a queima de combustíveis fósseis produz danos irreparáveis ao planeta, especialmente às comunidades mais pobres, então nada mais justo do que fazer com que os poluidores compensem minimamente o seu estrago. Montibeller-Filho argumenta que, como os países pobres são, via de regra, exportadores de matérias-primas, se seu preço absorvesse o custo inerente à perda da qualidade ambiental ou da recuperação do meio degradado, os países produtores teriam os meios para importar os bens industrializados de que necessita, degradando menos o seu ambiente. Impossível pensar em outra solução tão inovadora quanto esta para garantir o tão almejado desenvolvimento sustentável: uma elevação do preço das matérias-primas, que inevitavelmente elevará o custo de toda a cadeia produtiva, cujos efeitos, como o próprio Fórum Humanitário Global reconhece, terá um impacto muito maior sobre os povos pobres. 

“Afirmar que os custos da despoluição de nosso meio ambiente devem ser cobertos, em última análise, pela comunidade é ao mesmo tempo um óbvio lugar-comum e um subterfúgio típico, ainda que os políticos que pregam sermões sobre essa questão acreditem haver descoberto a pedra filosofal”.

“Além disso, sugerir que os custos já proibitivos devam ser cobertos por ‘um fundo deliberadamente criado para tal finalidade com uma parte dos recursos derivados do crescimento econômico excedente'” , se por si só já constitui um absurdo tradicionalmente perpetrado pelos governos, torna-se um absurdo ainda maior em época de recessão e desemprego. Cancún já criou o seu, e o governo brasileiro, em toda a sua sabedoria e estratégia para captação de recursos, não tardou em criar seu Fundo de Mudanças Climáticas . A origem e o destino dos R$200.000.000,00 aprovados para serem investidos em ações de mitigação das mudanças climáticas no país durante o ano de 2011, todos nós conhecemos. 

Atribuir um valor monetário às externalidades é uma postura típica da economia capitalista tradicional; assim sendo, pode-se perguntar o que tal procedimento estaria fazendo no campo da economia ecológica. A resposta do autor é desprovida de qualquer conteúdo explicativo, mas mesmo assim é bastante doce: 

“A resposta está em que justamente este é um procedimento comum desta corrente da economia ambiental. Para fazer suas análises, os economistas ecológicos, além da análise dos fluxos físicos de energia e materiais, recorrem ao exame dos preços de mercado e dos valores monetários imputados aos bens e serviços ambientais – porém o fazem de modo crítico” . 

Ou seja: por que a economia ecológica adota o procedimento da taxação, típico da economia tradicional? Ora, porque sim, apenas isso! Porque cobrar impostos é algo tão natural quanto respirar! Cobrar impostos é a solução para todos os males da humanidade! Mas esperem, a economia ecológica não adota esse procedimento exatamente como sua rival: ela o faz “de modo crítico”. E qual é essa crítica? É tão-somente sublinhar a impossibilidade de se chegar a uma valoração correta do bem ambiental. O máximo que se consegue é chegar a valores ecologicamente corrigidos , embutidos nas mercadorias sob a forma de impostos ecológicos . Ser um economista ambiental crítico é reconhecer que um imposto nunca é alto o suficiente. Se estes são os mocinhos… 

Não é necessário possuir grande capacidade de raciocínio para saber que todos os graves problemas sociais e econômicos descritos pelo relatório do Fórum Humanitário Global não são provocados pelas mudanças climáticas, mas sim pela estrutura excludente do sistema capitalista. A incidência de malária não é provocada pela elevação das temperaturas globais, mas sim por programas ineficazes ou inexistentes de saúde pública. A incidência de diarréia não é provocada pela degradação ambiental, mas pela falta de saneamento básico. A escassez de água potável não é provocada pela redução das precipitações, mas sim pela pressão crescente sobre recursos hídricos cada vez menos conservados. A fome não é provocada por secas, mas sim pela pouca ou nenhuma renda disponível para a obtenção dos alimentos. A destruição das habitações não é provocada pela maior incidência de ciclones, mas sim pela precariedade das construções e pelo inadequado local de moradia. Os deslocamentos populacionais não são provocados por alterações nos padrões meteorológicos, mas pela falta de perspectivas oferecidas nos locais repulsores. A mortalidade feminina não é provocada pela sua maior vulnerabilidade às mudanças climáticas, mas sim pelas tradições machistas de suas sociedades. A evasão escolar não é provocada por enchentes recorrentes, mas sim pela necessidade de complementação de renda de famílias empobrecidas. As tensões entre grupos sociais não são provocadas pela desertificação, mas pelo desespero da exclusão econômicosocial. Em suma, a pobreza e a miséria não são provocadas pelo aquecimento global, mas sim pela concentração de renda. 

Driessen relata que, durante a conferência de Johannesburgo, Barun Mitra, presidente do Liberty Institute da Índia, apresentou um protesto muito interessante: uma placa erguida com duas pilhas de excremento animal – simbolizando tanto a qualidade dos argumentos dos ambientalistas radicais e o combustível de biomassa renovável que muitas ONGs parecem querer que as famílias pobres do mundo subdesenvolvido continuem a usar ainda por muitas gerações. Em localidades muito distantes do conforto do ocidente, as pessoas não tem outra alternativa além da madeira e do esterco para obtenção de energia. Os impactos econômicos, de saúde e ambientais da queima desses combustíveis renováveis são imensos. As meninas e as mulheres passam horas todos os dias no penoso trabalho de cortar lenha ou de se embrenhar em fezes e urina de animais para coletar, secar e estocar o esterco para uso como combustível para cozimento, aquecimento ou iluminação, ao invés de freqüentar a escola ou desenvolver alguma atividade mais satisfatória, produtiva ou rentável. A fumaça produzida no interior das casas pela queima dessa biomassa renovável , e que constitui uma das mais mortais formas de poluição atmosférica, parece não representar grande perigo para os ambientalistas. A Organização Mundial da Saúde afirma que cerca de um bilhão de pessoas, principalmente mulheres e crianças, estão expostas a severa poluição de ambientes internos e liga este fator a cerca de quatro milhões de mortes de crianças todos os anos no mundo, principalmente de doenças respiratórias. A queima desses combustíveis renováveis também contribui para asma e câncer de pulmão entre as mulheres – claro, em mulheres com “sorte” suficiente para viver o bastante para desenvolver um câncer . O sofrimento imposto por esse atraso tecnológico a centenas de milhões de indianos parece ser, para os ambientalistas e seus cientistas simpatizantes, um ideal de vida em harmonia com a natureza, porque sim, a subnutrição, a carência de saneamento básico e as epidemias constituem uma condição de manutenção de certo equilíbrio com a natureza e ainda hoje estão longe da eliminação na vasta periferia do sistema. Curiosamente (ou não), grande parte dos ambientalistas parece não perceber este permanente desequilíbrio social , silenciando quanto ao fato de estas louvadas formas de equilíbrio com a natureza serem preservadas às custas da destruição de uma enorme parcela da humanidade. 

“Todos os efeitos secundários negativos exercidos pelo atual sistema industrial sobre a saúde das populações têm de ser contrabalançados com a destruição maciça de vidas humanas que teria lugar se esses processos industriais não ocorressem, como se verifica em todas as regiões ou épocas não-industrializadas” . 

Outrora, o motivo alegado para a persistência da desigualdade social foi a ainda pouca disponibilidade de recursos; assim que as sociedades atingissem um nível suficiente de riqueza, ela automaticamente seria distribuída – afinal de contas, a troca de trabalho por salário é justa… Pois bem, nosso planeta dispõe hoje de uma riqueza jamais sonhada em toda a história humana, e ainda assim os problemas sociais não vislumbram qualquer possibilidade de solução. Outrora, o motivo alegado para a persistência da desigualdade social foi a carência de tecnologia; assim que fossem inventados aparelhos que diminuíssem ou eliminassem nossa vulnerabilidade às condições naturais, a pobreza seria drasticamente reduzida. Pois bem, a humanidade jamais viu tão grande e tão acelerado desenvolvimento tecnológico como ao longo do século XX, e no entanto mais da metade das pessoas deste mundo ainda não possuem acesso a inventos de séculos anteriores. A persistência e o agravamento da pobreza e da miséria, apesar dos “tão abnegados esforços” da ONU e suas ações humanitárias e dos “tão eficientes” programas de distribuição de renda de diversos governos mundo afora, tem sido uma constante por uma razão muito simples: porque permanece uma constante a apropriação privada da riqueza socialmente gerada e o desinteresse em qualquer mudança qualitativa dessa apropriação. E mais, se antes era possível, pelo menos em teoria, o colapso do capitalismo por meio do agravamento de suas contradições internas, é agora o próprio Estado quem se encarrega da árdua tarefa de garantir a continuidade e a saúde do sistema capitalista, salvando as empresas em dificuldade, regulando a dinâmica econômica e controlando as crises, frustrando sempre mais as expectativas de superação deste sistema. Como este capitalismo e este Estado tão alinhados podem hoje, com este nível de riqueza e de tecnologia à disposição, justificar a continuidade e o agravamento da miséria global? É simples: negando que ela seja o resultado da concentração de renda, da ação de uns poucos conglomerados industriais, da falta de vontade política, e escolhendo a dedo um novo culpado para tudo: o aquecimento global . E, como os culpados do aquecimento global somos todos nós, segue-se que somos culpados de todas as misérias que nos afligem. 

A culpa pela penúria da vida dos indianos passa a ser deles próprios, que insistem em queimar esterco ao invés de usar energia solar e eólica. A culpa das vidas despedaçadas pelas enchentes no nordeste e no sul passa a ser dos próprios brasileiros, que se negam a ir para o trabalho a pé ou de bicicleta. A culpa pela fome nos países do Sahel passa a ser de suas próprias populações, que voluntariamente degradam o meio ambiente. É a estratégia perfeita para um sistema econômico e político cujo interesse primordial é se eximir da culpa por todas as tragédias que, apesar de toda a riqueza e tecnologia disponíveis, ainda assolam a humanidade, atribuindo-a a um fenômeno pouco compreendido, e por isso mesmo temido e fácil de justificar qualquer mudança ou problema ambiental ou social. Sabemos que o clima sempre serviu, ao longo da história humana, como ideologia – para justificar a superioridade ou inferioridade de povos e lugares, as más condições de vida de certas populações ou hábitos culturais. Nossa era não é diferente. Hoje os revezes do clima constituem a mais perfeita justificativa para a ONU explicar por que fracassará em atingir as metas do milênio. Não será por ineficiência ou desinteresse dela e dos governos, será por culpa do aquecimento global. E, como o Estado está trabalhando pelo combate ao aquecimento global, adotando mecanismos de desenvolvimento limpo e aliando-se às empresas “verdes”, está diretamente trabalhando pelo combate a todos os problemas dele decorrentes – fome, pobreza, doenças… –, assegurando dessa forma a integridade e o bem-estar de seu povo. Dessa forma, ele fica dispensado de justificar sua não-atuação para a verdadeira solução desses problemas e de assumir a responsabilidade pelo seu fracasso. 

A culpa dos problemas da humanidade nunca é apresentada como inerente ao sistema socioeconômico estabelecido, mas invariavelmente atribuída apenas às deficiências tecnológicas, a serem corrigidas pouco a pouco. “Isto porque, se a possibilidade de uma mudança social radical for excluída a priori , nesse caso – por mais ‘sofisticada’ que seja a caracterização das dificuldades que devem ser submetidas a exame – somente aperfeiçoamentostecnológicos podem ser oferecidos como solução”. 

Ao mesmo tempo, as grandes corporações, ao contrário do que apregoa o senso comum, estão em geral bastante comprometidas com a causa das mudanças climáticas. Claro que seu interesse subjacente não é sanar os danos ambientais e sociais por elas provocados ao longo de sua história de atuação, mas sim melhorar sua imagem perante um consumidor que nos dias de hoje tanto valoriza a “responsabilidade ambiental” e dispõe de “total liberdade” para optar por uma empresa concorrente caso não seja agradado. Mais ainda, conforme destacou o Fórum Humanitário Global, as mudanças climáticas devem ser encaradas não como um desafio paralisador, mas como uma oportunidade para reformas e inovações, a maior desde o advento da revolução industrial. A proposta de taxação das emissões de dióxido de carbono, defendida por diversos governos, que supostamente tem o objetivo de desestimular o consumo de petróleo, serve na realidade para elevar o preço desta mercadoria e elevar os lucros das empresas petrolíferas, bem como aumentar a arrecadação de impostos por parte dos governos, posto que a redução do consumo de petróleo não está no nosso horizonte tecnológico mais próximo e ninguém deixa de usar petróleo quando seu preço sobe, antes absorvemos seus custos, sacrificando outras esferas de nossas vidas. O objetivo da taxação das emissões de dióxido de carbono não é, portanto, a salvação do planeta, e sim a criação de um imposto de pagamento inevitável. O comércio de emissões de dióxido de carbono, commodity inventada para realizar transações financeiras sem lastro, é outra faraônica fonte de lucros para governos e empresas. O custo de todas essas ações, é óbvio, inevitavelmente recairá sobre o cidadão comum, especialmente os mais pobres. 

Leff nos diz que se no princípio o discurso ambientalista ainda continha algum elemento de protesto, hoje o discurso neoliberal afirma o desaparecimento da contradição entre a preservação do meio ambiente e o crescimento econômico, dentro daquela possibilidade já discutida por nós de o desenvolvimento histórico dos eventos poder tomar rumos diferentes de seu contexto formador. Os mecanismos de mercado se convertem no meio mais seguro para internalizar as condições ecológicas e os valores ambientais ao processo de crescimento econômico. Na perspectiva neoliberal, os problemas ambientais não surgem como resultado da acumulação de capital, mas sim por não ter atribuído direitos de propriedade e preços aos bens comuns. Uma vez garantidos, as evidentes leis do mercado se encarregariam de ajustar os desequilíbrios ambientais e as diferenças sociais, assegurando a equidade e a sustentabilidade. 

O discurso da sustentabilidade procura inserir as políticas ambientais nas vias de ajuste da economia neoliberal supostamente com vistas à solução dos processos de degradação ambiental e ao uso racional dos recursos naturais. Na realidade, porém, ele responde à necessidade de legitimar a economia de mercado e conter o seu colapso. O conceito de sustentabilidade pode significar tanto a internalização das condições ecológicas de apoio do processo econômico quanto a sustentabilidade ou perdurabilidade do processo econômico em si. Neste sentido, a sustentabilidade ecológica torna-se condição da sustentabilidade do processo econômico. Esse discurso chega a afirmar o propósito de um crescimento econômico sustentável através dos mecanismos de mercado sem explicitar a possível internalização das condições de sustentabilidade ecológica. 

Sob o paradigma da sustentabilidade, o homem, a cultura e a natureza são recodificados como formas aparentes de uma mesma essência: o capital. Assim, os processos ambientais e simbólicos são reconvertidos em capital natural, humano cultural , para serem assimilados ao processo de reprodução e expansão desta ordem econômica, reestruturando as condições de produção mediante uma gestão economicamente racional do ambiente. Através dessa manobra, ao invés de operar uma mudança de mentalidade em direção a um pensamento holístico, o ambientalismo prepara as condições ideológicas para a capitalização da natureza e a redução do ambiente à racionalidade econômica. Este mecanismo ideológico não representa simplesmente uma nova mentalidade capitalista, mas principalmente uma distorção da razão : seu intuito não é internalizar as condições ambientais de produção, mas sim proclamar o crescimento econômico capitalista como um processo sustentável, apoiado no livre mercado como o meio mais eficaz para assegurar o equilíbrio ecológico e a igualdade social . 

O capitalismo ecológico, pois, redefine as formas tradicionais de apropriação primitiva, selvagem e violenta dos recursos dos países pobres, dos mecanismos econômicos de intercâmbio desigual entre produtos primários dos países pobres e produtos tecnológicos dos países ricos, a uma estratégia que legitima a apropriação dos recursos naturais que não são diretamente internalizados pelo sistema econômico . Através desta operação, redefine-se a biodiversidade como “patrimônio comum da humanidade”, ao mesmo tempo em que se assinala a “responsabilidade comum da humanidade” em zelar pelo conserto da composição química da atmosfera. Porém, como sabemos, os “patrimônios comuns da humanidade” podem ser tornados patrimônio de alguns poucos, enquanto a “responsabilidade comum da humanidade” será a responsabilidade dos restantes. 

Deste modo, o discurso do desenvolvimento sustentável converteu o sentido crítico do ambientalismo em um discurso voluntarista, ao proclamar que as políticas neoliberais hão de nos conduzir aos objetivos do equilíbrio ecológico e da justiça social pela via mais eficaz: o crescimento econômico guiado pelo livre mercado . 

“O discurso da sustentabilidade volta como um bumerangue, degolando e engolindo o ambiente como conceito que orienta a construção de uma nova racionalidade social. Esta estratégia discursiva da globalização se converte em um tumor semiótico, em uma metástase do pensamento crítico, que dissolve a contradição, a oposição e a alteridade, a diferença e a alternativa, para oferecer-nos em seus excrementos retóricos uma ‘re-visão’ do mundo como expressão do capital” . 

O discurso do desenvolvimento sustentável insere-se assim em uma política de representação, que constrói identidades para assimilá-la a uma lógica, a uma estratégia de poder para a apropriação da natureza como meio de produção. Neste sentido, as estratégias de sedução e simulação do discurso da sustentabilidade tornam-se o mecanismo extraeconômico por excelência para a continuidade da exploração do homem e da natureza, “substituindo a violência direta como meio para a exploração e apropriação de seus recursos” . O colonizador que, pela força das armas e da escravidão, roubou do indígena sua terra, seus recursos, sua sabedoria e sua dignidade, veste-se hoje de terno e gravata e, ao sair pelo mundo apresentando um PowerPoint anticientífico e cobrando cerca de 100.000 dólares por isso, ludibria a todos convencendo-os a entregar seu dinheiro, sua confiança e suas almas a empresas e organismos supranacionais incumbidos de concretizar a grande obra de salvar o planeta. Sem perceber, convertemo-nos todos em pequenas engrenagens do sistema que produziu toda a devastação que se pretende combater, e o que é pior, por nossa própria vontade. 

Para incrementar o rebanho de colaboradores numa empreitada qualquer, é condição sine qua non convencer as novas reses, que de início nada tinham a ver com a história, de que a concretização do projeto é da mais alta relevância para suas próprias vidas. Tal estratégia é muito comum em movimentos políticos e guerras civis; entretanto, poucos se apercebem de que esta é também a base das ideologias ambientalistas. Tomemos como exemplo o caso da reciclagem. Vidro, plástico, papel e metal nunca foram lixo, mas sim matérias-primas que em tempos de superabundância as indústrias podiam se dar ao luxo de desperdiçar. Em tempos de crise, porém, tal esbanjamento representa pesados custos para a indústria, de forma que ela deverá economizar com seus custos de matéria-prima, fazendo retornar à linha de produção o que antes era destinado aos aterros e às margens de rios. Estimula-se, assim, a reciclagem, uma preocupação muito mais capitalista do que ambiental. Mas é possível fazer ainda melhor: pode-se economizar também nos custos da mão-de-obra encarregada dessa tarefa, que trabalhará de graça por vontade própria. Como assim? Ora, esta é a parte mais fácil de toda a cadeia produtiva: basta convencer os novos escravos de que a reciclagem é primordial para suas próprias vidas. O mundo está afogado em lixo, implorando por uma faxina, que se não for realizada neste exato momento trará sérios prejuízos à própria integridade física de todos os seres humanos. É fundamental, pois, que cada um cumpra o seu papel de zelador do planeta, pois se cada um fizer a sua parte deixaremos um ambiente mais limpo e mais saudável para nossos filhos. O novo escravo, então, separa seu lixo, gasta sua água para lavar as embalagens, gasta seu tempo, gasta seu carro e seu combustível para levá-lo ao posto de coleta mais próximo, e retorna à sua casa feliz por ter cumprido seu dever de cidadão do mundo. Nem sequer passa pela sua cabeça a menor reflexão sobre o que ele acabou de fazer: ele se tornou um fornecedor de matéria-prima separada, limpa e transportada por ele mesmo para a indústriagratuitamente , e pior, orgulha-se disso! Ele concretizou o ideal da indústria, identificado com o seu, e trabalhou como escravo muito tempo depois de 13 de maio de 1888 sem se dar conta, sem precisar de tronco nem de açoite, tudo em nome da sustentabilidade . 

Mészáros não se esquece de destacar que os alegados limites ecológicos à expansão do capital vêm acompanhados, é claro, de oportunidades de lucro. “E recentemente poderíamos observar a proliferação de empresas parasitárias – das menores às maiores – que tentam lucrar do nosso crescente esclarecimento sobre os perigos ecológicos (Para não mencionar as operações político-ideológicas associadas a essas mesmas questões)” . Muito se afirma que as empresas petrolíferas lutam contra os grupos ambientalistas e tentam abafar o debate sobre as mudanças climáticas. Contudo, para surpresa de muitos, o que ocorre é justamente o contrário. A maioria das empresas de combustíveis fósseis ou é omissa sobre as mudanças climáticas ou financia grupos ambientalistas de combate ao aquecimento global . Tal financiamento tem como objetivo comprar a boa vontade do movimento ambientalista como um todo, pois essas empresas temem os boicotes e o vandalismo. Grandes empresas do setor energético e de outros ramos doam dinheiro e apóiam um programa do Environmental Defense Fund intitulado Partnership for Climate Action , cujo propósito, nas palavras de Fred Krupp, diretor executivo do Fundo, é 

“demonstrar que as empresas podem cortar a poluição por gases estufa enquanto continuam fornecendo produtos a seus consumidores e lucros para seus acionistas. A meta é compartilhar o aprendizado e sublinhar o valor da regulação sólida e orientada pelo mercado, que encorajará ainda mais empresas a dar um passo adiante e reduzir a poluição”.

Partnership for Climate Action é composto por empresas altamente conscientes da necessidade da preservação ambiental: Alcan, British Petroleum (BP), DuPont, Entergy, Ontario Power Generation, Pechiney, Shell International e Suncor. Seus pronunciamentos sobre esta iniciativa, devidamente listados na página do EDF, constituem uma edificante lição de como é possível conciliar o aumento dos lucros e a redução dos riscos associados à emissão de gases estufa. Paul V. Tebo, vice-presidente do setor de segurança, saúde e meio ambiente da DuPont, declara: 

“A DuPont orgulha-se de ser membro fundador do Partnership for Climate Action. Acreditamos que a Parceria demonstrará que programas baseados no mercado podem fornecer os meios para alcançar metas de proteção ambiental e de desenvolvimento econômico simultaneamente (…). Esta Parceria fornecerá um fórum para o comércio de emissões e para o compartilhamento das melhores práticas que garantam que as metas de todos os membros possam ser atingidas ao custo mais eficaz”.

Aidan Murphy, vice-presidente da Shell International, também demonstra seu entusiasmo com a iniciativa:

“As soluções baseadas no mercado são a maneira mais eficaz de enfrentar os desafios ambientais, incluindo a redução dos custos de redução de emissões de gases estufa. Esta iniciativa de desenvolver e compartilhar uma prática melhor é ainda outro passo na direção certa”.

Por fim, Ron Osborne, presidente da Ontario Power Generation, faz o pronunciamento considerado por nós como o mais emblemático e singelo: 

“Assim como muitas empresas hoje aqui representadas, a Ontario Power Generation está comprometida com a melhoria da qualidade do nosso ar e com a redução do impacto do aquecimento global. Digo isso não somente por causa da óbvia importância ecológica e moral dessas atividades, mas também porque o desempenho ambiental é um significativo imperativo de negócios e uma fonte de vantagens competitivas para nós. Acreditamos que esta tendência se intensificará conforme novos fornecedores de energia se esforcem para se diferenciarem no novo mercado, desregulamentado e competitivo” . 

Outra iniciativa semelhante é o United States Climate Action Partnership , formada em janeiro de 2007 e que se descreve como “uma parceria entre empresas e ONGs”, reivindicando mais subsídios para o desenvolvimento tecnológico e aprovação de leis de redução das emissões de gases estufa pelo governo norte-americano. O USCAP lançou seu próprio relatório sobre a mitigação do aquecimento global no dia 15 de janeiro de 2009, e as empresas e ONGs participantes têm todas um invejável currículo no ramo da responsabilidade ambiental: Alcoa, Boston Scientific Corporation, BP America Inc., Caterpillar Inc., Chrysler LLC, ConocoPhillips, Deere & Company, The Dow Chemical Company, Duke Energy, DuPont, Environmental Defense Fund, Exelon Corporation, Ford Motor Company, FPL Group Inc., General Electric, General Motors Corp., Johnson & Johnson, Marsh Inc., Natural Resources Defense Council, The Nature Conservancy, NRG Energy Inc., PepsiCo, Pew Center on Global Climate Change, PG&E Corporation, PNM Resources, Rio Tinto, Shell, Siemens Corporation, World Resources Institute e Xerox Corporation . 

Como resultado, os grupos moderados parabenizam publicamente essas empresas “conscientes” e a postura louvável de seus líderes. Via de regra, tal atitude é suficiente para que a empresa fique menos propensa a ataques diretos das alas mais radicais do movimento ambientalista . 

Dediquemos alguns parágrafos ao caso da British Petroleum, uma empresa que recentemente nos deu um inestimável exemplo de responsabilidade ambiental no Golfo do México. Em maio de 1997, o diretor executivo da BP, John Browne, adotou a hipótese do aquecimento global catastrófico e disse que medidas drásticas deveriam ser tomadas rapidamente, mesmo na ausência de provas conclusivas. Muitos interpretaram esse apoio da BP ao princípio da precaução como uma evidência de que a companhia estava convencida sobre a ciência da mudança climática e havia decidido se tornar uma “cidadã responsável”. John Browne afirmaria posteriormente: 

“Nós aceitamos que os riscos eram sérios e que eram justificadas as medidas de precaução. Fomos a primeira companhia do nosso ramo a tomar essa atitude, e a primeira a dizer que, se pedimos medidas de precaução aos outros, tínhamos que mostrar o que era possível e dar o exemplo” . 

A companhia inglesa tornou-se a segunda maior produtora mundial de hidrocarbonetos em 1998, quando concluiu uma fusão de 55 bilhões de dólares com a Amoco Corporation e adotou o nome de BP Amoco. No ano seguinte, após nova fusão com a Arco, no valor de 36 bilhões de dólares, a companhia adotou como nome apenas a sigla BP. Porém, de acordo com suas campanhas publicitárias, esta sigla não significa mais British Petroleum, mas simBeyond Petroleum . A companhia instalou painéis solares em 200 de suas 17.000 estações e, ao longo de dois anos, gastou cerca de 200 milhões de dólares numa campanha publicitária que incluía notícias e anúncios em jornais, revistas, televisão e painéis, todos transmitindo basicamente as mesmas mensagens: nós protegemos o meio ambiente, apoiamos vigorosamente o tratado de Kyoto, e direcionamos vastas somas à geração de energia solar e eólica. E, a propósito, ainda produzimos petróleo (mas de maneira mais responsável que a nossa concorrência) . 

Um dos anúncios afirmava que a BP havia sido a primeira companhia petrolífera a reconhecer publicamente os riscos das mudanças climáticas e a determinar metas de redução de suas emissões de gases estufa. Outro afirmava que a empresa havia introduzido voluntariamente a queima de combustíveis com baixo teor de enxofre. Outro dizia ainda: “Nós somos um dos maiores produtores de gás natural… e estamos investindo nas novas fontes de energia do futuro – hidrogênio e eólica. Já é um começo”. Em Washington DC, um enorme painel proclamava: “Solar, gás natural, hidrogênio, ventos. Ah, sim, e petróleo. Já é um começo” . 

No entanto, essa publicidade não passou sem contestação. Vários comentadores notaram que o investimento da BP em energias renováveis em seis anos foi de 200 milhões de dólares, a mesma quantia gasta em dois anos na publicidade do Beyond Petroleum – ou 0,2% do que gastou para comprar a Arco e a Amoco, ou 1,3% do que a empresa pretende investir em 15 anos de exploração de petróleo e gás só no Golfo do México. Já no final da campanha, a BP anunciou que estava gastando 6,75 bilhões pelo controle de 50% da prospecção de petróleo numa importante região russa e que gastaria outros 20 bilhões nos cinco anos seguintes explorando este e outros campos no mundo. Todas essas cifras ridicularizam os investimentos da BP em energias renováveis, mas nem por isso fazem-na perder sua majestade de empresa ambientalmente consciente, pois existe no mundo um número suficiente de pessoas suficientemente ingênuas para acreditar que uma megaempresa como a BP possa ter um comprometimento ambiental efetivo, sincero e desvinculado das oportunidades de lucro. Tais decisões de investimentos refletiam o fato de que Lord John Browne havia sido forçado a reduzir as estimativas de produção de petróleo da BP por três vezes no final do ano de 2002, deixando seus investidores pouco satisfeitos com o retorno de capital relativamente fraco da empresa, especialmente quando comparado às arquirrivais ExxonMobil e Royal Dutch/Shell . 

Uma importante exceção ao financiamento de grupos ambientalistas é a Exxon. O presidente da empresa, Robert Peterson, fez um pronunciamento em abril de 2001 reiterando a rejeição da empresa ao Protocolo de Kyoto e expressando seu ceticismo sobre a ciência do aquecimento global e a alegação de um consenso científico. A repercussão desse pronunciamento não poderia ter sido mais previsível. No mês seguinte, uma rede de ativistas, a pressurepoint.org, apoiada por celebridades de reconhecidos méritos no ramo da Climatologia, como Bianca Jagger e Annie Lennox, anunciaram numa coletiva à imprensa o início de uma campanha global de boicote contra a Exxon, rapidamente amparada pelo Greenpeace, pelo Friends of the Earth e por alguns membros do parlamento europeu . 

James Cameron, outra personalidade de inegáveis credenciais e uma vida inteira devotada à pesquisa em Climatologia, não esconde seu desapontamento com o fracasso da conferência de Copenhague. O motivo? É ele quem nos diz: 

“Como fundador de uma empresa de investimentos focada nas oportunidades que surgirão da transição para a energia de baixo carbono [ Climate Change Capital ], eu esperava que Copenhague marcasse uma resposta decisiva que sinalizaria a transformação dos sistemas mundiais de energia baseados em carbono em uma infra-estrutura mais limpa e mais segura”. 

Ele argumenta que uma economia de baixo carbono reduziria os riscos à segurança nacional, a dependência de importação de combustíveis, a poluição do ar e das águas e evitaria os riscos de investimentos em planejamento urbano e agrícola advindos de um mundo mais quente. É certo que essa transição terá custos; no entanto, ele afirma que os cálculos deles têm sido exagerados, haja vista que eles parecem ser manejáveis e existem benefícios econômicos associados ao investimento na substituição dos combustíveis fósseis. Cameron prossegue sustentando que, embora a responsabilidade histórica pela iniciativa da salvação do planeta do apocalipse climático caiba aos Estados Unidos e às nações ricas em geral, elas são hoje nações profundamente endividadas e encontram-se em uma posição econômica vulnerável. Ademais, essa idéia de que a resposta a todos os problemas cabe àqueles que o provocaram é absurda, pois o maior emissor de gases estufa é hoje a China, apoiando-se no princípio de que os países industrializados devem reduzir suas emissões antes que os países em desenvolvimento assumam compromissos de redução. Em última instância, “não existe mais a distinção absoluta entre países desenvolvidos e em desenvolvimento que foi preservada no Protocolo de Kyoto – uma distinção que não mais reflete a realidade econômica ou política” . Por isso as matrizes energéticas dessas economias de rápido crescimento devem se tornar tão pouco intensivas em carbono quanto humanamente possível, objetivo que deve ser alcançado em um curto período de tempo. O problema da mudança climática força-nos a reconhecer nossa humanidade ao invés de nossa nacionalidade , pois a atmosfera é uma só, por isso não importa onde é produzida uma tonelada de carbono nem onde ela é seqüestrada. Devemos encontrar uma maneira de organizar uma ação coletiva que manifeste mútuos interesses, que nos auxilie a agir de maneira mais efetiva. “Temos que nos obrigar a nos salvar” . 

Para o caso de o leitor não ter compreendido as idéias de Cameron, nós nos encarregamos de traduzi-las para um idioma menos ideológico. Uma economia de baixo carbono forçaria todos os ramos da indústria a adotar tecnologias desenvolvidas com financiamentos de empresas como a Climate Change Capital , rendendo-lhe vultuosos retornos financeiros, haja vista seus custos proibitivos. De fato, ocupando a posição de fundador e vice-presidente de uma empresa financiadora de projetos sustentáveis, Cameron deve mesmo lamentar o fracasso de Copenhague e não só deve amenizar o problema dos custos em seu discurso como não poderia pensar diferente. Não será ele quem arcará com os custos dessa transição – ao contrário, será ele quem usufruirá dos tais benefícios econômicos associados ao investimento na substituição dos combustíveis fósseis. Embora sejam os Estados Unidos quem mais deveriam arcar com os custos da transição da matriz energética, sabemos que ela é simplesmente impraticável para o maior produtor de energia elétrica do planeta, com a mera fatia de 52% de seu total sendo obtida em usinas movidas a carvão (fora aquelas movidas a petróleo, gás natural e urânio, bem como as hidrelétricas, que também não são muito adoradas); além disso, a potência que comanda os destinos de cada entidade vivente neste planeta bem pode se dar ao luxo de escolher os rumos de sua política e economia. E quem precisa reduzir as emissões de gases estufa em seu próprio território quando se pode delegar essa tarefa a 1.300.000.000 de chineses, 1.100.000.000 de indianos e 200.000.000 de brasileiros? Afinal de contas, a atmosfera é uma só, por isso não importa onde uma tonelada de carbono é produzida nem onde ela é seqüestrada. Sem contar que um mercado que em apenas três países totalizam 2.600.000.000 de pessoas ávidas pelo desenvolvimento, as vendas de tecnologias limpas, caras, ineficientes e insustentáveis parecem mais promissoras que um mercado de 300.000.000 de pessoas pouco propensas a aceitarem os sacrifícios que tais tecnologias santificadas lhes imporiam. Por que sacrificar americanos quando se pode sacrificar chineses, indianos e brasileiros? A divisão do globo em países desenvolvidos e subdesenvolvidos não passa de uma ilusão perpetuada pelo ensino arcaico das escolas e cobrança nos vestibulares; ela não existe na realidade, e devemos fazer crer que ela não existe, pois do contrário não poderemos forçar os países ditos subdesenvolvidos a comprar as tecnologias desenvolvidas com financiamentos daClimate Change Capital , nem a aceitar os acordos internacionais de limitação de emissões e de comércio de carbono, e essas verdadeiras teorias da conspiração que atribuem aos Estados Unidos a responsabilidade de tomar a dianteira nas medidas de mitigação não serão desmascaradas. E, se esses países não são subdesenvolvidos, mas no máximo emergentes (um grupo em crescimento e que não tardará a incluir o Chade, a Tanzânia e o Burundi), é lícito impor-lhes a compra de turbinas eólicas e painéis solares; pouco importa se seus governos possuem ou não dinheiro e se sua gente é um exército de mortos de fome e de AIDS, o importante é que dêem à empresa de Cameron tudo o que possuem e que morram todos logo de uma vez, para não mais drenarem os recursos naturais do planeta, que mal chegam para satisfazer os apetites da população americana. Por isso esses países ditos subdesenvolvidos devem abandonar sua falsa posição de vítima e comprar as sacrossantas tecnologias limpas o mais rápido humanamente possível, pois a Climate Change Capital (ops, o planeta!) tem pressa. E, se não se puder completar a transição da matriz energética o mais rápido humanamente possível, há meios desumanamente possíveis de conduzi-los por esse caminho. Quem insiste em se negar a cooperar por perceber os conflitos de interesse entre sua nação e a empresa de Cameron deve esquecer essa mentalidade bairrista, reconhecer sua humanidade ao invés de nacionalidade e assumir-se como “cidadão do mundo”, com cada país assumindo a responsabilidade por todos os outros. Por que os brasileiros hão de se afligir apenas com os irrisórios problemas do Brasil? Por que eles não podem se encarregar de solucionar também os problemas dos americanos, dos japoneses, dos alemães, dos franceses, dos italianos, dos ingleses, dos canadenses? Se já fizeram isso ao longo de toda a sua história, o que lhes custa colaborar uma vez mais? É importante assumir-se como “cidadão do mundo” para aliviar o peso da cruz das empresas dessas nações, mas se a cruz dos brasileiros se torna cada vez mais pesada, certamente não haverá “cidadãos do mundo” para aliviá-los. Por tudo isso, os países desenvolvidos (esses sim existem!) podem perfeitamente se sentirem à vontade para organizar uma ação coletiva que manifeste mútuos interesses – os de Cameron, de Al Gore, dos governos e empresas desses países, todos convergem! – que nos auxilie a agir de maneira mais efetiva – quem não ceder humanamente, cederá desumanamente. Quanto ao “Temos que nos obrigar nos salvar”, esta parte não precisa de tradução. 

O leitor pode até pensar: tudo bem, as mensagens ambientalistas são mesmo um tanto exageradas e por vezes até incorretas. Mas não teriam elas um caráter pedagógico? Ao temerem o fim do mundo diante da hecatombe ambiental, será que as pessoas não mudariam suas atitudes e, se o medo dessa hecatombe desaparecer, não desapareceria com ele a pouca consciência ambiental a duras penas conquistada? Respondemos que esse pensamento é profissionalmente inaceitável, antiético e inverdadeiro. Se nas ricas nações ocidentais um pouquinho de ficção provoca pouco prejuízo e pode mesmo resultar em algum bem, o mesmo não se pode dizer das nações pobres da América Latina, da África Subsaariana e da Ásia de Monções. Nesses lugares, o desvio dos poucos recursos disponíveis para o atendimento das pseudodemandas ambientais será catastrófico. Os países ricos dispõem de tempo, motivação, tecnologia e possibilidades financeiras para abraçar as causas ecológicas. Não é este, porém, o caso dos países pobres. Não encontramos ambientalistas entre os cerca de um ou dois bilhões de pessoas neste planeta que ainda não possuem acesso a eletricidade, nem entre os três bilhões de pessoas que vivem uma luta diária para obter alimento, combustível e água limpa simplesmente para se manterem vivos. Não, eles só podem ser encontrados em casas confortáveis, com água limpa, boa comida, refrigeração e cuidados médicos. É somente por conta de todas estas facilidades que os ambientalistas podem ocupar seu tempo preocupando-se com o meio ambiente. Embora admiremos as exóticas fotografias de africanos e indianos estampando as capas da National Geographic, é pouco provável que algum de nós realmente deseje trocar de lugar com ele. A frase “devemos nos preocupar com o bem-estar das gerações futuras” é pronunciada exatamente por aqueles que nunca tiveram outro interesse além do seu próprio bem-estar. As idéias ambientalistas refletem primordialmente as preocupações, preferências e visões de mundo de uma minoria de políticos, burocratas, acadêmicos, ONGs e fundações econômicas de países altamente desenvolvidos, que apontam a si próprios como defensores dos interesses da humanidade. 

“Contudo, por baixo da base conservadora popular, está o substrato dos párias e estranhos, dos explorados e perseguidos de outras raças e de outras cores, os desempregados e os nãoempregáveis. Eles existem fora do processo democrático; sua existência é a mais imediata e a mais real necessidade de pôr fim às condições e instituições intoleráveis”.

Não queremos dizer com isso que cada um de nós não pode se sentir estressado com o excesso de conforto que nos rodeia. Você está estressado por ter tanto conforto e tanta tecnologia ao seu redor e gostaria de viver em harmonia com a natureza? Ótimo, abandone tudo e vá viver na floresta. Você terá pelo menos dez anos de sua expectativa de vida roubada, verá a maior parte de seus filhos morrerem ainda na primeira infância, não conseguirá se deslocar por um meio mais rápido do que o lombo de um jegue nem se comunicar com outras comunidades por um meio mais eficaz do que sinais de fumaça. Mas se é esse o seu ideal de vida, vá em frente. Apenas não apresente este seu ideal de vida como o interesse de toda a humanidade, não queira impor este seuideal de vida a toda a humanidade e pior, não queira punir a humanidade inteira por não aceitar cumprir este seu ideal de vida, mesmo porque mais da metade dos seres humanos viventes, em graus variados, já desfrutam desse ideal de vida tão aprazível. E eles não gostam. E eles estão cansados. E eles querem se libertar. 

Esta é a função da ideologia do aquecimento global: a perpetuação da exclusão social travestida de comprometimento com as gerações futuras 

15. A crise estrutural do capitalismo”A ciência, que devia ter por fim o bem da humanidade, 
infelizmente concorre na obra de destruição e inventa 
constantemente novos meios de matar o maior número de 
homens no tempo mais curto”. 
Léon Tolstói Confissão , 1882)

Mészáros desenvolve ao longo de toda a sua obra a noção de crise estrutural do sistema capitalista, um grande continuum de crise experimentado pelo sistema a partir de meados da década de 1970, que constitui uma perda de fôlego que se seguiu a uma expansão acelerada e otimista após o término da Segunda Guerra Mundial. 

Por crise estrutural não se deve entender que o capitalismo atingiu seus limites absolutos e está à beira do colapso de que falamos na seção 14.1. Esta crise está relacionada a algo muito mais modesto do que as tais condições absolutas e não se origina por si só em alguma região misteriosa ou um único fator determinante, conforme veremos logo abaixo. Significa simplesmente que a tripla dimensão interna da auto-expansão do capital – as esferas da produção, consumo e circulação/distribuição/realização – exibem perturbações cada vez maiores, que não apenas tendem a romper o processo normal de crescimento, mas também pressagiam uma falha na sua função vital de deslocar as contradições acumuladas. Os interesses de cada uma dessas esferas deixam de coincidir com os das outras, momento a partir do qual as perturbações e disfunções antagônicas do sistema, ao invés de serem dissipadas e desarmadas, tendem a se tornar cumulativas e, portanto, estruturais, trazendo consigo um perigoso bloqueio ao complexo mecanismo de deslocamento das contradições. Este bloqueio é potencialmente perigoso e explosivo porque o modo normal do capitalismo lidar com as contradições é intensificá-las, transferindo-as para um nível mais elevado, deslocando-as para um plano diferente, suprimindo-as quando possível e, quando não o for, exportando-as para uma esfera ou país diferente. Numa situação de bloqueio dessas possibilidades, não se consegue vislumbrar uma saída . 

Muitos autores radicam a crise estrutural capitalista nos dois choques do petróleo da década de 1970, e daí toda a preocupação com o desenvolvimento de fontes alternativas de energia. Bernardo argumentará que o aumento dos preços do petróleo foi um efeito menor dentro de um processo já inteiramente delineado em seus termos fundamentais, e só pôde precipitar os acontecimentos porque as contradições do capitalismo impossibilitavam-no de responder a esse tipo de vicissitude. À medida que as contradições de um processo se acumulam, fica cada vez mais difícil adequar-se às eventualidades. De fato, os choques do petróleo tiveram seu papel no deflagrar da crise, mas não foram seu fator determinante . 

A novidade histórica dessa crise manifesta-se em seu caráter universal , ao invés de restrita a uma esfera particular, como o comércio ou o setor financeiro; seu alcance global , ao invés de restrita a poucos países; sua extensa duração , ao invés de limitada e cíclica; e seu modo de desdobramento rastejante , apesar das tentativas de administração. Não se pode negar a força da máquina administradora da crise, nem a capacidade do capitalismo de se reformular, somando novos instrumentos ao seu vasto arsenal de defesa contínua, conforme veremos nas próximas duas seções. Entretanto, o fato de este arsenal estar sendo posto em xeque com freqüência crescente é um indicativo da severidade da crise estrutural . 

A quem acha que tudo isso soa muito dramático, Mészáros convida simplesmente a olhar à sua volta, em todas as direções, e tentar encontrar alguma esfera de atividade ou conjunto de relações humanas não afetado pela crise. Enquanto se gastam trilhões de dólares por ano em armamentos, ocorre a negação completa das necessidades elementares de incontáveis milhões de famintos, o lado esquecido e que sofre as conseqüências dos trilhões desperdiçados . 

O incansável impulso do capital de transcender seus limites, é claro, não se deterámesmo que o sistema tenha atingido limites absolutos. Ao contrário, ele tentará de tudo para lidar com a intensificação das suas contradições, procurando ampliar sua margem de manobra dentro de seus próprios limites estruturais. No entanto, como as fundamentações causais responsáveis pela ativação desses limites absolutos não podem ser sequer discutidas, muito menos solucionadas dentro de tais limites, a correção de alguns de seus problemas mais explosivos passará pela manipulação dos obstáculos encontrados . No nosso caso, os limites estruturais do capitalismo são apresentados como limites ambientais , de modo a impedir a discussão sobre o fundamento último da crise, diluindo-a para toda a humanidade. 

Essa questão dos limites ambientais, apresentados como limites do crescimento , está propositalmente mal concebida. Os tão exaustivamente apregoados limites não são ditados pelo meio ambiente e pelos recursos naturais, e sim pela expansão do capitalismo imperialista norte-americano que, após absorver os impérios coloniais britânico e francês e com a incorporação do antigo bloco socialista, não tem mais muitas opções de expansão enquanto não iniciarmos a colonização de Marte. A má concepção dos limites do crescimento procura lançar a responsabilidade pelos problemas percebidos, sempre crescentes, aos cidadãos comuns, indivíduos sem poder, de quem se afirma não estarem dispostos a aceitar os limites restritivos por puro egoísmo, deixando assim intocado o quadro geral e a base causal da crise do sistema capitalista: o esgotamento dos domínios a invadir e subjugar . 

Ao mascarar os limites do capitalismo como limites ambientais, o ambientalismo insiste que o remédio para a crise repousa na aceitação dos limites identificados e em aprender a conviver com eles, ao invés de lutar contra eles e transcendê-los, como toda a história da cultura nos condicionou a agir. Curiosamente – e convenientemente –, todos os diagnósticos do falso dilema humano de “crescer ou não crescer” esquecem de que lutar contra os limites também pertence à natureza íntima do capital, justamente o que eles desejam perpetuar. Dessa forma, não apenas atribuem falaciosamente a responsabilidade pelo aprofundamento da crise aos indivíduos incuravelmente egoístas por natureza, ainda que passíveis de se iluminarem pelo esclarecedor discurso dos global warmers porta-vozes do capitalismo, mas representam de forma grotescamente falsa a questão fundamental dos limites objetivos que atravancam esse sistema. As determinações e os imperativos materiais esmagadores que conduzem o capital são minimizados e substituídos pelos impulsos psicológicos superficiais dos indivíduos, transformando uma gravíssima questão multifacetada num simplificado discurso neomalthusiano amplamente retórico e demagógico sobre a escassez de recursos energéticos e necessidade de racionalizar seu uso. 

“Os defensores de soluções neomalthusianas não podem entender, ou se recusam a admitir, que os desastres diagnosticados não apareceram no horizonte porque os indivíduos estão acostumados a ‘lutar contra os limites’ em vez de ‘aprender a conviver com eles’ – mas, ao contrário, porque o capital em si é absolutamente incapaz de se impor limites , não importando as conseqüências, nem mesmo a eliminação total da humanidade”.

É da natureza do capitalismo não reconhecer qualquer medida de restrição e não se importar com o peso das implicações materiais e sociais dos obstáculos a enfrentar ou com a urgência em relação à sua escala temporal. A própria idéia de restrição é sinônimo de crise no quadro conceitual do capitalismo. No entanto, o bloqueio de novos territórios por onde o sistema poderia expandir seu domínio e exportar suas contradições ativa seus limites absolutos e sua crise estrutural. Além disso, conforme vimos na seção 14.1, o capitalismo contemporâneo simplesmente não dá conta de regular a si mesmo sem o auxílio de uma instância superior que controle as sucessivas crises conjunturais. Daí a necessidade inevitável de assegurar a administração sustentável de suas condições de controle e produção num contexto global. É assim que a incontrolabilidade estrutural inerente do capital torna absolutamente necessário o controle racional do sistema global. Surge daí a mais problemática das contradições gerais do capitalismo atual: a existente entre a impossibilidade de impor restrições internas a seus constituintes econômicos a necessidade inevitável de se introduzir grandes restrições . A tendência universalizadora do avanço produtivo do capitalismo criou no mundo todo uma situação totalmente insustentável, que exige uma coordenação abrangente e um planejamento consensual centralizado quando, pela sua própria natureza, o sistema capitalista se opõe diametralmente a tais exigências . Vem dessa necessidade de regulação as propostas dos acordos climáticos internacionais, que estabelecem leis, sanções e transações comerciais obrigatórias em nível global sobre o uso dos recursos naturais, das fontes de energia e o ritmo de produção e consumo das nações, sob o comando e as bênçãos da ONU, essenciais para acalmar os ânimos das flutuações do mercado global e garantir assim a expansão e funcionamento do sistema sem grandes perturbações. Porém, essas mesmas regulações imprescindíveis sobre os recursos naturais, as fontes de energia e o ritmo de produção e consumo das nações impõem severas restrições à expansão, manutenção e à própria sobrevivência do sistema. Por isso os acordos climáticos são pensados mas não são plenamente propostos, são propostos mas não são plenamente assinados, são assinados mas não são plenamente ratificados, e são ratificados mas não são plenamente postos em prática. A necessidade inadiável de regulação, sem a qual o sistema estará arruinado, é a mesma que, implantada de fato, conduz o sistema à ruína. Por isso os incendiados debates e discursos políticos e, principalmente, a interminável seqüência de Conferências das Partes, em cada uma das quais somente se decide o que será decidido na próxima conferência: é porque se sabe da absoluta necessidade de, ao mesmo tempo, implementar e não implementar as regulações. Muitos teóricos desavisados afirmarão que a briga entre os contrários e os favoráveis à regulação econômico-climática no fundo corresponde a uma briga entre capitalistas e socialistas, respectivamente, estes desencantados com a queda do Muro e ansiosos para revisitar as saudosas restrições e burocracias severamente impostas ao antigo Segundo Mundo. Esquecem-se estes teóricos que a regulação das práticas econômicas por uma instância superior – o Estado e, hoje, a ONU, um organismo supra-estatal – já é prática recorrente, institucionalizada e indissociavelmente atrelada ao sistema capitalista pelo menos desde a Grande Depressão. Para se manter saudável e em pleno funcionamento, o capitalismo precisou, sim, entrar em choque com sua própria lógica de repulsa às regulações externas. Não é a uma disputa de poder entre capitalistas e socialistas que estamos assistindo, e sim à percepção e desdobramento da grave contradição em que se enfurnou este sistema. É esse embate que está em jogo hoje na questão climática: não é o “crescer ou não crescer” dos global warmers , mas o “regular ou não regular” que assombra o capitalismo, de forma inequívoca, há quase um século, e de forma cada vez mais acelerada, aguda e abrangente. 

“Foi apenas uma questão de tempo para que o capital – em seu irrefreável impulso para ir além dos limites encontrados – tivesse de se superar, contradizendo sua lógica interna e entrando em colisão com os limites estruturais insuperáveis de seu próprio modo de controle sociometabólico”.

No decorrer de seu desenvolvimento histórico, a constante expansão da escala de suas operações permitiu ao capitalismo deslocar por muito tempo a contradição entre a socialização da produção e seu controle, liberando a pressão dos gargalos de sua expansão através da abertura de novas rotas de suprimentos de recursos naturais e humanos, além de permitir criar as necessidades de consumo determinadas pela continuidade de sua autosustentação, em escala cada vez maior . Esse impulso expansionista é incorrigível, porque o capitalismo não pode renunciar à sua própria natureza e adotar práticas produtivas compatíveis com a necessidade de restrição racional em escala global. Se praticar uma restrição racional abrangente, o capitalismo reprimiria o aspecto mais dinâmico de seu funcionamento, cometendo suicídio. “Esta é uma das principais razões por que a idéia de um ‘governo mundial’ globalmente racional e consensualmente limitador baseado no sistema do capital – necessariamente parcial em sua única forma viável de racionalidade – é uma contradição gritante” . Essa discussão sobre a imposição de um governo mundial é recorrente nos debates sobre a política climática. Sobre ela, Driessen desenvolve uma curiosa hipótese. O autor menciona um discurso do ex-presidente francês Jacques Chirac na COP-6 em Haia, em novembro de 2000, em que ele denominou o Protocolo de Kyoto “o primeiro componente de uma autêntica governança global”. Driessen dirá que é um recôndito desejo das nações européias a expansão da autoridade das instituições internacionais e a instauração de uma governança global, travestida de acordos climáticos, em virtude da notória falta de dinamismo de sua economia quando comparada à norte-americana ou mesmo às de muitos países pobres. Sua elevada carga tributária, seus elevados níveis de desemprego, seu excessivo estado de bem-estar social, suas tradicionais práticas agrícolas, seu rápido envelhecimento populacional, suas empresas pouco enxutas e suas baixas taxas de crescimento, tudo isso se reflete numa Europa em desigualdade de condições de competição com os Estados Unidos ou com os países emergentes. A regulação econômico-climática, ao encarecer a obtenção de energia, impor a criação de impostos e burocratizar qualquer tipo de intervenção econômica ou política, reduziria assim o dinamismo econômico das nações “na crista da onda”, permitindo à Europa competir no mercado internacional em igualdade de condições . Embora aberta a uma série de questionamentos – em especial, a tendência a contrapor a condução política e econômica da Europa e dos Estados Unidos, como se estes formassem blocos homogêneos, sem contradições ou discordâncias internas – , a hipótese de Driessen ilustra bem o dilema “regular ou não regular, eis a questão”, elevado a seu nível mais extremado, a criação de uma governança global capitalista. E, se a idéia e as práticas de regulação já se apresentam como contradição do sistema, embora imprescindível, em escalas locais, em escala global ela definitivamente se mostra uma contradição gritante, esmagando todo o dinamismo do sistema capitalista global. E, no entanto, é sua única saída. 

A colisão com os projetados limites naturais geralmente vem acoplada a uma mítica ameaça da barbárie absoluta, no caso de a receita de acomodação total dos limites dados – ou seja, as regras inalteráveis da barbárie já existente – não ser prontamente aceita . Mészáros recua as origens dessa estratégia ambientalista moderna ao reverendo Thomas Robert Malthus, de quem já falamos na introdução deste trabalho. Para o autor, se a verdade de seu “princípio da população” fosse compreendida e praticada por todos, haveria felicidade ampla, geral e irrestrita. Toda infelicidade surge das tentativas do homem de transcender os limites impostos, uma luta insana e infrutífera, pois “A estrutura da sociedade, nas suas características principais, provavelmente se manterá sempre inalterada. Temos toda a razão para crer que ela será sempre formada por uma classe de proprietários e uma classe de trabalhadores” . Malthus nos adverte assim que a estrutura de nossa sociedade é imutável, e que todos os melhoramentos deveriam ser encarados estritamente dentro dos parâmetros estruturais eternos dessa ordem. Não é culpa desta sociedade, que sempre será formada por proprietários e trabalhadores, a desigualdade social, e sim das pessoas que insistem em tentar viver além dos limites permitidos pela natureza e por esta sociedade tão perfeita e racional. Em uma outra passagem, longa e eloqüente, Malthus resume os aspectos mais importantes de suas louváveis realizações científicas: 

“Que a causa principal e permanente da pobreza tem pouca ou nenhuma relação com as formas de governo ou com a divisão desigual da propriedade; e que, assim como os ricos não tem na realidade o poder de encontrar emprego e subsistência para os pobres, os pobres, dada a natureza das coisas, não tem o direito de exigi-los; são verdades importantes que fluem do princípio da população, que, quando adequadamente explicado, não estaria acima da compreensão mais comum. E é evidente que todo homem das classes inferiores da sociedade que tivesse conhecimento dessas verdades estaria disposto a aceitar com mais paciência a infelicidade que lhe coubesse; teria menos razões de insatisfação e irritação com os governos e com as classes mais altas da sociedade por causa de sua pobreza; estaria, em qualquer ocasião, menos disposto à insubordinação e à turbulência; e se recebesse ajuda, de alguma instituição pública ou das mãos da caridade privada, ele a receberia com mais gratidão, e saberia lhe dar o justo valor. 

Se essas verdades se tornassem gradualmente mais conhecidas (o que não parece improvável, no correr do tempo, devido aos efeitos naturais da interação mútua de opiniões), as classes inferiores do povo, como um corpo, se tornariam mais pacíficas e ordeiras, estariam menos propensas a comportamentos tumultuosos em épocas de escassez, e seriam sempre menos influenciadas por publicações sediciosas e inflamadas, por saberem como é pequena a relação entre a revolução, o preço do trabalho e os meios de manter a família. O simples conhecimento dessas verdades, mesmo se não produzisse influência suficiente para operar qualquer alteração significativa nos hábitos prudentes dos pobres com relação ao casamento, teriam, ainda assim, um efeito muito benéfico sobre sua conduta política; e sem dúvida um dos mais valiosos entre esses efeitos seria o poder resultante para as classes alta e média da sociedade de aprimorar seu governo sem a apreensão desses excessos revolucionários, que hoje ameaçam privar a Europa até mesmo dos graus de liberdade que ela já soube serem possíveis, e cujos efeitos salutares ela já desfrutou” . 

A mensagem é clara: este é o melhor dos mundos possíveis e devemos manter tudo como está, acostumando-nos à pobreza e à opressão política. A razão de todas as desgraças do mundo não está radicada na exploração social, mas na nossa insistência em viver além das possibilidades do equilíbrio natural. Mais apologista do existente do que isso, impossível. Eis a indisfarçável função ideológica dos discursos ambientalistas: eximir a burguesia e os governos da culpa pela pobreza e pela devastação ambiental, lançando-a sobre os pobres, que tem como o melhor a fazer reconhecer suas culpas, calarem-se e acatarem os mandos e desmandos das tradicionais forças dominantes. E, da mesma forma que Malthus, nossos amigos global warmers procuram assustar o povo com as implicações de suas fórmulas mágicas para que até mesmo as pessoas mais simples sejam conquistadas e se esqueçam de seus problemas, ou pelo menos deixem de dirigir suas queixas contra os guardiões da ordem existente. 

As teses de Malthus, como já dissemos, foram ressuscitadas por Paul Ehrlich e pelo Clube de Roma, que nos advertiam das graves conseqüências do crescimento populacional acelerado. Mais tarde, em virtude do desrespeito aos direitos humanos praticado em nome do imperativo do controle de natalidade, o assunto virou tabu e perdeu prestígio nos debates sobre a questão ambiental. Nos últimos anos, porém, o “problema do excedente populacional” vem sendo retomado. Em novembro de 2009, o Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA) lançou seu relatório sobre a situação da população mundial com o título “Enfrentando um mundo em transição: mulheres, população e clima”, que gerou polêmica ao sugerir uma redução das taxas de natalidade para combater – adivinhem – o aquecimento global. O assunto é controverso e o relatório adverte em diversas passagens que não está sugerindo um controle de natalidade, mas sim a necessidade de pelo menos considerar os impactos do crescimento populacional e de elaborar políticas de planejamento familiar, além de reconhecer que a principal responsabilidade pelo atual acúmulo de gases de efeito estufa é dos países desenvolvidos, cujo crescimento populacional e cujas taxas de fecundidade estão em sua maioria em declínio, enquanto a maior parte do crescimento populacional do mundo hoje ocorre em países em desenvolvimento, cuja contribuição para as emissões globais de gases de efeito estufa é historicamente bem inferior à dos países desenvolvidos . Ainda assim, o relatório nos traz alguns “indícios” da culpabilidade do crescimento populacional pelo aquecimento global e deriva algumas conclusões. Ele adverte que as emissões provenientes de alguns grandes países em desenvolvimento (leia-se China, Índia e Brasil) agora estão aumentando rapidamente em decorrência de sua industrialização, intensa no uso de carbono, e das mudanças nos padrões de consumo, bem como de seu atual crescimento demográfico e que, diante desse quadro, 

“se o mundo tiver de evitar mudanças climáticas perigosas, talvez reste pouco espaço na atmosfera para os países pobres se desenvolverem economicamente mediante os mesmos padrões energéticos de uso intensivo de carbono de que os países industrializados dependeram em seu próprio desenvolvimento ao longo dos dois últimos séculos” . 

Bem entendido: os países pobres, diante da mudança climática, não terão o direito de utilizar as tecnologias baratas e eficientes usadas por sua contraparte desenvolvida, devendo usar as tecnologias caras e ineficientes desenvolvidas pelos países ricos para aprofundar ainda mais o fosso que os separa. 

Um conjunto crescente de pesquisas indica que a estabilização da população ajudará a reduzir as emissões de gases de efeito estufa no longo prazo, e o acesso universal a planejamento familiar voluntário é uma intervenção que ajudará a acelerar essa estabilização. Os cálculos da contribuição do crescimento populacional para o aumento das emissões em escala global produzem um achado consistente: a maior parte do crescimento populacional passado foi responsável por cerca de 40 a 60 por cento do aumento das emissões. Se o cenário de crescimento populacional lento desenvolvido pela Divisão de População das Nações Unidas – cerca de 8 bilhões de pessoas até o ano 2050 – se concretizar, isso poderá resultar em 1 bilhão a 2 bilhões menos toneladas de emissões de carbono do que se o cenário de crescimento médio – um pouco mais de 9 bilhões de pessoas até 2050 – se concretizar. Outros estimaram uma economia de emissões comparável até 2050 mediante a aplicação de técnicas conhecidas de eficiência energética em todos os novos edifícios em todo o mundo ou mediante a construção de 2 milhões de turbinas eólicas de 1 gigawatt para substituir as usinas a carvão atualmente em uso. Isso significa que a economia líquida de emissões alcançada mediante um cenário de crescimento populacional baixo seria equivalente à economia líquida de emissões alcançada mediante grandes investimentos em tecnologias de energia em um cenário de crescimento populacional médio . Para concluir, 

“O esforço de longo prazo para se manter o bem-estar humano de toda a população em equilíbrio com a atmosfera e o clima em última análise exigirá padrões sustentáveis de consumo e produção que só podem ser alcançados e mantidos no contexto de uma população mundial sustentável” . 

Enquanto a ONU ressuscita as idéias sobre o controle populacional, ainda de maneira tímida, com a desculpa da mitigação do aquecimento global, Ferry cita casos de ambientalistas que advogam em favor da drástica redução populacional: Jean Brière, que sugere “secar na nascente a superprodução de crianças no Terceiro Mundo”, e Jean Fréchaut, que sonha com um “governo mundial que consiga pressionar as populações a fim de reduzir todas as poluições e mudar os desejos assim como os comportamentos por manipulações psicológicas”. Alguém suficientemente ingênuo pode até considerá-los casos isolados, delírio de marginais que não expressa o sentimento pacifista da grande maioria dos ambientalistas. Mas, perguntamos com Ferry, não estariam eles dizendo bem alto o que muitos pensam baixinho? Quando alguns sustentam que o número ideal de seres humanos em relação às necessidades dos seres não-humanos seria de 500 milhões, como afirma James Lovelock, ou mesmo 100 milhões, como afirma Arne Naess, “eu gostaria que me explicassem exatamente como pretendem realizar esse objetivo altamente filantrópico” . Talvez a resposta de William Aiken corresponda à melhor explicação a esse questionamento de Ferry: “Uma mortalidade humana maciça seria uma boa coisa. É nosso dever provocá-la. É dever de nossa espécie, em face de nosso meio, eliminar 90% dos nossos efetivos” . Ou as considerações do ambientalista (e auto-proclamado eco-fascista) finlandês Pentti Linkola, para quem uma terceira guerra mundial seria “uma ocasião feliz para o planeta… Se houvesse um botão que eu pudesse apertar, eu sacrificaria a mim mesmo, sem hesitar, se isso significasse que milhões de pessoas morreriam”. Ou J. Kenneth Smail, professor de antropologia na Kenyon College, em Ohio, que defende a redução da população mundial em pelo menos 80%, através de iniciativas como uma pandemia mortal, uma guerra mundial devastadora ou um colapso massivo do sistema de saúde pública. Ou o príncipe Phillip, que declarou em 1988 seu desejo de que, se reencarnasse, gostaria de ser um vírus mortal para reduzir a população global, e em 21 de dezembro de 1981, em entrevista à revista People, declarou que, se o crescimento populacional não for controlado voluntariamente, será controlado involuntariamente por um aumento de doenças, fome e guerras. Príncipe Phillip foi um dos fundadores do WWF, primeiro presidente do WWF britânico, de sua fundação em 1961 até 1982, e presidente do WWF internacional de 1981 a 1996, sendo hoje presidente emérito do WWF . São estes os nobres defensores dos interesses das gerações futuras. Para salvar o planeta, as gerações presentes devem ser exterminadas, para que as gerações futuras jamais existam. 

Mas porque tanta necessidade de reduzir a população mundial se, como sabemos, é o consumo desenfreado que pressiona os recursos naturais, e esse consumo parte de populações não em crescimento acelerado, mas lento ou até em declínio? Mészáros nos dirá que o real motivo dos apelos pelo controle de natalidade parte de uma faceta explosiva da crise estrutural do capitalismo: o desemprego . Mészáros dedica longas páginas de argumentações para provar para os apologistas do capitalismo (os negadores da crise…) a realidade do desemprego em massa, procedimento que consideramos desnecessário e não adotaremos aqui por acreditarmos na inteligência de nosso leitor. Outrora, o exército de reserva não só não representava uma ameaça ao sistema mas, ao contrário, era um elemento bem-vindo e necessário para sua boa saúde, a ser aproveitado em momentos de expansão econômica. As pioras periódicas nos níveis de desemprego podiam então ser consideradas estritamente temporárias, a serem superadas em pouco tempo. Entretanto, a situação mudaria radicalmente quando a dinâmica do deslocamento expansionista sofreu sua interrupção. O exército de reserva é hoje mão-de-obra supérflua, representando não apenas uma drenagem enorme de recursos materiais e financeiros do sistema, mas também uma carga potencialmente explosiva extremamente instável e que poderia até pôr em perigo a relação social de forças predominante. Interessante notar como o exército de reserva é considerado hoje supérfluo para a produção, mas não é de forma alguma supérfluo para o consumo… No entanto, o mais importante a notar aqui é o fato de que o desemprego já não atinge mais somente o trabalhador não-qualificado dos países pobres em períodos de crise, mas também um semnúmero de trabalhadores qualificados de países ricos em todos os momentos, dado que a crise instalada não cessou de se arrastar . 

O sistema capitalista em crise estrutural freqüentemente nos apresenta pseudosoluções que não só concordam com o sistema existente, como refletem acriticamente seus ditames reificados como a última moda em matéria de saber criativo. Em tom de chacota, Mészáros relata-nos que, no período vitoriano, quando algumas localidades adquiriam a fama de estâncias de saúde, alguns empresários cínicos engarrafavam ar com o nome dessas estâncias para que os ricos pudessem comprá-lo e soltá-lo em seus quartos ao retornarem para casa. Não narramos esta prática bizarra aqui somente com o objetivo de expor o ridículo dessa proposta, mas também para demonstrar que a idéia de vender ar, o princípio básico do comércio de créditos de carbono, é mais antiga do que podemos pensar. Mészáros prossegue considerando que, se algum empresário cínico conseguir hoje açambarcar a atmosfera do planeta e privar os indivíduos de seu modo espontâneo e pouco sofisticado de respirar, com certeza criará uma fábrica global de engarrafamento de ar e autoritariamente racionalizará a produção a seu bel-prazer, prolongando sua vida útil indefinidamente enquanto sacrifica todos os outros seres humanos, e é bem possível que já existam apologistas do capital reunidos em torno de algum projeto do gênero. Nós aqui duvidamos que, em seus delírios mais enlouquecidos, Mészáros tivesse conseguido conceber que o dia da concretização de sua chacota estivesse tão próximo: milhões de pessoas neste planeta estão hoje reunidas num projeto de privar a humanidade de seu modo espontâneo e pouco sofisticado de sobrevivência, ao declararem que o ar que as envolve e lhes dá vida é passível de compra e venda, criando toda uma parafernália global de instrumentos legais, comerciais e técnicos para o engarrafamento e seqüestro de alguns componentes atmosféricos, racionalizando toda a cadeia produtiva estabelecida em torno do comércio de ar engarrafado de forma autoritária e a seu bel-prazer, adiando um pouco a chegada dos limites estruturais absolutos do sistema ao criar empregos e mercadorias que em qualquer outro sistema minimamente são não fariam o menor sentido. Sim, senhores, os cínicos empresários da era vitoriana continuam a tirar proveito da ignorância e pretensão humanas, com os agravantes de que hoje são em muito maior número e apresentam tal prática como absolutamente primordial para a salvação de toda a humanidade do reino das trevas. A única pergunta que nos resta é se essa indústria de engarrafamento de ar em escala global chegou a tempo de salvar o sistema da explosão de seus devastadores antagonismos . 

O objetivo da hipótese do aquecimento global, podemos perceber, é oferecer uma justificação racional da legitimidade e da validade da ordem estabelecidae tentar reformar o capitalismo em crise , coisa que seus apologistas se recusam a admitir, travestindo-a de crise ambiental . Os limites do crescimento, a preocupação com a sustentabilidade, tudo isso não passa de uma preocupação de como manter a integridade do sistema num momento em que se avolumam e se intensificam suas contradições sem qualquer perspectiva de abrandamento, transformando-a numa preocupação de toda a humanidade: todos devem se unir e se pôr de acordo sobre qual a melhor maneira de salvar o capitalismo (ops, o planeta!) e devotar suas vidas de corpo e alma a essa enobrecedora causa. Este sistema, nestas circunstâncias, encontra pouca dificuldade em fazer aceitar interesses particulares como sendo de todos os homens sensatos. As necessidades políticas e econômicas deste sistema são eufemisticamente descritas como necessidades públicas e se tornam necessidades e aspirações individuais ; sua satisfação promove os negócios e a comunidade, e esse conjunto parece constituir a própria personificação da razão . Todos e cada um devem devotar suas vidas à salvação do planeta dentro das práticas tradicionais e inovadoras do mercado; esta salvação não é um interesse do sistema capitalista, e sim de cada ser humano vivente. Se alguém se opuser, uma catástrofe avassaladora, só comparável ao apocalipse bíblico, arrasará cada centímetro de nosso planeta. Ninguém estará a salvo. A menos que as nações cheguem a um acordo definitivo na próxima Conferência das Partes e iniciem de fato as medidas de restrições de emissões de gases estufa nos próximos meses (se possível, semanas), submetendo-se aos ditames da crise capitalista, o resultado será uma crise climática global irreversível, seguida por fome, doenças, guerras e desastres generalizados. A ameaça do colapso devido ao rompimento da suposta lei do efeito estufa natural é assim adotada como a racionalização do autoritarismo extremo por meio do qual a ordem estabelecida pode se preservar e se expandir, sempre em perfeita harmonia com os sistemas naturais no melhor dos mundos possíveis. As referências cataclísmicas e o tom do discurso global warmer são necessários exatamente porque nenhum de seus dogmas ou afirmações pode ser substanciado ou cientificamente fundamentado. Não existe efeito estufa, não existe clima global, não existe concentração natural de dióxido de carbono, não existe equilíbrio climático e nunca se encontrou uma ÚNICA evidência concreta da influência das atividades industriais sobre a temperatura do planeta. Todas as evidências apregoadas não passam de resultados de modelos convenientemente ajustados . O discurso global warmer procura simplesmente defender a ordem estabelecida , cujos defeitos estruturais são apresentados como limites físicos , disseminando a brutalmentira da possibilidade do homem ajustar os fluxos de matéria e energia deste planeta a “seus interesses”. E, quando as projeções se mostram problemáticas, sempre se pode preservar a substância ideológica do discurso cataclísmico, como se nada tivesse acontecido, simplesmente postergando as datas. Como as projeções cataclísmicas climáticas elaboradas desde a década de 1950 para o final do século XX não se concretizaram, as novas datas para a explosão da catástrofe são 2012, 2030, 2050, 2100. Sem dúvida, no devido tempo, datas mais distantes serão oferecidas. 

Uma vez que se ignoram as verdadeiras razões de porque as metas do milênio não serão cumpridas, os únicos remédios aceitáveis são aqueles externos à dinâmica social capitalista, assumindo ou a forma de uma pregação vazia, como andar de bicicleta ou, de maneira mais realista e cruel, da imposição de medidas autoritárias como a vistoria ambiental veicular, a proibição do consumo de sacolas plásticas e a pintura dos telhados de branco, medidas igualmente irrelevantes para o clima mas muito relevantes para aumentar a receita da prefeitura através da cobrança de multas, em nome da proteção do meio ambiente e dos interesses das gerações futuras. Em outras palavras, os pilares da estratégia global warmer são forçar as pessoas a se acostumarem a uma vida de escassez e restrições legais e transformar em criminosos os que protestarem em contrário. Pois se o capitalismo não tem condições de enfrentar a intensificação de suas contradições estruturais, ninguém deverá sequer pensar em lutar por outra alternativa. A alternativa é uma catástrofe que deve ser evitada a todo custo, inclusive com a repressão organizada dos “amigos da natureza” (se necessário, com exércitos permanentes) contra os “criminosos climáticos” – leia-se inimigos do sistema. E, quando esses antagonismos sócio-econômicos se tornarem sérios demais para serem tratados pelos tradicionais meios democráticos, sempre é possível recorrer aos métodos antidemocráticos. Mészáros cita-nos o senador Daniel Patrick Moynihan, no livro Pandemonium , em que insiste que “será preciso que os Estados Unidos e as democracias da Europa ocidental reconsiderem… a idéia de que a democracia seja uma opção universal para todas as nações” . 

Os global warmers recomendam suas soluções de redução do ritmo econômico “sem submeter a uma crítica séria o próprio sistema socioeconômico culpado de produzir os sintomas quixotescamente criticados por eles” ; 

“Entretanto, apesar da diligência com que este espírito é aplicado, e da fanfarra com que são saudadas suas conclusões circulares a partir de premissas arbitrárias, apresentadas sob o simulacro de uma sólida quantificação erudita, nenhum insulto e nenhuma demagogia desse gênero pode desviar a atenção das graves questões trazidas à baila pela crise estrutural do sistema do capital” . 

Nas próximas duas seções, exporemos os dois grandes sistemas de salvação da crise estrutural do capitalismo ancorados na hipótese do aquecimento global. O primeiro aborda a hipótese como articuladora da constante mudança da base tecnológica; já o segundo propõe uma manobra ideológica pela aceitação incontestada da crise. 

15.1 A lei da taxa de uso decrescente e a produção do desperdício

Numa tentativa desesperada de prosseguir em sua expansão, o capitalismo apresenta-nos suas soluções arbitrárias e manipulativas para os novos problemas e contradições emergentes na vida econômica e social. Tais estratégias fornecem ao capitalismo em crise novas margens de expansão e novas maneiras de transpor as barreiras que encontra. A mais importante dessas estratégias, dirá Mészáros, é a chamada lei da taxa de uso decrescente , inseparável da tendência capitalista para a superprodução e as crises a ela associadas. Ela abre novas possibilidades para a expansão capitalista e, por isso, adquire um papel muito especial no processo de realização do capitalismo “avançado”. Consiste basicamente na diminuição progressiva da taxa de uso dos bens de consumo, forçando o consumidor a comprar novos bens. Além disso, são criados e manipulados os apetites artificiais , para estimular o consumo de novos produtos independentemente do nível de uso dos anteriores correspondentes ou das reais necessidades do consumidor, pois a administração da demanda deverá se subordinar aos imperativos do valor de troca em expansão. Caso as necessidades reais dos indivíduos caibam nos limites desse valor de troca de maneira vantajosa para o sistema, elas poderão ser correspondidas ou pelo menos consideradas legítimas; caso contrário, serão frustradas e substituídas por alguma coisa produzida em conformidade com o imperativo de expansão do sistema . 

A taxa de uso decrescente é uma das leis tendenciais mais importantes e abrangentes do desenvolvimento capitalista. Para citar Marx: 

“A despeito de todos os discursos piedosos, ele [o capitalista] busca meios para impulsionar [os trabalhadores] ao consumo, procura dar aos seus produtos novos encantos, inspirar novas necessidades pela propaganda constante, etc. É exatamente este aspecto da relação de capital e trabalho que é um momento essencialmente civilizador, e no qual se apóiam tanto a justificativa histórica como o poder contemporâneo do capital” . 

O capitalismo é caracterizado pela contradição inconciliável entre a produção para o uso , correspondente às necessidades humanas, e a produção para atroca , que a certa altura acaba se tornando um fim em si mesmo, subordinando qualquer consideração sobre o uso humano à sua perversa lógica de auto-reprodução alienante. E, como a expansão do valor de troca é a preocupação central deste sistema e desta sociedade, são empregadas todas as formas de mistificação para aparentar que a produção sempre crescente do valor de troca, não importa o quão obviamente desperdiçadora e deslocada das necessidades sociais, está perfeitamente de acordo com os melhores princípios da racionalidade econômica e corresponde plenamente a uma demanda real . 

Em certo sentido, a lei da taxa de uso decrescente está implícita nos avanços tecnológicos e de produtividade, pois estes inevitavelmente alteram o padrão de consumo e a maneira como serão utilizados tanto os bens de consumo quanto os bens de produção. A novidade aqui é que ela deixa de ser um princípio em certa medida espontâneo para se institucionalizar como instrumento de salvação do capitalismo de sua crise estrutural. O objetivo e princípio orientador da produção tornam-se assegurar a máxima expansão possível na base de uma utilização mínima , que garanta a continuidade da reprodução ampliada. Em termos ideais, quanto mais os produtos se aproximarem da taxa de uso zero , maior será a possibilidade da expansão ilimitada. O sistema mantém sua produção manipulando até mesmo a aquisição dos antigamente chamados bens de consumo duráveis , que serão atirados ao lixo muito antes de esgotada sua vida útil efetiva. O desperdício, assim, deixa de ser uma faceta lamentável desse sistema para se tornar parte integrante fundamental e deliberadamente cultivada por ele. A tendência à produção do desperdício em escala monumental não constituirá, pois, um desvio em relação ao espírito normal do capitalismo ou a algum princípio econômico sensato, mas sim uma verdadeira medida do progresso do capitalismo avançado. A adoção de tal objetivo favorecerá o surgimento e crescimento de atividades econômicas que preencham as necessidades desse processo com o maior dinamismo e eficácia . 

A notável obsolescência programada sobre os bens de consumo outrora considerados duráveis, bem como todos os esforços manipulatórios da propaganda, que produzem a obsolescência percebida; a substituição e o abandono deliberado de bens e serviços que oferecem um potencial de utilização intrinsecamente maior em favor de outros cujas taxas de utilização tendem a ser muito menores; a imposição artificial da capacidade produtiva quase completamente inutilizável; o crescente desperdício resultante da introdução de novas tecnologias, contradizendo diretamente a alegada economia de recursos materiais; o extermínio deliberado de habilidades e serviços de manutenção, para compelir os consumidores a comprar dispendiosos produtos ou peças novos, quando as mercadorias descartadas poderiam ser facilmente consertadas; tudo isso pertence a essa categoria, constituindo estratégias para perdulariamente diminuir as taxas de utilização praticáveis . 

Conforme assinalou Marx, “o valor de troca de uma mercadoria não aumenta se o seu valor de uso for mais consumido e com maior proveito” . O mesmo se aplica, entretanto, ao processo inverso: quando baixamos o valor de uso de uma mercadoria, ou quando criamos condições para seu consumo parcial e com menor proveito, esta prática também não afetará seu valor de troca. O resultado disso é que o sistema não sofre qualquer conseqüência se um produto tiver taxa de utilização mínima ou máxima, pois a taxa de uso não afeta em nada a única coisa que realmente importa para o capitalismo: que uma certa quantidade de valor de troca foi realizada na mercadoria através do ato de venda, independentemente de ela ser, a seguir, sujeita a um uso constante, a pouco ou a nenhum. O capitalismo define os sentidos de útil utilidade em termos de vendabilidade , um imperativo que pode ser realizado sob a hegemonia e no domínio do próprio valor de troca. O capitalismo não trata o valor de uso e o valor de troca em separado; ao contrário, subordina radicalmente o primeiro ao último, permitindo assim que, por um lado, qualquer mercadoria possa estar constantemente em uso ou, por outro lado, simplesmente nunca ser usada, sem com isso perder sua utilidade quanto às exigências expansionistas do modo de produção capitalista. O simples ato da transação comercial se torna o único critério relevante de “consumo”. Sabendo-se, pois, que a utilidade de uma mercadoria encerra-se em seu ato de venda, enquanto existir uma demanda para a utilização dessa mercadoria, quanto menos ela for realmente usada e reusada, melhor é do ponto de vista do capitalismo, já que sua subutilização torna vendável outra peça de mercadoria. Neste sentido, o que é verdadeiramente vantajoso para a expansão do capital não é um incremento da taxa de uso de uma mercadoria, mas justamente o contrário, é o decréscimo da taxa de uso que interessa, pois enquanto esse decréscimo for acompanhado de uma expansão adequada do poder aquisitivo da sociedade, cria-se a demanda por uma nova peça de mercadoria. Foi justamente essa tendência à redução da taxa de uso um dos principais caminhos trilhados pelo capitalismo que lhe permitiu atingir seu crescimento verdadeiramente incomensurável ao longo de sua história . 

A taxa de uso decrescente torna-se, desse modo, um meio insubstituível para realizar a reprodução do capital em uma escala maior, ao mesmo tempo em que amplia artificialmente o círculo consumidor, aumentando o consumo sem a necessidade de incorporar novos públicos consumidores. Enquanto a taxa de uso decrescente conseguir ampliar o ciclo de realização do lucro, vastas porções da população poderão ser seguramente ignoradas pelos desdobramentos capitalistas, até mesmo nos chamados países avançados, para não mencionar o resto do mundo mantido em subdesenvolvimento forçado. Sob o impacto dessas determinações, o resultado não é a ampliação da esfera de circulação de mercadorias, mas sim a restrição artificial do círculo de consumo e a exclusão dele das massas desprivilegiadas, ou seja, a esmagadora maioria da humanidade, graças às perversas possibilidades produtivas abertas ao sistema capitalista pela taxa de uso decrescente . 

Todas as considerações sobre a qualidade ou utilidade da produção devem ser implacavelmente abandonadas face ao critério da auto-reprodução ampliada do capital. A determinação primordial do sistema capitalista é e continuará sendo o imperativo da lucratividade , sobrepujando-se sobre quaisquer outras considerações, quaisquer que sejam as implicações. Dessa forma, qualquer coisa que assegure a contínua lucratividade também a qualifica como empreendimento economicamente viável. Conseqüentemente, não importará quão absurdamente perdulário seja um procedimento produtivo particular; contanto que seu produto possa ser lucrativamente imposto ao mercado, ele será saudado como manifestação correta e apropriada da economia capitalista . 

Por isso o desenvolvimento dos meios de produção não está diretamente conectado ao desenvolvimento das necessidades humanas, nem pode se beneficiar diretamente das potencialidades emergentes do avanço do conhecimento ligado à produção. Ao contrário, como os meios de produção foram convertidos em capital, eles deverão mesmo se opor às necessidades humanas, se a lógica do capitalismo assim o exigir, sobrepondo às necessidades humanas existentes e emergentes as necessidades da produção e o interesse de salvaguardar a expansão do capital. Como os objetivos da produção não estão diretamente subordinados às limitações do consumo, podem na realidade anteciparem-se significativamente a ele, estimulando tanto a produção quanto a demanda conduzida pela nova oferta. O antigo ditado que diz “A necessidade é a mãe da invenção” é, no capitalismo tardio, atualizado para “A invenção é a mãe da necessidade” . Por esta mesma lógica, os avanços na ciência poderão ser transformados em meios de produção não no terreno das necessidades humanas, mas apenas se seu procedimento favorecer aos interesses deste sistema. As descobertas e invenções científicas são silenciadas e arquivadas tão logo ameacem interferir com os ditames lucrativos do mercado . 

“É por isso que, não apenas algumas linhas de pesquisa inerentemente produtivas não prosseguem, mas também uma grande parte de conhecimento já existente, junto com incontáveis inventos práticos, é ‘arquivada’ ou inteiramente reprimida, sempre que conflite com os interesses do capital. De fato, dada a alienante metamorfose dos meios de produção em capital reificado, a maquinaria produtiva desse sistema pode e deve ser articulada de tal maneira que sirva antes a propósitos destrutivos do que a produtivos se assim o decretarem os imperativos da contínua auto-reprodução do capital” . 

Além disso, as partes relativamente ineficientes do capital social total acabarão inevitavelmente abandonadas à margem do caminho, tão logo forem se tornando excedentes sobre a demanda. Ao se tornarem não-lucrativas em seu padrão de funcionamento, tais partes acabam se tornando capitalisticamente inúteis, mesmo se ainda puderem contribuir bastante para a produção socialmente útil . 

Sob as circunstâncias prevalecentes, a ciência é unilateralmente subordinada à necessidade vital do capitalismo de converter em vantagens suas próprias concessões e ganhos periódicos do trabalho. A atividade científica é orientada em consonância com sua posição na estrutura do sistema capitalista. Com isto, ela visa à dupla tarefa de, por um lado, inventar cada vez mais máquinas eficazes quanto ao custo (leia-se economizadora de trabalho) e, por outro, divisar os métodos e processos adequados para a lucrativa produção em massa de mercadorias. As práticas adotadas como resultado das tendências objetivas e das pressões do desenvolvimento do capitalismo tardio são apologeticamente racionalizadas pela conveniente ideologia da inovação tecnológica – quem em sã consciência ousaria questionála? Como resultado dessas novas exigências e determinações do capital, a ciência afastou-se de seus objetivos positivos e assumiu o papel de auxiliar da multiplicação das forças e modalidades de destruição, a serviço da obsolescência planejada e de outras práticas manipuladoras bastante engenhosas, criadas com o único propósito de manter o fantasma da superprodução bem longe das indústrias de bens de consumo . 

A ciência das mudanças climáticas revela aqui mais uma importante faceta ideológica, constituindo-se hoje em uma indispensável engrenagem da máquina produtora da obsolescência programada e percebida, portanto vital para a boa saúde do sistema capitalista, ditando os avanços tecnológicos – quais devem ser descartados e quais mantidos, induzindo a uma permanente troca de produtos, cada um mais climaticamente correto que seu predecessor, fruto das mais recentes e desinteressadas conclusões dos 2500 melhores cientistas do mundo, sempre obedecendo aos critérios da lucratividade e da reestruturação produtiva (ops, da salvação do planeta!). Obviamente, o fato de sermos levados a jogar fora um produto em perfeito estado para substituí-lo por outro mais “protetor do clima” não representa nenhum problema ambiental, muito pelo contrário: uma troca desperdiçadora de recursos é absolutamente primordial para o equilíbrio climático planetário. Pouco importam o desperdício de água, de energia, de minérios e de trabalho humano na troca dos produtos; nada disso é em vão, pois cumpre a urgente tarefa de salvar o clima do planeta. Ao nos empenharmos em trocar constantemente nossos produtos e em nos mantermos atualizados quanto às novidades do ramo, que surgem a intervalos cada vez mais curtos, estamos na realidade cumprindo com nosso sublime dever de cidadãos do mundo e guardiões do clima. Quando criamos um produto, precisamos garantir seu mercado consumidor, criando nas pessoas a necessidade ou o desejo de possuir tal objeto. A ciência do clima se converte na ideologia indutora dessa necessidade e desse desejo, convertendo um problema inexistente ou irrelevante numa causa imperiosa e uma tecnologia desnecessária e desperdiçadora num gênero de primeira necessidade. Os financiamentos cuidadosamente destinados e as publicações minuciosamente selecionadas garantem uma produção científica e tecnológica profundamente solícita aos interesses das empresas, que encontrarão nela o embasamento teórico para legitimar suas práticas. Em contrapartida, a pesquisa climática que não se permitir subordinar a esses interesses será atirada ao ostracismo, pois aquele que se atreve a questionar a inquestionável “lei do efeito estufa” e a necessidade da evolução tecnológica permanente não merece outro destino. A ciência climática se converte, assim, em uma indissociável aliada do capital. Na década de 1980, toda uma cruzada científica foi arquitetada para acusar os gases clorofluorcarbonos (CFCs) de destruidores da camada de ozônio e proceder à sua eliminação, até eles serem finalmente banidos da indústria de refrigeração pelo Protocolo de Montreal e substituídos pelos hidroclorofluorcarbonos (HCFCs), obrigando consumidores no mundo todo a jogarem no lixo seus antigos refrigeradores e aparelhos de arcondicionado e a comprarem outros novos, ecologicamente corretos. Em 1º de janeiro de 2010, todos os 196 países signatários do Protocolo já não produziam CFCs. Contudo, poucos sabem que, já em setembro de 2007, as partes do Protocolo de Montreal decidiram, por meio da decisão XIX/6, antecipar os prazos daeliminação dos HCFCs , os substitutos dos CFCs! Para os países do artigo 2 do Protocolo de Montreal (os países desenvolvidos), a produção de HCFCs deverá ser reduzida em 90% até 2015 e extinta até 2030, enquanto os países do artigo 5 (em desenvolvimento, o que inclui o Brasil), poderão liberar a quantidade que quiser de HCFCs até 2013, mas, a partir de então, precisarão voltar ao patamar médio de 2009/2010. Em 2015 será aplicado um corte de 10% sobre esse patamar médio, e a previsão é que somente um valor residual persista em 2030, em direção à eliminação total da produção até 2040. A justificativa é a de que, embora em menor escala, os HCFCs continuam agredindo a atmosfera, além de serem gases estufa fortíssimos . E lá vamos todos nós nos próximos anos novamente às lojas de eletrodomésticos para trocar nossos refrigeradores e aparelhos de arcondicionado, agora ecologicamente incorretos, por outros fabricados com os substitutos dos substitutos dos CFCs. Se pensarmos bem, 2040 não é uma data tão distante assim, e quem duvida de que até lá terá se aproximado mais uma queda de patente que nos forçará a dali a alguns anos novamente nos dirigirmos às lojas de eletrodomésticos para comprarmos refrigeradores e aparelhos de ar-condicionado fabricados com os substitutos dos substitutos dos substitutos dos CFCs? E assim prosseguem as ciências atmosféricas, fiéis serviçais da taxa de uso decrescente dos eletrodomésticos, sempre prontas a formular hipóteses, a descobrir processos físicos e químicos e a embasar projetos de salvação do capitalismo (ops, do meio ambiente!) baseados no consumo forçado de novos produtos a intervalos cada vez mais curtos. Pouco importa todo o lixo gerado pelo descarte de milhões de geladeiras ainda em perfeitas condições de uso: o importante é que geramos mais lucro para as indústrias químicas, de eletrodomésticos e cientistas (ops, que salvamos a camada de ozônio!). 

Muitos de nossos automóveis movidos a gasolina, combustível fóssil altamente emissor de gases estufa, tiveram que ser substituídos por outros movidos a etanol, com taxas de emissões supostamente muito menores, com a justificativa de auxiliarem no combate ao aquecimento global, sem qualquer relação com os impérios das agroindústrias de milho nos Estados Unidos e de cana no Brasil (cultivo, aliás, completamente verde, apesar das queimadas, dos agrotóxicos, das extensas monoculturas, do esgotamento do solo, do vinhoto e da exclusão social). Como essa medida ainda não basta para extorquir dinheiro público e privado o suficiente, inventou-se a vistoria ambiental veicular, implantada na cidade de São Paulo, que nos obriga a gastar rios de dinheiro com inspeções e regulagem dos motores, para por fim desistirmos e comprarmos um carro novo (que tampouco tem qualquer garantia de aprovação na inspeção) e é legitimada pela hipótese do aquecimento global, pois sabemos que se cada paulistano fizer a sua parte – leia-se permitir-se ser roubado pela prefeitura e colaborar com as automobilísticas em crise comprando um carro novo – poderemos controlar os fluxos de matéria e energia do nosso planeta . 

Para solucionar definitivamente o problema do aquecimento global, teremos de investir em um novo combustível, e a moda agora é o hidrogênio. Sua queima libera apenas água para a atmosfera – que, lembremos, é apenas um mecanismo de realimentação ao invés de um agente de forçamento… – e portanto não contribui para o agravamento do efeito estufa. Porém, vimos na seção 5.1.1 que o IPCC já está preocupado com os efeitos nocivos do hidrogênio para a atmosfera! Nem bem entraram em cena os motores movidos a hidrogênio, que já impulsionam a mudança da base tecnológica da energia e toda a cadeia produtiva daí derivada, e dentro em breve gentilmente nos levará às concessionárias para comprar novos automóveis, já se vislumbra no horizonte uma cruzada internacional contra o substituto dos combustíveis fósseis, por suas amplamente conhecidas e documentadas reações adversas ao clima, para dentro em breve lançar o substituto do substituto (quem será desta vez?) e novamente nos conduzir às concessionárias para adquirir um novo veículo. 

E, quando o consumidor individual já não consegue mais comprar todas as mercadorias compulsoriamente oferecidas, sempre é possível repassar esse papel para o Estado . O Estado que assume o encargo de sanear as empresas converte-se também no principal consumidor, ou melhor, comprador de seus produtos. Somente o Estado pode satisfazer a dupla exigência de fornecer um financiamento inesgotável para possibilitar a autoreprodução ampliada do capital e um buraco sem fundo para abrigar todo o consumo e o desperdício resultante. Sim, o desperdício e a destruição dos ativos produtivos sempre estiveram associados às práticas capitalistas, sobretudo em épocas de grandes dificuldades econômicas, quando a ordem era a destruição do capital superproduzido. A diferença é que agora essa prática é generalizada e se transforma no modelo de normalidade para a vida cotidiana, com o sistema todo orientado para a destruição e desperdício de recursos como um fato absolutamente natural – afinal de contas, é necessário gerar empregos… Devemos destacar também a função do Estado como patrocinador direto, que fornece generosamente os financiamentos necessários para a renovação e o desenvolvimento de instalações, financiamentos que o idealizado espírito empresarial da competição privada não pode mais produzir lucrativamente. É o Estado quem financia a compra de turbinas eólicas, da parafernália para injeção de dióxido de carbono no subsolo e de supercomputadores para modelagem climática, para não mencionar o velho conhecido envolvimento permanente do Estado capitalista moderno na sustentação material do sistema da iniciativa privada através do financiamento e da organização da pesquisa básica e aplicada . Se uma importante porção de recursos públicos é destinada a construir uma torre de monitoramento do ciclo do carbono na Amazônia, à compra de um novo supercomputador para previsão meteorológica e climática ou à instalação de algum centro de estudos de mudanças climáticas, tudo deve acontecer estritamente com o propósito elogiável de “salvar o planeta”. 

Mas, apesar da cínica prática da obsolescência programada e percebida, não é assim tão simples garantir a motivação para o descarte perdulário de bens ainda perfeitamente utilizáveis na escala necessária, dadas as restrições econômicas dos consumidores individuais e por vezes do Estado, mesmo nos países mais ricos, assim como as demandas conflitantes sobre seus recursos. Por isso devem ser encontradas garantias muito mais seguras em escala suficientemente ampla, e de uma forma diretamente institucionalizável, de modo que se possa prosseguir sem obstáculos no incansável impulso do capital para a frente, combinado com sua tendência a reduzir a taxa de utilização. E, se não houver outra maneira mais palatável e ideologicamente segura, as necessidades sociais não serão apenas manipuladas, mas reprimidas com a ajuda de impostos legislação autoritária . E, alertamos, esse futuro sombrio há muito tempo não é mais futuro. 

O relatório State of the World 2010 do Worldwatch Institute, embora se trate de uma crítica ao consumismo, destaca o papel dos governos na mudança dos hábitos de consumo: trata-se da prática denominada “seleção de escolhas” ( choice editing ), que consiste em estimular o consumo de produtos ecologicamente corretos e desestimular o de incorretos, retirando-os de circulação através de uma ” forte legislação, freqüentemente apoiada por interesses de negócios ” ou tornando-os mais caros através de taxação . Aos que acham que a seleção de escolhas parece muito manipulativa, o relatório adverte que ela não é nenhuma novidade: todos os produtos materiais e imateriais consumidos por nós sofrem algum tipo de seleção, seja com objetivos de segurança ou algo menos nobre, como a obsolescência programada ou percebida. A novidade seria, pois, que a seleção de escolhas, ao invés de empurrar-nos para produtos ineficientes e supérfluos, focará agora nos produtos “amigos do meio ambiente” . E aqui reside a questão: se a ascensão de uma cultura de consumo fundamentalmente insustentável foi facilitada pela seleção de escolhas, por que a transição de uma cultura de consumismo para uma de “sustentabilidade” não requereria meios semelhantes? Em 2006, por exemplo, o Sustainable Development Roundtable (SDR), um projeto da Comissão de Desenvolvimento Sustentável e do Conselho Nacional de Consumidores do Reino Unido, lançou uma análise de 19 mudanças promissoras nas sociedades de consumo e concluiu que 

“historicamente, o consumidor verde não foi um ponto de inflexão na condução das inovações verdes. Ao contrário, a seleção de escolhas pela qualidade e sustentabilidade pelos governos e negócios foi o condutor crítico na maioria dos casos. Fabricantes, varejistas e reguladores tomaram decisões para remover os produtos menos sustentáveis em nome dos consumidores, elevando o padrão para todos” . 

O relatório prossegue relatando uma história de sucesso na intervenção de governos e negócios na seleção de escolhas: a eliminação do uso dos CFCs pelo Protocolo de Montreal. James Maxwell e Stanford Weiner, do MIT, notam que “poderosos fatores econômicos, políticos e técnicos se combinaram para facilitar a eliminação dos CFCs”. E se alguém, a esta altura do campeonato, ainda duvida de que essa eliminação não teve qualquer relação com preocupações ambientais, a seguinte citação talvez ajude: “Eles notam que um fator crítico foi o desejo da DuPont de criar uma nova demanda de consumo para seus substitutos do CFC ao mesmo tempo em que estabelecia uma vantagem competitiva sobre seu maior concorrente global, que não possuía tais substitutos”. E prossegue: “A camada de ozônio está mais saudável hoje porque os consumidores mudaram para substitutos mais amigos do ozônio, mas essa mudança se sucedeu amplamente por conta de uma metódica seleção de escolhas que empurrou os consumidores nessa direção” . A “consciência ambiental” do consumidor não é, pois, um mecanismo suficientemente confiável na indução da mudança dos hábitos de consumo; ela só funciona com, digamos, um ligeiro empurrãozinho de governos e empresas igualmente conscientes. 

O relatório afirma que o consumidor ainda desempenha um papel importante na escolha pelos produtos sustentáveis, mas Tim Lang, da Universidade da Cidade de Londres, pergunta-se por que o consumidor deveria ser deixado no corredor do supermercado para se angustiar diante de assuntos complexos como o bem-estar animal, pegadas de carbono, direitos dos trabalhadores e embalagens excessivas, freqüentemente sem quaisquer dados significativos no rótulo para informar sua tomada de decisão. Por que, em outras palavras, os produtores e os governos não modificam suas práticas atuais de seleção de escolhas para que os consumidores escolham apenas dentre uma gama de produtos ecologicamente corretos? Ou, em termos mais claros, por que deixar para o consumidor a tarefa de escolher um produto fabricado com tecnologias baratas, eficientes e de domínio público, quando podemos obrigálo a consumir um produto resultante da inútil troca da base tecnológica, com a única finalidade de enriquecer ainda mais as empresas detentoras das novas patentes, e ainda por cima dando-lhe a ilusão da possibilidade de escolha e do cumprimento de seu dever de cidadão do mundo? Por que correr o risco de permitir ao consumidor exercer um mínimo do mínimo da autonomia que lhe resta, quando podemos escravizá-lo por completo e sem questionamentos? Pois 

“a experiência sugere que quando são disponibilizadas informações sobre o produto, talvez como parte de esquemas de eco-rotulagem, elas influenciam não mais do que uma minoria de compradores – e nem de perto o suficiente, nem rápido o suficiente e nem consistentemente o suficiente para impelir a transformação na vida de consumo exigida por um planeta sob pressão” . 

Pelo menos três fatores limitam a eficiência da eco-rotulagem: o variado grau de comprometimento ambiental da população; a complexidade da estruturação das escolhas dos consumidores, embebidos em um intrincado conjunto de processos e influências culturais e sociais; e a “arquitetura da escolha”, o contexto no qual as pessoas tomam suas decisões. Por isso as informações sobre os benefícios ambientais e econômicos de produtos menos agressivos ao meio ambiente não consegue convencer mais do que uma minoria de compradores. Porém, quando as informações sobre o produto são combinadas a esforços de seleção de escolhas por parte de governos, produtores e varejistas, as práticas dos consumidores mudam em todos os aspectos . Sim, é claro, fica meio difícil fazer uma escolha quando não se tem escolha… Em suma, como apenas uma minoria de pessoas submete seus corpos e mentes aos ditames ecologicamente capitalisticamente corretos de governos e empresas, e o consumo dessa minoria não é suficiente para acionar a reestruturação produtiva do capitalismo, a única saída para obrigar as massas a se submeterem a esses ditames é redundantemente obrigá-las , retirando de cena, sem a menor cerimônia, os produtos capitalisticamente insustentáveis e impor as alternativas capitalisticamente corretas a todos os consumidores por força da lei. A quem se opuser, é claro, sempre restam escolhas, como o pagamento de multas, boicotes, apreensões, suspensões de direitos, julgamentos, prisões. Aquilo que só podia ser sonhado, o imposto do ar , a taxação das emissões de dióxido de carbono, é agora estabelecido por decreto pelo todo-poderoso complexo industrial e financeiro, agindo em total sintonia com o Estado capitalista. Tanto a oferta quanto a procura são cinicamente relativizadas para legitimar uma oferta real mediante uma demanda fictícia 

“Como resultado, a oferta em questão – por mais que seja desperdiçadora, perigosa, indesejada e destrutiva – é violentamente imposta à sociedade por meio de dispositivos jurídicos incontestáveis e se torna a suprema ‘demanda da nação’, real e efetivamente ‘medida por sua própria quantidade’ e protegida pelo Estado servil até mesmo contra as limitações dos critérios capitalistas do ‘custo de produção racional’ (…), às custas de todos os serviços sociais e das necessidades humanas reais” . 

Mészáros argumentará que nem mesmo a taxa de uso decrescente, por si só, é capaz de atender aos imperativos estruturais do sistema, pois o consumo é, em última instância, limitado pelo poder de compra do consumidor. Desse modo, torna-se necessário adotar a forma mais radical de desperdício, adestruição pura e simples de vastas quantidades de riqueza acumulada e recursos elaborados, como a melhor maneira de se livrar do capital superproduzido. O grande instrumento capaz de combinar a máxima expansão possível com a taxa de uso mínima será, afirma Mészáros, o complexo militar-industrial. Ele consegue drenar cifras astronômicas de investimentos, ao mesmo tempo em que produz outras tantas em suas derivações tecnológicas e, o que é melhor, legitimadas pelo dever patriótico inquestionável de salvar a nação de terroristas, guerrilheiros, comunistas e inúmeras outras ameaças mortais. Ao mesmo tempo, ele dissipa o fantasma da restrição do consumo pelas limitações do apetite ou do poder de compra do consumidor comum, obrigando o Estado, nosso buraco sem fundo, à compra de armamentos e tecnologias derivadas. A articulação entre os setores militar e industrial constitui uma simbiose única, cujo objetivo é assegurar a continuidade e a escalada dos recursos necessários para seus projetos altamente lucrativos. Os métodos empregados neste nobre empreendimento dependerão unicamente do grau de resistência oferecida à sua realização . Conforme já dissemos, a quem se opuser, sempre restam escolhas… Dados o destaque e a importância do setor militar para a produção capitalista e a maneira tradicional desse sistema de alcançar seus objetivos, estilo Big Stick , se as intervenções militares ainda não foram empregadas como instrumento de pressão pela adoção das tecnologias sustentáveis, isso certamente se explica muito mais por uma limitação de tempo do que por um eventual escrúpulo do sistema. Será interessante conversar sobre esse assunto novamente daqui a quinze ou dez anos. 

Em resumo, o impulso capitalista para a expansão da produção não está necessariamente ligado (na verdade, não o está de modo algum) à satisfação das necessidades humanas, mas tão-somente ao abstrato imperativo da realização do capital. Da mesma forma, as propostas de desenvolvimento sustentável exibem pouca ou nenhuma preocupação com a satisfação das necessidades humanas. Sabendo-se disso, uma vez que os critérios humanamente significativos de finalidades e objetivos legítimos sejam recusados como um entrave incompatível com o “desenvolvimento sustentável”, estará aberto o caminho para se deslocar muitas das contradições internas do capital, ambos se legitimando mutuamente . A hipótese do aquecimento global cumpre o papel de legitimar a prática da taxa de uso decrescente, revestindo-a com uma aura de cientificidade, neutralidade e obrigatoriedade, se quisermos permanecer vivos e saudáveis. É a perpetuação e agravamento da escravidão física e mental, das tradicionais relações de poder e da exclusão social, travestidas de compromisso com as gerações futuras. 

Em tempo: estas soluções fornecidas, de acordo com Mészáros, não permitem a superação radical das crises capitalistas; elas são meramente “estendidas”, tanto no sentido temporal quanto em sua localização estrutural na ordenação geral. Elas são deslocadas, mas jamais eliminadas . 

15.2 O culto à frugalidade e a produção artificial da escassez

Marx caracterizou a natureza imanente do capitalismo como a “contradição viva”, pois cada tendência principal desse sistema só se faz inteligível se for levada plenamente em conta a contratendência específica à qual aquela está objetivamente ligada. Cada tendência possui sua lógica imanente própria, de acordo com a qual se desdobra através da história e, por isso, circunscreve objetivamente os limites do desenvolvimento do capitalismo global. Tal contradição se dá mesmo quando, no relacionamento entre tendência e contratendência, um dos lados necessariamente predomina, de acordo com as circunstâncias sociais, históricas e espaciais prevalecentes. Como o sistema se caracteriza pela prevalência da lei do desenvolvimento desigual, cada tendência pode se manifestar de maneira muito diversa nas várias partes do mundo, dependendo do nível de desenvolvimento dos capitais nacionais e da posição de domínio ou subordinação no interior da estrutura do capitalismo global. Assim, é possível que um dos lados objetivamente interligados predomine em um país, região ou camada social, afirmando-se como o lado dominante do complexo dialético em foco, através da trajetória global do sistema capitalista, ao passo que o outro lado prevalecerá em um local diferente. Por isso cada tendência pode apresentar grandes variações, ou mesmo inversões completas, entre uma fase e outra da história capitalista global . No nosso caso, paralela à tendência da taxa de uso decrescente e da produção do desperdício, esta preponderante segundo Mészáros, verifica-se também a contratendência do culto à frugalidade e da produção artificial da escassez , que, argumentaremos, é a tendência dominante de nosso tempo. Veremos agora como a ideologia global warmer também trabalha em prol dessa contratendência. 

Retornaremos aqui ao relatório State of the World 2010 do Worldwatch Institute, discutido na seção anterior. Logo no início, ele adverte que o padrão de consumo insustentável do ocidente faz-se presente “num número crescente de culturas de consumo no mundo” e começa hoje a ser disseminado “para milhões de pessoas dos países em desenvolvimento” , numa clara referência à insustentabilidade da extensão dos benefícios da sociedade industrial aos chamados países emergentes. Engraçado como quando o padrão insustentável de consumo típico das nações ocidentais ricas era restrito a elas isso nunca representou um problema para o meio ambiente… É somente quando o consumo de combustíveis fósseis dos 1 bilhão e 300 milhões de chineses, a produção de softwares dos 1 bilhão e 100 milhões de indianos e a safra de grãos dos 200 milhões de brasileiros ameaçam superar suas correspondentes norte-americanas é que emergem as preocupações ambientais… 

O relatório prossegue afirmando que, conforme aumenta a renda familiar, as pessoas gastam mais em bens de consumo, como alimentos mais processados, casas maiores, televisores, automóveis, computadores e viagens aéreas. Com o aumento do consumo, aumentam também a prospecção de petróleo, a mineração, o corte de árvores e o cultivo de terras. A exploração desses recursos para manter níveis crescentes de consumo impõe uma igualmente crescente pressão sobre os sistemas terrestres, perturbando dramaticamente os sistemas ecológicos de que a humanidade e incontáveis espécies dependem . Assim sendo, “evitar o colapso da civilização humana requer nada menos do que uma completa transformação dos padrões culturais dominantes”, de uma cultura de consumismo para uma de sustentabilidade, que provoque danos mínimos ao meio ambiente . 

O relatório não é suficientemente insano de se esquecer do detalhe de que são as populações de países ricos que mais consomem os recursos naturais; no entanto, é interessante notar que citam como exemplo de impactos relacionados a um padrão de vida crescente a população indiana. Em níveis de renda de $2.500 per capita por ano em paridade de poder de compra (PPC), muitas famílias têm acesso à iluminação básica e um ventilador. Quando a renda se eleva para $5.000, cresce o acesso a água quente e o consumo de televisores torna-se padrão. Em rendas de $8.000, a maioria das pessoas dispõe de uma gama de bens de consumo, como máquinas de lavar, aparelhos de DVD, utensílios de cozinha e computadores. Conforme a renda sobe ainda mais, tornam-se comuns o uso de ar-condicionado e viagens aéreas. Os 1% mais ricos da Índia, cerca de 10 milhões de pessoas, com renda superior a $24.500 por ano, são responsáveis pela emissão de mais de 5 toneladas anuais de dióxido de carbono, o que, embora seja apenas 20% das emissões per capitanorte-americanas, ainda corresponde ao dobro do alegado limite de emissões necessárias para limitar o alegado aumento da temperatura da Terra em 2º C. Até mesmo os 151 milhões de indianos com renda acima de $6.500 vivem acima desse limite de emissões, ao passo que os 156 milhões com renda de $5.000 estão se aproximando desse limite, com 2,2 toneladas por pessoa. Conclui-se daí que mesmo em níveis de renda considerados medianos ou desubsistência , as pessoas já consomem em níveis insustentáveis; e hoje mais de um terço da população global vive acima do limite . 

“Desse modo, torna-se claro que enquanto a mudança tecnológica e a estabilização populacional serão essenciais na criação de sociedades sustentáveis, ambos não serão bemsucedidos sem mudanças consideráveis nos padrões de consumo, inclusive a redução e mesmo a eliminaçãodo uso de certos bens, como carros e aviões , que se tornaram parte integrante da vida para muitos hoje. Hábitos firmemente estabelecidos – de onde as pessoas moram ao que elas comem – necessitarão todos ser alterados e em muitos casos simplificados ou minimizados” . 

O crescimento econômico ilimitado não só é impossível como é até indesejável, pois ele não guarda relação direta com o nosso bem-estar (e podemos dizer que, além de certo ponto, a relação se torna inversa). O economista Kenneth Boulding sugere que o produto nacional bruto seja considerado uma medida de custo nacional bruto e que as pessoas devotem suas vidas à sua minimização. “O que é realmente necessário é proporcionar vidas satisfatórias com menos atividade econômica, matérias-primas, energia e trabalho necessários”. Evidências empíricas sugerem que um retorno da população norte-americana aos níveis de consumo per capita da década de 1970 não deixariam as pessoas em pior situação; ao contrário, elas viveriam melhor, pois disporiam de mais tempo e recursos para investir em bens públicos de não-consumo produzidos pelo capital natural e social . 

As discussões sobre a sustentabilidade ambiental raramente abordam o uso do tempo . Estudos demonstram que quanto maior o tempo devotado ao trabalho, maior é o impacto ambiental de uma sociedade; do mesmo modo, quando se diminuem as horas de trabalho, a pegada ecológica fica menor. Isso acontece por vários motivos: primeiro, longas jornadas de trabalho são canalizadas para mais produção e mais consumo, redundando em maior degradação ambiental; segundo, gasta-se muita energia no transporte de casa para o trabalho e vice-versa; terceiro, as pessoas que trabalham muito tendem a praticar estilos de vida mais intensivos em recursos – suas viagens são mais “carbônicas”, suas refeições fora de casa são mais rotineiras, suas casas são maiores e gastam mais energia, e sua restrição de tempo limita a prática de atividades de baixo impacto e que demandam gasto de tempo, como a jardinagem e projetos do tipo faça-você-mesmo. Longas jornadas de trabalho são estressantes, minam o funcionamento da família e os contatos sociais e provocam doenças emocionais. Quem trabalha demais tem maior propensão à depressão e ao estresse e cuida menos de si mesmo; dorme menos, o que desgasta a saúde; e não consegue se engajar em outras atividades que melhorariam seu bem-estar. Finalmente, a renda adicional proporcionada pelo sobretrabalho não gera tantos benefícios quanto se acredita. Se é verdade que mais renda produz um grandioso impacto positivo sobre famílias pobres, o mesmo não se pode dizer de uma família de classe média, que experimentará benefícios limitados em comparação com o nível de aumento da renda. Concluímos então que sociedades mais aceleradas tendem a apresentar pegadas ecológicas maiores e terríveis impactos ao bem-estar individual e social. A transição para uma cultura e uma economia sustentáveis envolverá, pois, uma adaptação a novos horários e ritmos temporais. A cultura de longas horas de trabalho e ocupações excessivas deverá ser substituída por padrões mais sustentáveis de uso do tempo. Enquanto haverá ajustes de custos, um ritmo de vida mais lento e humano trará benefícios à família, à comunidade e ao bem-estar individual. Uma pesquisa do Center for a New American Dream , datada de 2004, apontou que 85% das pessoas que optaram por um downgrade no estilo de vida estavam felizes com a mudança, mesmo reduzindo sua renda. Se os desafios à redução do tempo de trabalho forem enfrentados, o resultado será um ritmo de vida mais lento e saudável que é bom para as pessoas e para o planeta. A redução das horas trabalhadas ou a adoção de uma semana útil de quatro dias resulta em redução dos custos de energia e… da emissão de gases estufa! Sim, sabemos que muitos trabalhadores, diante de uma crise econômica, certamente se ajustam às rendas mais baixas e a um final de semana mais longo – aqueles que não o fazem por gosto o fazem por não vislumbrarem alternativas . 

Concordamos com Bernardo quando este diz que a ecologia constitui “um projeto global e ideologicamente articulado de remodelação das condições gerais de produção e de reestruturação interna do capitalismo em novos mecanismos de funcionamento econômico e social” . O objetivo da ideologia global warmer consiste, pois, em descobrir uma maneira de superar uma crise de produtividade, contudo mantendo-se no quadro das relações sociais básicas que definem o capitalismo. É por esse motivo que não coloca os verdadeiros problemas de fundo e absolutiza a crise da produtividade, pretendendo encontrar sua origem nas relações desarmônicas entre o sistema econômico e a natureza. A ideologia global warmer , desse modo, veio conceder nova vida ao mito do esgotamento da natureza . 

O fundamento do mito do esgotamento da natureza reside no modelo dos rendimentos decrescentes . Este modelo é caracterizado por uma relação em que um dos elementos se desenvolve permanentemente, enquanto o outro permanece fixo. Assim, os rendimentos obtidos pelo elemento em desenvolvimento serão progressivamente decrescentes, até que o elemento fixo dará a palavra final, impondo o fim do crescimento. As vicissitudes desse modelo na história da teoria econômica são numerosas e expressivas; Bernardo cita o clássico exemplo da teoria populacional de Thomas Malthus, que se mostrou falsa pelos significativos avanços nas técnicas de cultivo. O autor salienta então que o modelo dos rendimentos decrescentes tem servido sobretudo para justificar os critérios capitalistas de produção. Para época nenhuma o modelo dos rendimentos decrescentes pode ter validade, a não ser em análises de curto prazo. Efetivamente, num lapso de tempo demasiadamente curto para a introdução de inovações tecnológicas no processo de fabrico, esse processo constitui um elemento fixo. Mas as pressões da procura que incidem sobre ele levam a reorganizações que, em longo prazo, forçam o desenvolvimento dos elementos do sistema econômico. O modelo dos rendimentos decrescentes, enfim, concebe a atividade econômica somente enquanto dispêndio de produtos e forças produtivas da natureza, sem se dar conta de que por esse mesmo processo são criadas novas capacidades produtivas . 

Em primeiro lugar, esse mito aponta o caráter não-renovável de determinados recursos minerais, sublinhando que seu ciclo de renovação se processa numa escala temporal muitíssimo superior ao das sociedades humanas . Em segundo lugar, Bernardo chama a atenção para o conhecido fato de que as sucessivas previsões apocalípticas dos ambientalistas virem se revelando falsas ou exageradas. O conhecimento de que dispomos sobre as reservas de recursos naturais decorre de pesquisas efetuadas e é impossível defini-las de antemão; no momento em que uma certa matéria-prima começa a escassear, tornando mais difícil e dispendiosa a sua obtenção, seu preço se eleva, e por menor que seja essa elevação ela já será um estímulo para a realização de novas pesquisas, com a conseqüente descoberta de novas jazidas. Por outro lado, a evolução tecnológica nos traz novos processos que substituem os antigos, aumentando a produtividade das matérias-primas ou dando ensejo a que outras até então consideradas sem serventia entrem na categoria dos recursos importantes, ou mesmo criando substitutos artificiais dos recursos naturais, com a conseqüente multiplicação da produtividade natural. Tais equilíbrios são possibilitados pelo próprio mecanismo capitalista de preços e custos, invalidando grande parte das estimativas dos ambientalistas, até mesmo suas previsões em curto prazo. Em seus modelos as inovações tecnológicas não são inseridas enquanto variável . “Torna-se assim um exercício infantil provar que dentro de cem anos, ou cinqüenta, ou vinte, ou mesmo amanhã, os recursos se esgotarão, a poluição envenenará o planeta e esta versão modernizada do juízo final punirá enfim o homem por ter querido dominar as estrelas” . Mas seria igualmente fácil escolher ao acaso algum momento da história da humanidade e demonstrar que as poluições de então e o esgotamento dos recursos conduziriam rapidamente à catástrofe, caso não tivessem sido introduzidas inovações tecnológicas. Elas surgem justamente por conta da pressão provocada pela ruptura de equilíbrio, estabelecendo um novo equilíbrio até que, no momento de uma nova ruptura e outras inovações, outro equilíbrio se defina, e assim sucessivamente. “As profecias ecológicas relativas à taxa de poluição e ao ritmo de esgotamento dos recursos são, por isso, exercícios de pouco interesse, que revelam tanta maestria na preparação de programas para computador como superficialidade na análise dos sistemas econômicos” . 

Este modelo ressurge hoje como expressão de uma reação imediata da ala ambientalista perante a queda na taxa de produtividade. É preciso não só produzir de maneira diferente, mas sobretudo produzir menos. Ou, mais precisamente, a necessidade imediata de produzir menos determinará a maneira futura de reorganizar a produção . 

E por que produzir menos e trabalhar menos? Talvez a seguinte citação responda: 

“Em conseqüência do colapso financeiro de 2008, a redução das horas de trabalho se espalhou pelos setores privados, públicos e sem fins lucrativos. Os empregadores tentaram evitar lay-offs instituindo amplas reduções nos horários, licenças e outras medidas de redução do trabalho. Esta ética de compartilhamento de trabalho não era amplamente vista nos Estados Unidos desde a década de 1930. Desde que a recessão começou, as horas semanais de trabalho caíram em quase uma hora” . 

Durante a extraordinária fase de crescimento da produção consecutiva à reorganização do capitalismo ocidental no pós-guerra, o número dos chamados trabalhadores não-produtivos (administradores, cientistas, burocratas e outros não diretamente envolvidos na fabricação de produtos) alcançou enormes proporções nos países industrializados. Todavia, essa situação idílica não perduraria por muito tempo. Dada a profundidade da crise atual, com a queda nos investimentos e a forte diminuição na utilização da capacidade produtiva instalada, o desemprego crônico e em massa, conforme já vimos, deixou de ser um privilégio dos operários e alastrou-se também entre os trabalhadores qualificados e altamente qualificados. Pela primeira vez na história do capitalismo a classe dos trabalhadores qualificados e grupos sociais afins é atingida por um desemprego de dimensões internacionalmente preocupantes. “Sobretudo, são jovens saídos do ensino superior que não encontram vagas nas profissões gestoriais para que se haviam preparado, e numerosos são portanto aqueles que, no ensino médio ou nas universidades, prosseguem os estudos sabendo de antemão que o desemprego os espera no final”. Esses pré-gestores formados e educados para o exercício de funções outrora bem determinadas, mas que caem no desemprego antes mesmo de terem qualquer oportunidade de contato direto com a profissão escolhida, limitam-se a encarar o sistema econômico enquanto consumidores. Porém, porque desempregados, são em essência consumidores frustrados . Este conjunto de características dá a essa camada social tão singular funções polivalentes e faz dela o principal elemento aglutinador de classes e grupos sociais distintos, sendo o movimento ambientalista seu novo campo de união . 

Em sendo consumidores , suas reivindicações não vão muito além das reivindicações típicas de consumidores, como a conservação da limpeza das praias para seu bom usufruto nos finais de semana. Mas, em sendo consumidores frustrados , projetam sua situação não como um estado de desfavorecimento social que se deve melhorar ou ultrapassar, e sim como um modelo a ser expandido à generalidade da população. Seja pela sua classe de origem, pela educação recebida, pelo meio em que vivem ou pelas relações sociais estabelecidas, estes elementos concebem-se como parte integrante da classe dominante, recusando-se a partilhar com os excluídos uma mesma mentalidade, mesma luta e mesma visão de mundo. Justamente por se considerarem uma elite, esta classe pretende estabelecer como padrão e norma social a sua atual situação de consumidores frustrados. Tal situação não é encarada por eles como um fator de revolta que os leve a combater o sistema capitalista, lutando contra sua posição desfavorecida no sistema. Ao contrário, eles projetam ideologicamente sua situação de miséria, enaltecendo-a e apresentando-a como o ideal de modo de vida das verdadeiras elites . Ao enaltecerem a situação que ocupam no sistema econômico atual, esses elementos contribuem para sua preservação e reprodução. Apresentam-se dentro do capitalismo com a roupagem de uma nova elite, e sua frustração de consumo transforma-se em apologia da redução de consumo . É por isso que tentam incutir nos movimentos reivindicativos dos consumidores um novo sentido, transformando as pressões sobre a qualidade e o tipo de produtos em propaganda da restrição ao consumo particular, para que a sua redução do nível de vida deixe de ser percebida por eles como uma situação de crise e se estabeleça e seja aceita como situação definitiva . 

“São estes elementos os principais propagandistas da ecologia no que ela tem de mais aberta e ferozmente restritiva do nível de vida estabelecido. Pela situação de consumidores frustrados, são estes os autores e divulgadores dos mais grosseiros mitos contemporâneos, idealizações utópicas das terríveis condições de vida nos modos de exploração arcaicos. Apologistas da situação retardatária e de dependência em que se vive – e sobretudo se morre – nos países exportadores de matérias-primas, pretendem não só mantê-la, mas alargá-la ao proletariado dos países industrializados. A ideologia ecológica chega, com esses elementos, ao seu extremo mais declaradamente imperialista e retrógrado” . 

O fato é que nos defrontamos aqui com uma contradição interna desse sistema de produção e controle: ele não pode evitar o aumento das expectativas, mas jamais consegue satisfazê-las. “E é justamente nesses momentos de colapso que soluções quixotescas e substitutivos são propostos com tanta paixão ‘humanitária'” . Antes dos momentos de crise, ninguém em sã consciência ousaria questionar a sábia superioridade da “eficiência de custos”, do “espírito empresarial”, da “eficiência tecnológica”, das “razões econômicas” e assim por diante. Contudo, basta se tornar clara a impossibilidade da satisfação das expectativas proporcionadas pelo capitalismo, do fornecimento de bens e confortos que ele antes apregoava ruidosamente – enfim, basta ruir a sua auto-intitulada superioridade sobre todos os modos alternativos possíveis de produção e de controle social – que seus apologistas deslocam imediatamente o discurso do louvor às virtudes do consumismo para o louvor à renúncia e à simplicidade , impassíveis não somente quanto à brusca mudança de rumos e à grave incoerência cometida, mas também em relação ao idealismo retórico das “soluções” propostas . Se esses consumidores frustrados deixam o carro em casa uma vez por semana ou dão carona para um colega de trabalho, não pretendem com isso economizar no combustível; se fazem xixi durante o banho ou se fecham a torneira enquanto escovam os dentes, não pretendem com isso reduzir a conta de água; se reduzem o tempo gasto no chuveiro ou apagam as luzes de cômodos desocupados, não pretendem com isso economizar na conta de luz; se reciclam ou inventam novos usos para toda sorte de material antes considerado lixo, não pretendem com isso economizar no supermercado; enfim, se eliminam os esbanjamentos e se sujeitam a alguns desconfortos, não é porque reconhecem sua situação de decadência e a necessidade de cortar gastos supérfluos e não-supérfluos: fazem isso em virtude da nobreza de seu caráter, de seu altruísmo, pois reconhecem – diferentemente dos seus invejados esbanjadores, que podem consumir à exaustão – a imperiosa necessidade de salvar o planeta da ameaça galopante do aquecimento global. 

Em toda a literatura ambientalista, esta é a condição básica que fundamenta explicitamente a reorganização das condições gerais da produção: a necessidade de uma forte redução e, então, a estagnação do consumo particular. É nesse sentido, em maior ou menor grau, que apontam todas as ideologias ecológicas, da mais séria à mais trapaceira. Para os seus apologistas abriu-se uma nova época econômica, em que o consumo se sacrificaria sistematicamente às necessidades das condições gerais de produção. É neste aspecto que a hipótese do aquecimento global mostra decisivamente a função social que ocupa. Esta corrente aceita como óbvia, irrecusável e imperiosa a contradição entre as condições gerais de produção e o consumo, o que não se trata de uma entidade natural, mas é o resultado das contradições deste sistema econômico. É uma contradição porque os proletários, os verdadeiros produtores dos bens, estão radicalmente apartados da gestão do processo produtivo e da propriedade dos meios de produção. Por isso o interesse da produção desses bens aparece completamente desligado da função última do consumo. O objetivo do capitalista não é fabricar bens de consumo úteis para seus consumidores, nem bens de capital, mas sim apropriar-se da mais-valia produzida pelo proletário, e para tanto pouco lhe importa o caráter material do produto ou seu destino final. Neste tipo de sociedade, os meios de produção e o consumo podem tranqüilamente aparecer como alternativas que excluem uma à outra. Ao aceitarem tal antagonismo como ponto de partida, os global warmers inserem-se plenamente no modo capitalista de produção. E, dentre as alternativas postas, não optam pelo lado do consumo , por um consumo mais de acordo com as necessidades e desejos do público (o que anuncia sua estratégia repressiva perante o proletariado), e sim optam pela restrição e reestruturação da produção , o que implica de imediato o agravamento das condições de exploração. No projeto global warmer da sociedade futura, o caráter alienado da exploração capitalista ressalta assim com a maior evidência: é o momento em que o sistema confessa explicitamente, pela boca dos ideólogos que se pretendem seus profetas, que seu objetivo não é sustentar a humanidade, mas sustentar a si próprio, em detrimento dos homens – ou melhor, de certos homens. É o momento em que o capitalismo reconhece que existe unicamente para si próprio. Esta é a mensagem dos global warmers 

Acompanhando a tendência de todos os ideólogos das classes exploradoras, os global warmers são utópicos nas suas profecias, mas são profundamente realistas nas suas propostas práticas imediatas, que partem do atual declínio das taxas de produtividade e de lucro: reorganização dos investimentos, orientados para a renovação das condições gerais da produção, travagem do progresso técnico aplicado dos bens de consumo e, para preparar uma baixa permanente dos salários, a insistência no cultivo de hábitos frugais, ou seja, a diminuição do padrão de vida socialmente admitido como médio. Estas são as duas facetas indissolúveis das ideologias ambientais: a expansão da produtividade nas condições gerais da produção e restrições ao consumo. Todo o restante não passa de derivações desses aspectos centrais. Esta é a manobra ideológica do Worldwatch Institute e de tantas outras correntes ambientalistas. O ritmo econômico estagnante, as fontes de energia pelas quais têm amor ou ódio, as concepções artísticas e urbanísticas profundamente retrógradas, tudo isso decorre de sua orientação restritiva ao consumo. Enquanto é mantido no plano ideológico, o ritmo de estagnação expresso na proposta do “crescimento zero” não passa de uma utopia. Em sendo um modo de produção de mais-valia, o capitalismo só pode existir em expansão permanente; as crises constituem momentos de ruptura para que o sistema possa se reorganizar e entrar em uma nova fase de reprodução ampliada. Mas enquanto concepção da relação entre as condições gerais da produção e do consumo, o crescimento zero constitui de fato um eloqüente programa. Ele consiste em conservar o consumo particular numa posição regressiva, de forma a aumentar assim a mais-valia extorquida e a taxa de lucro, dessa forma acumulando os novos capitais necessários para a grande reorganização das condições gerais da produção . 

Para compreendermos o modo como o programa ambientalista se refletirá nas contradições sociais do capitalismo, precisamos decompor o crescimento nos seus componentes essenciais, pois somente assim poderemos determinar quem lucra com ele e quem arca com seus custos. O equilíbrio estagnante proposto pelo crescimento zero requer uma redução muito considerável no nível médio de vida, que compense a concentração dos investimentos nas condições de produção e a acumulação de capitais a elas destinada. O crescimento zero é o modelo da mais-valia absoluta, em que, dentro de limites constantes, é crescente a mais-valia apropriada pelo capitalista e decrescente o salário do proletário, mas não é só isso. O crescimento zero implica também na manutenção das grandes diferenças existentes entre os níveis de vida dos países industrializados e dos países produtores de matérias-primas, conservando vastas áreas do globo na sua tradicional situação de dependência tecnológica e econômica. O programa global warmer se mostra assim como a mais extremada manifestação contemporânea do imperialismo. O baixíssimo nível de vida dos países e regiões exportadores de matérias-primas é apresentado como um modelo a ser imposto ao proletariado dos países e regiões industrializados do globo. A elite dos gestores que encabeça as políticas ambientais tece o elogio dos modos de exploração pré-capitalistas, pretendendo reproduzir seus hábitos de vida e seu nível de consumo. “Supremo cinismo, só igualado pelos capitalistas de outrora, quando o escravo era apontado ao proletário como exemplo de obediência, padrão do consumo, modelo de virtudes” . Eis o verdadeiro sentido do programa ambientalista. 

As fontes alternativas de energia constituem um ilustrativo exemplo da insustentabilidade do programa global warmer . Uma das últimas cenas do documentário The great global warming swindle se passa num pronto-socorro em Nairóbi, cuja eletricidade é garantida por dois painéis solares. Tal energia é suficiente para manter ligada a geladeira (onde se guardam sangue e vacinas) ou a iluminação; se os dois forem ligados ao mesmo tempo, o sistema colapsa. As tão idolatradas energias renováveis são sabidamente caras e ineficientes, e ainda assim são as meninas dos olhos dos global warmers . Sim, são caras e ineficientes, mas não emitem gases estufa, é isso o que importa. Podemos falar também da energia de biomassa – um saco de gatos que inclui o etanol, bagaço de cana, palha de arroz e lenha (pasmem, lenha é considerado um combustível do futuro…). 

Os global warmers gostam de citar como exemplo de sucesso no emprego de energias renováveis a Dinamarca, líder mundial em energia eólica, responsável por 19% de sua matriz energética . Esquecem-se apenas de sublinhar que são 19% e que é a Dinamarca. É muito fácil apontar os países escandinavos como exemplo de que o impossível é possível. Que tal substituirmos por energia eólica apenas 19% do consumo da China, dos Estados Unidos, do Japão ou até mesmo do Brasil, lembrando que, no nosso caso, esta é exatamente a fração de responsabilidade de uma mísera Itaipu? Não estamos aqui adotando uma postura malthusiana de acreditar que nunca encontraremos alternativas aos combustíveis fósseis, mas essas alternativas, ao contrário do apregoado pelos global warmers , não estão disponíveis para agora ou mesmo para os próximos 50 anos. 

Não precisamos sequer recorrer às críticas dos céticos; são os próprios ambientalistas que reconhecem que as fontes “alternativas” não são alternativas: “Enquanto o desenvolvimento de fontes de energia renováveis é prioridade, nenhuma alternativa energética atualmente disponível consegue manter as taxas de crescimento econômico global intensivas em recursos de hoje” . Uma análise recente concluiu que para produzir energia suficiente nos próximos 25 anos para substituir a maior parte do que é suprido pelos combustíveis fósseis, o mundo precisaria construir 200m 2 de painéis solares fotovoltaicos por segundo, mais 100m 2 de painéis solares térmicos por segundo, mais 24 turbinas eólicas de 3MW por hora! . E não nos esqueçamos de que a construção de toda essa parafernália custaria recursos materiais, energéticos, financeiros e humanos em cifras astronômicas, contrariando a própria lógica do “desenvolvimento sustentável”. 

Se as fontes alternativas de energia claramente não são uma alternativa, então por que tanta propaganda de suas falsas virtudes? Uma primeira idéia do real motivo do amor dos ambientalistas por essas energias pode estar na seguinte citação: 

“Seria um tanto desastroso para nós descobrir uma fonte de energia limpa, barata e abundante por causa do que nós faríamos com ela. Devemos procurar por fontes de energia adequadas às nossas necessidades, mas que não nos dêem os excessos de energia concentrada com os quais podemos causar danos à Terra ou aos outros”.

Ou esta pérola de Paul Ehrlich: “Dar à sociedade energia barata e abundante seria o equivalente a dar uma arma a uma criança idiota” . O verdadeiro problema da energia para os ambientalistas não parece ser simplesmente a poluição gerada pelas fontes de energia tradicionais. Ao que parece, a queixa também está relacionada ao fato de que os combustíveis fósseis, a hidreletricidade e a energia nuclear cumprem a tarefa para a qual são designados: fornecer energia abundante e confiável. Para os global warmers , o mundo em desenvolvimento deve investir majoritariamente em energia solar e eólica e esquecer a hidreletricidade, a energia nuclear e os combustíveis fósseis, o que equivale a privar seus cidadãos de energia abundante e confiável. É condenar bilhões de pessoas à pobreza e à miséria. E tudo isso por nenhuma razão válida, apenas para promover suas ideologias, cuja indiferença a essa pobreza abjeta e à morte prematura provam seu desserviço prestado . 

Mas não é só isso. As empresas dos países ricos precisam vender suas maravilhosas tecnologias de ponta. É por isso que tanto se fala em “parcerias de auxílio ao desenvolvimento sustentável” e em “transferência tecnológica”: consistem simplesmente em empurrar para os países pobres as tecnologias caras e ineficientes por elas desenvolvidas, formando assim mais um elo da forte corrente que mantém atada à prosperidade das nações centrais a agonia e a escravidão perpétuas das nações periféricas. 

Para além do consumismo e da obsolescência programada, somos subitamente expostos a teorias que defendem a execução de cortes artificiais no fornecimento de energia e a produção artificial de escassez material como antídoto material e ideológico contra a ascensão econômica dos países emergentes, o combate à pobreza e à impossibilidade de ser feliz nesta cultura. Malthus já preconizava a escassez global de recursos e o colapso da humanidade caso uma população crescente tentasse alcançar padrões de vida crescentes; a pobreza material é agora elevada à categoria de virtude e deve ser cultivada e apreciada, pois uma vida simples está mais de acordo com o equilíbrio ambiental do planeta. Você não agüenta mais enfrentar exaustivos congestionamentos diários nos trajetos de ida e volta para o trabalho? Experimente ir de bicicleta ou mesmo a pé; além de prestar sua inestimável contribuição contra o aquecimento global e pela melhoria do trânsito caótico de nossas cidades, essa atitude ainda ajuda você a controlar o ponteiro da balança. Sua renda não lhe permite se alimentar de carne regularmente? Tanto melhor, já que a redução do consumo de carne bovina reduz as emissões de metano para a atmosfera, e esse gás é muito mais poderoso do que o dióxido de carbono para o aquecimento global. De quebra, você desestimula a conversão de alguns hectares da floresta amazônica em pastagens. Seus filhos precisam caminhar dez quilômetros todos os dias para ir à escola? Pois se orgulhe de ter filhos tão conscientes de seu papel de guardiões do clima do planeta e do futuro da humanidade, diferente de seus correspondentes norte-americanos, que terminantemente se recusam a imitá-los. Seus jantares são iluminados a luz de velas? Pois além de contribuir com a redução do consumo de energia elétrica e da demanda pelo alagamento de vastas áreas de florestas virgens, você é um dos poucos felizardos desse mundo que consegue (literalmente) manter acesa a chama do romantismo após tantos anos de casamento. Você não possui uma televisão para assistir ao telejornal e à novela após o jantar? Quem dera houvesse muitos outros como você, que dispõe de bastante tempo para brincar de teatro de sombras com seus filhos, distantes de toda a alienação trazida pelos programas de TV. Sem contar que dormir cedo faz maravilhas pela sua saúde. Você trabalhou duro o ano todo e ainda assim não conseguiu comprar aquele mísero ventilador para aplacar seus dias e noites quentes de verão? Anime-se, pois uma vida simples não só está mais de acordo com o equilíbrio ambiental do planeta, como permite a você desfrutar de sensações mais naturais. Você lava suas roupas no rio, cantando cantigas com suas primas e vizinhas? Pois reconheça-se como parte do preciosíssimo patrimônio folclórico do país, tão ameaçado de desaparecer engolido pela cultura de massa. Você precisa tomar banho no rio? Nós da cidade morremos de inveja, pois nosso rio é absolutamente podre. Você cozinha no fogão a lenha? Ah, como a comida é muito mais saborosa quando preparada no fogão a lenha! Ademais, biomassa é um combustível sustentável e reduz a gravidade do aquecimento global. Você precisa plantar seus próprios alimentos? É bom saber que ainda existem pessoas que vivem em harmonia com os ciclos naturais e sabem do esforço despendido para levar uma única cenoura à mesa do consumidor urbano, que ignora a origem de seus alimentos. Você nunca na vida usou dinheiro? Está vendo só como ainda é possível viver uma vida menos materialista e mais espiritualizada?! Você faz sacrifícios homéricos para trazer o pão de cada dia para a mesa? Pois então você sabe dar valor às suas conquistas e deve se lembrar sempre que os últimos serão os primeiros. Por onde quer que andemos hoje, somos bombardeados por comandos de uma vida simples, de redução do desperdício e de enaltecimento de uma vida de frugalidade e renúncia . O que há poucas décadas seria considerado mais que um delírio do sistema, hoje é enfaticamente recomendado! E todo esse sacrifício na realidade não significa um mal: corresponde ao cumprimento de seu dever de cidadão do mundo, de salvar o planeta! 

Através dessa imperceptível artimanha, o sistema capitalista não apenas evita o desafio de enfrentar os fundamentos causais das expectativas frustradas, mas ao mesmo tempo essa própria evasiva passa a ser muito convenientemente justificada, ou melhor, racionalizada . Ao invés de decretar a absoluta falta de perspectiva do término de sua crise, assumindo assim sua falência, o capitalismo foge ao problema desviando nossas atenções para um problema alegadamente maior, o caos ambiental planetário, e condena toda a humanidade a uma produção artificial de escassez imprescindível para sua reestruturação. Outrora, a dominação era exercida pelo reino do consumo. Hoje, diante do mais absoluto descaso com a solução dos reais problemas humanos (e também dos imaginários!), somos compelidos a acatar a ascensão da dominação legitimada pela virtuosa escassez . A mensagem é: conforme-se com sua vida de pobreza e de decadência, pois não é do escopo deste sistema satisfazer às suas necessidades e desejos. O único escopo deste sistema é escravizar seus súditos, forçando-os a pagar a conta de sua recuperação: 

“Da mesma forma, as pessoas deveriam esquecer tudo sobre as cifras astronômicas despendidas em armamentos [e auxílio a bancos falidos!] e aceitar cortes consideráveis em seu padrão de vida, de modo a viabilizar os custos da ‘recuperação do meio ambiente’: isto é, em palavras simples, os custos necessários à manutenção do atual sistema de expansão da produção de supérfluos. Para não mencionar a vantagem adicional que constitui o fato de se compelir a população em geral a custear, sob o pretexto da ‘sobrevivência da espécie humana’, a sobrevivência de um sistema socioeconômico que se defronta agora com deficiências derivadas da crescente competição internacional e de uma mudança crescente na sua própria estrutura de produção, em favor dos setores parasitários” . 

Quando se propõe a adição de um “imposto climático” às tecnologias movidas a combustíveis fósseis, o objetivo não é desestimular o consumo dessa fonte de energia – ou por acaso as pessoas deixam de andar de ônibus ou de carro quando sobe o preço da gasolina? Nossa sociedade é movida a combustíveis fósseis e permanecerá nesta estrada ainda por muitas décadas; é inevitável consumi-los em grande escala, não importa quantos impostos sejam criados em nome da salvação do planeta. O objetivo é simplesmente cultivar o saudável e nada frugal hábito de criar novos impostos, sempre com o mesmo objetivo: o equilíbrio das contas públicas de um Estado que gasta muito e mal. 

“Pode-se assim observar a hipocrisia desavergonhada com que o governo britânico tentou justificar, em 1994, o imposto de valor agregado de 17,5% sobre o consumo interno de combustíveis – castigando principalmente os pobres e os aposentados de baixa renda – com a desculpa de preocupar-se com o meio ambiente, referindo-se à Conferência do Rio. Na verdade esta medida altamente impopular – que cinicamente transformou no seu contrário a solene promessa eleitoral dos conservadores de reduzir impostos – foi imposta para tentar reduzir um déficit orçamentário anual de £50 bilhões, sem qualquer expectativa de que o aumento da carga tributária viesse a forçar uma redução do consumo de energia e as conseqüências negativas de se continuar a produzir energia com os mesmos métodos altamente poluidores” . 

Em setembro de 2009, o governo francês também anunciou a criação de uma taxa de €17,00 sobre a tonelada métrica de dióxido de carbono emitido no consumo de combustíveis fósseis. Isso, claro, com o nobre desejo de salvar o planeta do aquecimento global. A taxa carbono representava o carro-chefe da política ambiental do presidente Nicolas Sarkozy, mas não duraria muito. O primeiro-ministro francês, François Fillon, anunciou o fim do imposto climático já em 23 de março de 2010, alegando que ele deveria ser aplicado em nível europeu e “não pesar na competitividade” das empresas francesas. “É preciso dar prioridade ao crescimento, ao emprego, à competitividade, à luta contra os déficits”, afirmou o primeiroministro, numa memorável demonstração de quanto a preocupação com o futuro do meio ambiente deve estar acima de meras contingências econômicas presentes . Interessante notar que Sarkozy definiu a taxa carbono como uma “primeira etapa de uma nova revolução industrial”, revelando a verdadeira intenção subjacente aos acordos climáticos: a transição da matriz energética, o desenvolvimento de novas tecnologias, a necessidade de reestruturação de um capitalismo em crise. 

O culto à frugalidade, ao contrário do que pregam os ambientalistas, não é um movimento de protesto contra a insustentabilidade do sistema capitalista; é antes o atendimento a seus imperativos de reestruturação. Não é através da crítica ao consumo que se pode pôr em xeque a sociedade de consumo. No capitalismo o consumidor não faz parte do processo produtivo e não pode influenciá-lo decisivamente; a única função da produção e venda de produtos é a realização do lucro, não obedecendo a qualquer critério de utilidade social, e sua comercialização oculta, por detrás da aparência de mercadoria, as verdadeiras relações sociais que lhe embasam. Sendo assim, só se poderá eliminar o consumo de tipo capitalista quando se aniquilar o regime econômico assentado sobre a extração de mais-valia e quando os critérios determinantes da produção forem as necessidades sociais da humanidade. A alienação do consumo não é decorrente da quantidade de bens consumidos, pois o problema não é o que se consome, e sim como se produz. Acreditar na possibilidade de eliminar essa situação de exploração consumindo menos terá como única conseqüência acrescentar à miséria social da alienação a miséria física . Para um autêntico ponto de vista revolucionário, a crítica ao consumo capitalista só faz sentido enquanto um dos aspectos decorrentes da luta central contra o processo de exploração, e propor que as pessoas consumam menos sob a alegação de que tal procedimento constitui um feroz ataque às estruturas capitalistas é “tão imbecil e tão reacionário” como impor aos trabalhadores um salário menor sob o argumento de que assim se coloca em xeque o regime de assalariamento . Enfim, 

“há ainda entre nós ‘teóricos’ antediluvianos, que esperam enfrentar as dificuldades resultantes da total ausência de sentido de uma existência saturada de commodities , defendendo seriamente a produção de desemprego artificial e miséria, coroando tudo isso com discursos nostálgicos acerca de religiões perdidas e da necessidade de uma novíssima religião artificial” . 

É claro que não podemos pressupor que essa imbecilidade de protesto contra a insustentabilidade do sistema na forma da redução forçada do consumo é gratuita; ela possui sua origem. A classe média decadente, como já vimos, em sua posição de gestores potenciais desempregados e consumidores frustrados, faz com que eles sejam os que mais agudamente sintam a necessidade de reorganizar o capitalismo, porém, por se sentirem parte da elite, não se sentem à vontade para se juntar aos movimentos proletários. Por isso seguem a alternativa ambiental, um projeto tecnocrático de reorganização do sistema, e sua situação crítica e desesperadora leva-os a exagerar a doutrina de seus mestres, convertendo-se nos arautos mais barulhentos e mais fanáticos, mas igualmente os mais limitados, e algumas teses que para os teóricos e cientistas ambientais possuem um valor meramente secundário são levadas a pontos extremos por esses elementos, convertendo-se assim em colossais disparates. Por isso o ambientalismo, que entre as camadas intelectuais superiores até consegue conservar um tom sério mínimo e mantém as pretensões à cientificidade, aparece, graças à ação desses benfazejos discípulos, enfeitada com as mais crassas aberrações. “Quanto à sua produção intelectual no movimento ecológico estes elementos são os palhaços” . 

Os consumidores frustrados, no entanto, não desejam permanecer eternamente nesta posição tão humilhante. Eles efetivamente se preocupam com o desemprego estrutural e desejam gerar empregos, não para os agricultores de Uganda, é claro, mas para si próprios, empregos que lhes permitam não exatamente seguir em seu apostolado de salvação do planeta, mas sim dispor de todo o conforto e consumir todos os deslumbrantes e apelativos bens produzidos por tecnologias movidas a combustíveis fósseis. E que melhor ocasião de gerar empregos qualificados do que a hipótese do aquecimento global? Será possível calcular todos os empregos diretos e indiretos envolvidos em projetos de armazenamento de carbono em rochas ou no fundo do mar, de inventários de carbono, de comercialização de emissões, de reflorestamento e certificação de madeira, de energia eólica e solar, de modelagem climática, de companhias de seguros, de pesquisa e desenvolvimento de biocombustíveis, de indústrias químicas e automobilísticas, de programas de pós-graduação… Que seria de todos eles se a grave ameaça do aquecimento global simplesmente não existisse? Daí a obrigação de “esconder o declínio”: tornar mercadoria o que antes seria simplesmente ar, criar e manter os empregos de uma massa de burguesia e de classe média decadentes em todo o mundo. É a elas, e não ao planeta, quem devemos salvar. 

Eles exprimem assim a falência do sistema capitalista tal como tem funcionado no último meio século, a degradação do mecanismo de expansão do mercado de consumo particular. Os gestores ambientalistas aceitam plenamente a crise atual, em que do declínio da taxa de produtividade resulta a diminuição do ritmo da produção e a restrição do consumo, preparando o terreno para adaptar as condições gerais de produção a uma estagnação duradoura do consumo particular. Eles projetam assim uma forma de capitalismo que cada vez mais terá as condições gerais de produção em si como objetivo fundamental de seu funcionamento . 

“Nesta perspectiva são propostas certas formas de energia e recusadas outras, escrevem-se ditirambos sobre algumas matérias-primas, enquanto se veta o emprego de outros recursos naturais. (…) É curioso observar que o capitalismo, neste estádio do seu declínio, tem de apelar para semelhantes histerias de massas, pretendendo responsabilizar certas formas científicas pelas conseqüências do funcionamento do sistema em geral” . 

Os cientistas ambientais ou os membros do WWF e do Greenpeace preocupam-se exclusivamente em desenvolver novas fontes de energia, selecionar as matérias-primas e planejar os passos necessários à transição do sistema atual para aquele que propõem. Seus discípulos global warmers passam a vida em elucubrações utópico-místicas e “oferecem como modelo para o sistema de produção na sociedade do futuro a idealização da organização monástica do trabalho prevalecente nos conventos medievais, ou qualquer outra falsificação lírica do passado”. Entretanto, nada disso está em sintonia com as necessidades reais da esmagadora maioria de seres humanos. Os ambientalistas são absolutamente silenciosos quanto às relações sociais no processo de produção, à propriedade dos meios de produção, ao controle da gestão e à orientação das decisões . 

Os ambientalistas confundem o capitalismo com a indústria em geral; no entanto, indústria é qualquer sistema de aplicação de máquinas à produção, não importando o regime econômico em que se insere. Ao criticar o uso de tecnologias baseadas em combustíveis fósseis e impulsionar a adoção de determinadas fontes renováveis, os global warmers acreditam estar perpetrando uma ferrenha crítica às estruturas capitalistas de dominação natural e social. Esquecem-se eles de que o capitalismo vai muito mais além de um conjunto de indústrias, de fontes de energia ou de produtos. A tecnologia e o modo de produção capitalistas não estão condicionados ou limitados por instrumentos particulares nem por certas matérias-primas ou fontes de energia. Sua especificidade consiste num dado sistema social , a que confere realidade material. São poucas hoje as máquinas idênticas às do início do capitalismo, bem como as matérias-primas e as fontes de energia. Mas o sistema capitalista permanece, realizando os aspectos sociais decisivos das relações de produção modernas, quais sejam, a igualdade dos produtores no processo de trabalho e o afastamento dos mesmos em relação à propriedade dos meios de produção e à gestão do processo produtivo. Em outras palavras, não é um mero conjunto de máquinas nem uma matriz energética que caracteriza a tecnologia capitalista, e sim a indústria organizada numa formação social baseada na exploração da mais-valia . Existiu capitalismo antes do uso industrial dos combustíveis fósseis e continuará existindo capitalismo se porventura eles se esgotarem. Ao defenderem a transição da matriz energética global, osglobal warmers não fazem mais do que atender gratuitamente (ou não…) a uma singela solicitação do capitalismo: propiciar a base intelectual necessária à troca de tecnologias baratas, eficientes e de domínio público por outras caras, ineficientes e detentoras de patentes, propiciando maior lucro às empresas, estimulando o incessante ciclo de reciclagem das estruturas capitalistas. Novamente, todas essas ações são executadas sem perderem o título de oposição. Fora do âmbito acadêmico, a modificação de grande alcance de todos os nossos hábitos de pensar serve para coordenar e incluir metas e idéias com as do sistema prevalecente, bem como repelir as idéias irreconciliáveis. As formas de protesto ambientalistas não são mais contraditórias ao existente e tampouco são negativas. São antes a sua negação inofensiva, rapidamente digerida pelo existente como parte de sua dieta salutar . 

Existe ainda um importante ponto a ser explorado no relatório State of the World 2010 . De acordo com o Worldwatch Institute, a “estabilidade climática global” e a resiliência ecológica são bens públicos que requerem “soluções cooperativas globais”, não o uso de combustíveis fósseis, bens de mercado que promovem competição e conflitos. A transição para a sustentabilidade demanda o emprego de fontes de energia não-competitivas, como a solar e a eólica. O uso de energia solar pelos Estados Unidos, por exemplo, não limita o acesso da China a esse recurso, que pode mesmo melhorar essa tecnologia, beneficiando outros usuários. Infelizmente, porém, a OMC e outras instituições internacionais de comércio concedem maior destaque a bens e serviços privados em detrimento dos públicos, e com a energia não poderia ser diferente. Por isso os países que não desfrutam do acesso às tecnologias de energia renovável tenderão a continuar a queimar carvão, atrapalhando a adoção de novas tecnologias que combateriam a mudança climática. É necessário um amplo acesso a informação sobre tecnologias de energia renovável para solucionar esse problema . 

Como solução para esse impasse, o Worldwatch Institute propõe, entre outras saídas, o que eles chamam carinhosamente de expansão do setor comum , responsável pelo manejo dos bens comuns já existentes e pela criação de novos: 

“Alguns bens, como os recursos criados pela natureza ou pela sociedade como um todo devem ser tratados em comum porque é mais justo. Outros bens, como a informação ou estruturas de ecossistemas (por exemplo, florestas ) deveriam ser tratados em comum porque é maiseficiente . E ainda outros bens, como recursos comunais essenciais e bens públicos deveriam ser tratados em comum porque é mais sustentável” . 

Já vimos que as políticas impostas por governos e empresas necessitam da mediação da opinião pública para não perderem sua aparência de democracia. Será atendendo ao “clamor público”, e não através de imposição autoritária, que partiremos para meios mais eficientes de gerenciamento dos recursos naturais. Não são raras as pessoas do mundo hoje (e do Brasil, o que é mais grave) que militam em favor da instalação maciça de reservas e projetos de ONGs na Amazônia (muito eficientes, por sinal… mas eficientes para quem?), sob a alegação de que, se os brasileiros não cuidam da floresta, alguém tem que cuidar – e quem seria melhor encarregado dessa tarefa do que tão devotadas ONGs ambientalistas internacionais? Daí à internacionalização da floresta, parece-nos que a diferença é apenas de grau e de tempo. Àqueles que ainda acreditam que a paranóia da perda da nossa soberania sobre a Amazônia brasileira não passa de uma teoria da conspiração, recomendamos revisar seus conceitos. E rápido. 

Uma opção para o manejo do setor comum é a criação de “fundações de bens comuns” em diversas escalas. Pode-se propor, por exemplo, a criação de uma Fundação Terra- Atmosfera para auxiliar na redução das emissões de carbono enquanto reduz também a pobreza. Este sistema englobaria o sistema global de cap-and-trade , o leilão de todas as cotas de emissões antes da comercialização, e a redução das limitações de emissões ao longo do tempo. Os rendimentos desses esforços seriam depositados na Fundação Terra-Atmosfera, administrada de maneira transparente (assim como o IPCC!), com uma fração dos rendimentos provenientes dos leilões das cotas podendo retornar às pessoas do mundo todo por meio de um pagamento (que não se sabe como, quando e quanto virá…). O restante poderia ser empregado para melhorar e restaurar a atmosfera, investir em inovações sociais e tecnológicas, prestar assistência aos países em desenvolvimento, e administrar a fundação (sabemos que esta é a parte mais importante…) . 

As economias industriais precisam se contrair significativamente para permitir o funcionamento dos recursos terrestres e o atendimento das necessidades das populações dos países em desenvolvimento. Obviamente não se espera que os chineses ou indianos tomem a inicativa do não-crescimento, e parece pouco provável que alguma grande nação industrial o faça. Talvez essa tarefa caiba a uma nação rica e bem-educada, como a Noruega ou a Suécia. Com populações pequenas e amplos recursos, talvez elas possam liderar e demonstrar a exeqüibilidade de uma visão de como seria a boa vida numa economia estável: menos horas de trabalho, menos pertences, menos estresse, mais tempo com a família, mais tempo para o engajamento cívico e mais lazer . 

Gostaríamos de perguntar ao leitor se ele sabe o que é a Noruega. Respondemos: é um país no norte da Europa, com uma população de pouco menos de cinco milhões de habitantes, uma renda per capita anual de 59 mil dólares, e via de regra na primeira posição mundial no ranking do IDH. Sim, este país certamente pode demonstrar a exeqüibilidade de uma visão de como seria a boa vida numa economia estável, pois a história já se encarregou de demonstrar que, se a Noruega conseguiu chegar lá, por que não o Brasil ou mesmo Burkina Fasso? Em tempo: para o leitor desavisado, informamos também que a Noruega só conseguiu chegar lá porque se baseou em práticas solidamente sustentáveis ao longo de toda sua história recente: exploração de petróleo, indústria naval e caça às baleias. 

Houve um tempo em que a superação da escassez era compatível com os processos e aspirações capitalistas. Hoje em dia, porém, este objetivo aparece somente “nas racionalizações ideológicas dos mais cínicos apologistas do sistema estabelecido”. Só isto já nos diz muito sobre o verdadeiro significado e os rumos da reconstrução estrutural capitalista . Quando o sistema não pode ou não quer eliminar a escassez e a produção do desconforto, transforma-as numa virtude, algo de que deveríamos nos orgulhar! O culto à frugalidade e a produção artificial da escassez, guardiões da natureza, constituem hoje uma autêntica ideologia de legitimação do sistema capitalista: se o capitalismo é o sistema que torna inevitável a produção da escassez e se a escassez é algo desejável e louvável, a conclusão lógica a se tirar é a de que o capitalismo é desejável e louvável. Que ele permaneça conosco para todo o sempre, agora pintado de verde, eterno produtor de escassez eternamente legitimado. A hipótese do aquecimento global representa a nova fonte de legitimação do capitalismo. 

Conforme fora previsto por Habermas há quarenta anos, a necessidade da propaganda favorável, da diversificação energética e do tradicional aumento dos lucros, com sua conseqüente manutenção das estruturas de poder e da crescente concentração de renda, é agora legitimada por um imperativoredondamente científico . A ideologia do cientificismo tem o poder de sancionar com a elevada autoridade da ciência até as mais prosaicas práticas manipuladoras . As decisões políticas aparecem como subordinadas e determinadas pela imperiosa necessidade de combate ao aquecimento global. O Estado nada mais faz do que seguir a lógica ditada por esse imperativo tão objetivo e, por isso mesmo, invulnerável a qualquer contestação. Mas a ciência aparentemente neutra das mudanças climáticas está na realidade comprometida com a acumulação do capital, singelamente disfarçada de defensora do meio ambiente e dos interesses das gerações presentes e futuras. Como solucionar o problema da desigualdade social? Não, não é superando as contradições do sistema capitalista, realizando a revolução socialista, como sustentavam os marxistas. A solução se dará por alguns pequenos ajustes técnicos, amparados por um amplo e estabelecido conhecimento científico. É seqüestrando dióxido de carbono da atmosfera, reduzindo o corte de árvores e reflorestando as áreas desmatadas, reduzindo a queima de combustíveis fósseis e estimulando o uso de biocombustíveis e outras fontes como as energias eólica e solar, reduzindo o consumo de energia elétrica quando esta for obtida por termelétricas e hidrelétricas, consumindo produtos ecologicamente corretos e finalmente trabalhando intensamente a conscientização ambiental dos homens. 

Será interessante ver algum historiador da ciência no final do século XXI narrando a trajetória da Climatologia, sempre estreitamente atrelada às mudanças na base tecnológica e decidindo os destinos de toda a humanidade, poder comparável ao exercido pela Igreja Católica durante a Idade Média. Se for um historiador suficientemente perspicaz, perceberá e alertará a todos para o fato de que não era a Climatologia que, em sua imparcialidade e incondicional devoção aos valores científicos e humanos, recomendava enfaticamente as sucessivas mudanças na base tecnológica para salvar o planeta e os homens de uma catástrofe que nunca chegava, mas sim o sistema capitalista que a governava e buscava nela o amparo e a legitimação para seus imperativos de constante renovação. Será uma pena, contudo, que só saibamos disso por intermédio desse historiador perspicaz, e não percebamos a novela que se desenrola neste exato momento bem diante de nossos olhos. 

Também nós podemos tentar elaborar nossos cenários de como será o mundo no final do século XXI – e aqui não consideramos necessário dividi-los em A2, A1B e B1. Os governos continuarão fazendo o que sabem fazer de melhor: cobrar impostos e criar leis que auxiliem empresas a se reciclarem e que cerceiem direitos e escravizem as vidas dos cidadãos. As empresas, por sua vez, continuarão fazendo o que sabem fazer de melhor: inventar necessidades para forçar a compra de novos produtos absolutamente indispensáveis à felicidade de qualquer ser humano. Já os cientistas continuarão fazendo o que sabem fazer de melhor: tentar convencer a todos de qualquer maneira que sua área de pesquisa é a mais crucial para a sobrevivência de toda a humanidade e por isso necessita urgentemente de generosos financiamentos. Por fim, o povo continuará fazendo o que sabe fazer de melhor: acatar passivamente os mandos e desmandos dos governos, das empresas e dos cientistas, acreditando piamente que está contribuindo com sua parte para um mundo melhor. 

Não foi em conseqüência de sua própria lógica imanente que a Climatologia adotou a linha de orientação e atingiu os resultados de pesquisas que tanto nos preocupam hoje em dia, e sim pela impossibilidade de separar seu desenvolvimento das exigências objetivas do modo de produção capitalista. Ela não pôde sonhar em estabelecer seus próprios objetivos de produção, seguindo apenas as determinações imanentes de uma situação ideal de pesquisa. Ao contrário, a Climatologia foi obrigada a servir com todos os meios à sua disposição a um sistema de produção orientado para o mercado que, por sua vez, está sujeito aos ditames da concentração e da centralização do capital, assim como à absoluta necessidade de lucro. Como resultado, a orientação geral da pesquisa imposta à Climatologia pelos imperativos da expansão do capital consistiu em ajudar a deslocar as contradições inerentes à concentração do capital: a grande preocupação do cientista inteligente, ético e consciente dos seus deveres perante a sociedade não deverá mais ser o desenvolvimento de teorias e técnicas que auxiliem na resolução dos problemas de fome e de saúde pública típicos da pré-história e que ainda ceifam milhões de vidas todos os anos, posto que isso não contribui em nada para salvar o planeta, mas sim convencer até o mais faminto cidadão de Burkina Fasso de que o aquecimento global é o pior dos males que a humanidade poderia enfrentar. 

A ciência climática foi alienada e privada da determinação social de sua atividade e seus objetivos, que ela recebe pronta num pacote fechado, sob a forma de ditames materiais e objetivos de produção do capital. Os resultados dos modelos climáticos não servirão para o planejamento agrícola, mas para amedrontar populações e governos a fim de assinarem o mais depressa possível os acordos climáticos internacionais, garantindo assim os indispensáveis recursos financeiros, materiais e humanos para as obras de geoengenharia tão fundamentais para a sobrevivência de nossa espécie. A ilusão da autodeterminação e neutralidade da ciência climática é, pois, uma ilusão necessária , com suas raízes firmemente plantadas no solo da produção de mercadorias e que se reproduz constantemente sobre essa base, para que não se perceba sua real determinação . 

Como resultado, ela se torna não apenas de fato, mas por necessidade – em conseqüência de sua constituição sob as relações sociais dadas – uma instância ignorante e despreocupada quanto às conseqüências sociais de sua profunda intervenção prática. E, dado que a ciência, por sua própria constituição e em seu estado de operação “normal”, é separada das lutas sociais que decidem seus valores, a aceitação acrítica da objetividade e da ausência de mediações gera e mantém viva a ilusão amplamente difundida de suas autodeterminações não-ideológicas e de sua desvinculação em relação à esfera dos valores . Mas 

“A realização da muito necessária separação entre a ciência e as determinações capitalistas destrutivas só é concebível se a sociedade como um todo escapar da órbita do capital e estabelecer um novo campo – com princípios de orientação diferentes – em que as práticas científicas possam florescer a serviço dos objetivos humanos.

Assim, a questão em jogo se refere à articulação prática de complexos sociais radicalmente diferentes, com a mais que urgente reestruturação também da constituição atual da ciência, libertando a si e ao restante da sociedade, pela ação coletiva, de sua atual sujeição a objetivos alienantes e anti-humanos. Reside aqui a importância da consciência individual de cientistas isolados ou de pequenos grupos, que se empenham em levantar a questão da responsabilidade social da ciência e se levantam contra os perigos que eles percebem, desafiando as retaliações acadêmicas e pessoais.

“Na medida em que as ciências são efetivamente intimadas à prática política, aumenta objetivamente para os cientistas a coação de, para além das recomendações técnicas que eles fazem, refletirem ainda sobre as conseqüências práticas que elas desencadeiam (…) os cientistas responsáveis, livres da jurisdição, rompem os limites da publicidade interna à ciência e se dirigem diretamente à opinião pública, recusando ou as conseqüências práticas que estão associadas à escolha de determinadas tecnologias, ou criticando as implicações sociais que podem ter determinados investimentos na investigação”.

Talvez esteja ainda muito distante, se é que virá, o dia em que as ciências serão praticadas apenas pelos que as amam, tornando-se menos hipócrita e vaidosa e mais comprometida com a promoção da felicidade humana. Mas o fato é que, apesar das incessantes represálias, os céticos do aquecimento global ainda teimam em denunciar as trevas travestidas de luzes que encobrem a Climatologia. Encoberta por sombras, a luz da razão ainda teima em encontrar espaço para brilhar. Ainda existe a oportunidade de fazer uma ciência crítica e emancipadora. 

Enfim, o discurso do aquecimento global elaborado pelo IPCC é usado como encobrimento científico na promoção de políticas que pouco ou nada tem a ver com ciência. A hipótese do aquecimento global é a oportunidade de estabelecer metas – criação de impostos, imposição de novos hábitos de consumo, censura científica e justificação política – que jamais seriam atingidas por meios legítimos.

[NR] No Brasil chamam de renda não só aos rendimentos dos rentistas como também aos dos assalariados e aos lucros dos empresários. Manteve-se a notação brasileira (bilhões ao invés de mil milhões, etc). 

[*] Capítulos 14 e 15 da tese de doutoramento apresentada ao programa de pós-graduação em Geografia Física do departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, sob a orientação do Prof. Dr. Tarik Rezende de Azevedo. Foram omitidas as notas de rodapé. O texto integral, com 557 páginas, pode ser descarregado emhttp://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8135/tde-01062011-104754/pt-br.php (PDF, 15,8 MB). 

Este excerto encontra-se em http://resistir.info/ .25/Jan/13

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Luis Nassif

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