Valéria Lobão, uma intérprete irrepreensível, pro Aquiles Reis

Por Aquiles Reis

Estou eu aqui ouvindo o segundo CD da cantora Valéria Lobão, o álbum duplo Valéria Lobão – Noel Rosa, Preto e Branco (Tenda da Raposa). Após ouvi-lo – e eu recomendo que façam o mesmo assim que possível – percebi que eu nunca mais ouviria Noel Rosa sem que me viesse à cabeça o feitio como ele foi agora gravado por Valéria.

A ideia do álbum é simples: selecionar 22 obras do repertório de Noel, cantá-las sempre acompanhada apenas por um piano – um pianista diferente a cada faixa – e convidar seis intérpretes para dividirem o canto com Valéria em meia dúzia dessas obras-primas. Mas nem só de grandes clássicos vive o repertório – e este é um dos seus méritos: músicas praticamente desconhecidas foram gravadas por Valéria e seus parceiros pianistas.

Cada instrumentista se apoderou da canção que tocou, impregnando-a com seu talento; recriou levadas e harmonias; tocou introduções, improvisos e intermezzos que, de tão ardentes e intensos, nos trazem bons humores. Toda essa capacidade criadora reluz como uma pedra preciosa, habilmente tratada por um ourives do piano. É isso que Valéria Lobão recebe deles, seus cúmplices, ambos empenhados em dar às músicas de Noel Rosa um requinte que, na verdade, elas sempre tiveram, mas que agora ganha feições de reafirmada excelência.

Valéria canta e as notas deslizam suaves de uma para outra, das mais agudas às mais graves. Para cada faixa, doçura, malícia ou emoção; brejeirice, seriedade e senso rítmico. Suas divisões são ótimas, bem como a sua respiração. A afinação… bem, a afinação de Valéria Lobão é a mais que perfeita das suas qualidades – sem cera nem verniz, plena.

O CD 1 abre com “Pastorinhas” (Noel e João de Barro). Ao piano André Mehmari. Seu arranjo e a interpretação de Valéria dão a exata dimensão da ideia do projeto: revelar Noel Rosa de maneira incomum.

Tocado e arranjado por Rafael Vernet, “Só Pode Ser Você” (Noel e Vadico) traz na letra as mágoas de Noel com Ceci, o grande amor da vida do Poeta da Vila. Joyce Moreno e Valéria cantam e acrescentam ainda mais melancolia aos versos.

Com arranjo de André Mehmari, tocado por Robert Fuchs, “Sinhá Ritinha” (NR e Moacyr Pinto), obra pouco conhecida de Noel, tem bela melodia, cheia de notas, permitindo a Valéria exibir mais um de seus muitos dotes. Outro desses é sua interpretação teatral do buliçoso “Minha Viola” (Noel), arranjado e tocado por Leandro Braga. “Filosofia” (Noel e André Filho) está no CD 2, o arranjo e as interpretações de Itamar Assiere e Valéria são de um vigor arrebatador.

Tudo produzido, gravado, mixado e masterizado pelo pianista Carlos Fuchs, ele que criou o arranjo e dividiu “Último Desejo” com a intérprete, sucesso de Noel que fecha o CD 2.
E assim, Valéria Lobão vivenciou seu transe musical, em que o (en)canto ora se mistura às teclas, ora se distancia delas, mas sempre impondo a certeza de que a música não tem limite para ir à mais profunda beleza. Mesmo as de Noel Rosa.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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