Efeito Pinball potencializa bombas semióticas na mídia, por Wilson Ferreira

Quem não conhece o jogo de arcade chamado Pinball? Um lançador dispara uma bolinha de metal que bate e rebate em pinos somando pontos a cada tilintar barulhento. Numa tragicômica analogia, a grande mídia parece ter transformado o País numa gigantesca arcade ao chegar no estado da arte de impor sucessivas agendas que se assemelham a bolinhas metálicas disparadas em um Pinball: “mensalão”, “caos aéreo”, “o gigante acordou”, “petrolão” etc. O Governo responde aqui e ali com notas, criando um círculo infernal de bate-rebate que só legitima a agenda anteriormente criada. O Efeito Pinball se transforma no meio condutor das bombas semióticas que são detonadas diariamente nas mídias. Por si só elas não têm força: necessitam do meio condutor da agenda, assim como as ondas de choque produzidas por uma bomba química necessitam do ar.

Nas últimas edições do telejornal SPTV da Globo, o apresentador Cesar Tralli tem se mostrado particularmente indignado, não se sabe porque orientado pelo ponto para que ele eleve o tom das críticas ou se está contaminado pelo clima do chamado “terceiro turno” que se seguiu após as eleições.

Em sucessivas matérias Tralli tem demonstrado uma indignação tão cívica quanto seletiva. Na inauguração de mais uma ciclo-faixa, na Zona Norte da cidade de São Paulo, dispara inconformado: “assim é fácil fazer 400 quilômetros de ciclo-faixas, passar a tinta sobre buracos”, diz mostrando um close up de um buraco no meio da faixa recém-inaugurada. Pelo tipo de lente e esmero da teleobjetiva parecia mais uma cratera lunar!

SPTV apresenta a “indignação” de César Tralli

Cresce o número de latrocínios (roubos seguidos por morte) em São Paulo? Tralli fica com raiva, tenta atropelar por três vezes o comentarista especialista em segurança do telejornal, Diógenes Lucca, para tentar nacionalizar um problema que é de alçada estadual: “é muita arma andando por aí”, repete, para tentar puxar o problema para uma suposta ineficiência do Governo Federal em vigiar as fronteiras do País e impedir o tráfico de armas para dentro do País.

A represa Guarapiranga esvazia na eufemisticamente chamada “crise hídrica”? Culpa da construção ilegal de casas em áreas de mananciais que a Prefeitura deveria fiscalizar… O repórter às margens da represa até tenta relativizar: as construções TAMBÉM colaboram com a crise hídrica. Corta para o estúdio: para o indignado Tralli não existe “também”. O prefeito Haddad é o único responsável pela seca na represa.

“O que é bom a gente fatura”

Essa é apenas uma amostra mínima das bombas semióticas cotidianas que a grande mídia vem detonando diariamente, de segunda a domingo, em cada telejornal, a qualquer hora do dia: problemas locais devem ser obrigatoriamente nacionalizados – quem não se lembra, por exemplo, no caso “tem alemão no campus” onde um repórter da rádio CBN tentou ligar manifestações estudantis na USP com uma situação pré-insurrecional supostamente dominando o País – sobre isso clique aqui.

E os problemas nacionais devem se transformar em evidências da proximidade do colapso econômico e do escândalo político. A não ser que o TSE nos salve.

Até aí não há grande novidade. Desde que em 1994 as antenas parabólicas transmitiram indiscretamente a fala do ministro da Fazenda Rubens Recupero antes de entrar no Jornal da Globo (“Eu não tenho escrúpulos; o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”), esse modus operandi promíscuo entre grande mídia e os cenários políticos não surpreende ninguém.

A espiral do silêncio:
clima de opinião e conformismo

A novidade é que essas pequenas bombas semióticas cotidianas não buscam a persuasão (como é a natureza de toda bomba). Seu objetivo não é o convencimento ou doutrinação ideológica – as pequenas bombas semióticas visam criar pânico, alterar a percepção, disseminar a chamada espiral do silêncio – estado de clima de opinião de uma suposta unanimidade graças a consonância e onipresença nas mídias, onde as vozes discordantes tendem a silenciar por terem a percepção de serem minoritárias – tendem ou à cooptação ou ao simples silêncio.

Para que essas bombas semióticas sejam eficazes é necessário um “ambiente” condutor, assim como o ar que propaga as ondas de choque de uma explosão. Esse ambiente é proporcionado pela criação de uma agenda. Antes das bombas semióticas serem lançadas, é necessário que a grande mídia imponha uma agenda, uma pauta que produza consonância, acumulação e onipresença midiática.

O Efeito Pinball

Nesses doze anos de governos do PT, nunca o governo federal conseguiu impor uma agenda própria. Ao contrário, reage sempre numa estratégia de controle de danos aos sucessivos estragos provocados pelas agendas criadas pela mídia e replicada pela oposição parlamentar. O que cria um curioso efeito que poderíamos denominar de Efeito Pinball – o tradicional jogo de arcade operado por moedas onde o jogador opera uma ou mais bolinhas metálicas contidas no interior de um campo coberto por vidro. Com a mesma dinâmica da diversão eletrônica, a grande mídia dispara a bolinha que começa a rebater em pinos e flips, somando pontos.

Bolinhas são seguidamente disparadas: a agenda do mensalão; depois o caos aéreo; a descontrolada inflação do tomate; as manifestações de rua do “gigante que acordou”; o chamado “terceiro turno”; e atualmente o “escândalo do petrolão” e a iminência de um impeachment da presidenta eleita. 

Estamos presos numa
pinball machine?

Elas rebatem aleatoriamente nos pinos e flips criando ressonância, recursividade, loopings: numa estratégia reativa de controle de danos o Governo é obrigado a ser o interlocutor, dar respostas em notas aqui e ali. O que dá mais legitimidade ao jogo… e as bolas batem e rebatem… tlim!… tlim!… tlim!…. Pontos são somados num ciclo vicioso infernal.

A única agenda que os governos petistas tem sido bem sucedidos é a econômica, nada bolivariana, por sinal: modernizou o capitalismo brasileiro com a normalização das funções de reprodução da mão de obra e consumo como medidas de inserção social e a manutenção da financeirização – o neodesenvolvimentismo.

Como vimos em outra oportunidade, essa combinação de estratégia de controle de danos no pinball político e o neodesenvolvimentismo acabou chocando o ovo da serpente de duas formas: de um lado o ódio da Casa Grande que não suportava dividir aeroportos com a chamada “nova classe média” e ver o quarto da empregada vazio (ela foi embora para a Universidade!); e do outro, os novos egressos da sociedade de consumo que confundiram consumo com ascensão social e combinaram despolitização com ideologia meritocrática – sobre isso clique aqui.

É a agenda, estúpido!

O verdadeiro poder da mídia não está em dizer para as pessoas o que pensar, mas sim sobre o que pensar. Essa sutil mas enorme diferença é a base da chamada Agenda Setting ou Teoria do Agendamento formulada em 1972 por Donald Shaw e Maxwell McCombs – a mídia é muito pouco eficiente em impor conteúdos, posições ou valores, mas ela é ótima em criar uma pauta ou hierarquia de temas supostamente pertinentes a serem discutidos pela sociedade.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

View Comments

  • Tralli é aquele fala mansa

    Tralli é aquele fala mansa que todo dia pede a São Pedro para fazer chover na Cantareira como se o Santo estivesse ligado na tela da Rede Globo? Jornalismo carola desinformativo é foda. Ha, ha, ha... 

  • O engraçado é que quem mais

    O engraçado é que quem mais dá dinheiro pras midias comprarem as fichinhas do pinball é o proprio governo!!

  • Culpa de quem?

    E isso só ocorre porque o governo não cria e não estimula meios alternativos de comunicação/informação. 

    Acaba assim fortalecendo o oligopólio que dita o assunto do momento. 

    É inconcebível a maior fonte de informação do país -  o governo federal,  em virtude do volume expressivo de dados que gera diariamente - ainda não possuir eficazes veículos de comunicação com a população. Não disponibilizar instrumentos para a difusão de informações  governamentais. 

    O governo precisa se profissionalizar, precisa ler mais os Blogs Sujos para adquirir novas ideias. 

    Se até o Gilmar faz isso, por que o governo reluta? 

  • Efeito Pinball

    Wilson, você deveria ser nomeado pelo Governo Federal para a estratégia de lidar com a Grande Mídia. A tática deles é esta mesmo: encher o governo de picuinhas para o mesmo não conseguir pautar o que realmente interessa para o país. Está passando da hora de o PT colocar o bloco na rua, tomar iniciativa ao invés de ficar apagando incêndios. Ao invés de observar a mídia como uma platéia de mágico que só olha para a mão que o mágico quer, começar a focar na mão que os barões "mágicos" e bilionários da mídia não querem que o governo traga à tona.

  • Tralli, com seu risinho

    Tralli, com seu risinho cínico, parece estar  jogando no lixo qualquer resto de escrúpulo ou ética que ainda possuísse.

    A cara de pau é tanta que chega às raias da psicose: não percebem que as pessoas não são trouxas?

    Tamanho grau de distorção é assustador e só me lembro de algo parecido nos tempos da censura, quando a mesma Globo nos provocava náuseas com seus seguidos atentados à verdade!

    É muito triste constatar que, nesse ponto, parece não termos aprendido nada. 

     

  • Coxinhas em surto

    Isso é resultado das consecutivas derrotas e humilhações que os coxinhas vem passando. Aprovação das contas de Dilma e reprovação das de Alckminn e do neofascista Feliciano, Aécio faltando na manifestação que convocou, derrotas consecutivas em eleições e votações, humilhações constantes e alvos de piadas em redes sociais e até programas televisivos que apoiaram essa gente durante as eleições. É muita coisa pra cabeça oca deles... por isso todo esse stress.

  • pimba. épimball!!!
    é isso,

    pimba. épimball!!!

    é isso, boa análise sobre a questão da agenda.

    agendamento deve fazer o governo reunindo os movimentos sociais

    etc e tal para mudar esse joguinho de encenação da grande mídia.

  • Podem contar com meu flip

    Podem contar com meu flip atômico para rebater qualquer bolinha na cara da petralhada. Isso é só política, meus amiguinhos. Ou Real Politik como dizem os germânicos. Melhor sairem das fraldas porque vai dar tilt!

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