Mídia

Os horrores de Putin e o subjornalismo internacional do Brasil, por Luis Nassif

Na entrevista à CNN, o general (da reserva) americano justifica a ação da Rússia na Ucrânia. Ele serviu nas duas guerras contra o Afeganistão. Portanto, seu parâmetro foi a atuação americana no conflito. Defendendo a ação russa, de certo modo, ele defende a americana e sua participação.

Primeiro, considerou moderada a atuação russa. Entendeu que os alvos eram apenas forças militares da Ucrânia, e que a Rússia procurava poupar instalações civis. Daí a demora maior em impor sua estratégia. Comparativamente, conclui-se que a estratégia americana no Afeganistão foi de destruição total de setores civis e militares.

Os estragos na parte civil, segundo o general, foram decorrentes da debandada do exército da Ucrânia que, a exemplo do Afeganistão, misturou-se à população civil para se defender.

O depoimento do militar, no canal de direita Fox News, coloca em dúvida as versões encampadas acriticamente pela mídia brasileira. Há inúmeras explicações para a ofensiva de Putin, em impedir que a Ucrânia aderisse à OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). E inúmeros alertas de estrategistas americanos sobre os riscos, para o mundo, de não desmilitarizar a Ucrânia e manter a Rússia acuada.

Mas não absolvem nem Putin, nem os Estados Unidos, dos horrores de uma política de ocupação de um país. Em ambos os casos, foram cometidos crimes contra a humanidade. Putin é um criminoso de guerra, como foram Barack Obama e George Bush Jr.

A entrevista do militar americano apenas mostra que a lógica militar independe do lado: sempre irá considerar as perdas civis como meros danos colaterais. 

O anti jornalismo brasileiro

O anti jornalismo praticado, a subordinação vergonhosa às informações oficiais de uma das partes é, primeiro, um atentado aos princípios do jornalismo. Se a responsabilidade do jornalismo é expor fatos objetivos ao público, devidamente contextualizados, trazer apenas uma versão é duplamente irresponsável, porque sem o princípio do contraditório para checar a consistência dos fatos.

É a volta ao velho vício de aceitar todas as explicações da Lava Jato antes da divulgação da Vaza Jato.

Segundo: ao endossar a culpa seletiva, não se obtém nem o benefício da condenação futura de qualquer nova invasão de país, independentemente de quem for o invasor e o invadido. Se o invasor for os Estados Unidos, estará previamente blindado de qualquer condenação pública, devido à parcialidade vergonhosa da mídia.

A guerra atual tem inúmeros responsáveis.

  • Vladimir Puttin, pela decisão de avançar com a invasão antes de esgotados todos as demais formas de persuasão.
  • Joe Biden, pela irresponsabilidade de coordenar a desestabilização política da Ucrânia, desde 2014, e manter um governo títere de ultradireita. E pela irresponsabilidade de permitir a montagem de uma estratégia destinada a cercar a Rússia pelas armas da OTAN.
  • Volodymyr Zelensky, um aventureiro incapaz de pensar no sacrifício imposto aos seus conterrâneos.
  • A OTAN (Organização do Tratado da Aliança Norte), um resquício da guerra fria empenhado em manter um estado de guerra latente no mundo, para legitimar sua sobrevivência.
  • A mídia, incapaz de se tornar um referencial de verdade, em um momento em que o questionamento da mídia oficial é o principal alimento da indústria de fake news. São incapazes de análises minimamente complexas, de escapar do padrão Datena, de reduzir todos os casos a uma luta do bem contra o mal.

A falta de cobrança, deu plena liberdade para que sejam plantadas as sementes de futuras tragédias. 

A distribuição irrestrita de armamento em um país em que o grande protagonista político é o Batalhão Azov – os milicianos terroristas que subiram ao poder, e se integraram às Forças Armadas, com a ascensão de Volodymyr Zelenskyy. Na guerra do Iraque, estratégia semelhante dos EUA permitiu a criação do Estado Islâmico. Agora, entregam a um grupo terrorista armas muito mais poderosas.

Uma eventual queda de Putin jogaria a Rússia, maior potência nuclear do planeta, em uma guerra civil. Ou seja, guerra civil com disponibilidade de armas atômicas.

A guerra atual é sinal da falência da democracia liberal, do multilateralismo e, principalmente, do jornalismo.

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • Concordo, na midia Europeia a "cobertura" esta de cair o queixo...do nivel da cobertura da lavajato, no Br, nos "anos dourados" da operação ou seja basicamente uma campanha de propaganda.

  • Nesse exato momento, centenas de caixas lacradas contendo Javelins e Stingers estão provavelmente sendo enterradas na Ucrânia. Esses armamentos sofisticados e caros servirão como reserva de valor, pois após a derrota os nazistas precisarão de dinheiro e não poderão mais contar com salários estatais ou doações dos EUA. No futuro esses armamentos serão vendidos no 'mercado negro' e eventualmente serão adquiridos pelos nazistas de outros países. Eles poderão ser comprados até pela Darkweb, onde ninguém controla ninguém. No futuro, esses armamentos sofisticados começarão a ser usados em vários países da Europa para resolver disputas políticas (ou guerras entre quadrilhas de mafiosos). Alguns deles podem chegar até mesmo nos EUA. Portanto, ninguém deve ficar surpreso se sulistas radicais nazistas anti-EUA adquirirem alguns deles para usar na Casa Branca. Mas os jornóialistas brasileiros que apoiam a insanidade norte-americana (a doação de milhares de mísseis sem qualquer possibilidade de controle de seu uso ou destino) ficarão surpresos. Fecho os olhos e até posso ver os vagabundos dos EUA anunciando com voz embargada que o Congresso Americano foi atingido por um Javelin e dizendo "Ninguém imaginava que isso podia acontecer."

  • Estimado Nassif: acordo apenas em parte com sua análise. O problema central, sabidamente, e alertado pelo finado especialista George Kennan (1998) e muitos outros [https://www.poder360.com.br/analise/expansao-da-otan-e-criticada-nos-eua-desde-anos-1990/ ]. E, como disse a própria otanista BBC, nada menos que 14 países integraram o Tratado dirigido pelos EUA, desde 1997. Coisa igualmente mais que sabida. https://www.bbc.com/portuguese/internacional-60580704
    Abraço.

  • As questões que gostaria de respostas é:

    1) Putin tinha outra escolha? A Rússia vem perdendo terreno econômico e militar para EUA-UE desde 1992, que avançam sem concessões, inclusive desestabilizando o governo pró-Rússia em 2014. A Ucrânia vinha com planos de aderir à OTAN e falando até em ter bombas nucleares, com anuência dos EUA-UE que se recusaram a chegar a um acordo com a Rússia. Deflagrar o conflito hoje tem essa dimensão que está aí. Deflagar depois que EUA-UE desse outro passo dentro da Ucrânia teria uma dimensão muito maior. O conflito hoje não é uma redução de danos inevitável diante da posição irredutível do ocidente?

    2) Até onde sei, e não sei tanto, Putin não é um presidente forte só porque ele quer. E não faz o que bem entende da cabeça dele como a imprensa ocidental esteriotipa. Ele representa e vocaliza o que querem as Forças Armadas, a burocracia de estado e o poder político majoritário e o que próprio povo deseja (foi reeleito com 77% dos votos em 2018), depois da era de humilhação de Boris Yeltsin. Logo, é bem provável que ele fosse expelido do poder se desafinasse com as aspirações do núcleo de poder que o cerca na questão da Ucrânia. Ele pode até renunciar se tudo der errado, antecipando eleições de 2024, abrindo caminho para Medvedev voltar a suscedê-lo ou outro alinhado, o que não é um cenário de guerra civil. A maior oposição é o Partido Comunista, então o ocidente não tem expectativa de poder dócil na Rússia. Ou é Putin e seu grupo ou voltam os comunistas, provavelmente.

  • Penso que nivelar as invasões promovidas Obama/Bush e essa de Putin não está sendo justo. São contextos completamente diferentes, os dois primeiros invadiram para roubar e o segundo para se defender de uma agressão iminente. Ou não? Opinar que “não esgotou a diplomacia” é não ter acompanhado o histórico antigo e recente das investidas da OTAN/EUA sobre a Russia. Ha quantos anos e quantas vezes a Russia alertou que isso poderia acontecer? A invasão foi provocada, deliberadamente, incrível as pessoas não se darem conta que a Russia está se defendendo! A diplomacia foi no limite. O momento deve ter sido questão de estratégia militar, ou deviam esperar concluir os testes dos laboratórios clandestinos?

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