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A crise dos refugiados e o fim da segunda globalização

Há algumas décadas, a euforia produzida pela implosão da URSS e a ascensão dos EUA à condição de potência global hegemônica, fez um escritor norte-americano proclamar o fim da história. Em pouco tempo, porém, a história retornou ainda mais desafiadora.

Sob a dupla Putin e Medvedev, a Rússia recuperou seu poder e estreitou relações com o regime de Pequim. A China parece estar predestinada a se tornar a locomotiva econômica do planeta. Os primeiros indícios de uma reconfiguração do equilíbrio instável entre os atores na cena internacional podem ser vistas na Ucrânia e na Venezuela. Os russos retomaram o controle da Criméia, conquistada e povoada por eles há alguns séculos. O ocidente apóia o regime de Kiev, mas as sanções econômicas da UE e dos EUA contra a Rússia só prejudicaram os agricultores europeus. A Venezuela recebeu garantia de apoio militar chinês e russo em caso de invasão norte-americana.  Os refugiados da Síria, cujo regime se mantém de pé com ajuda russa apesar de intensa pressão da Casa Branca, começam a produzir rachaduras no sistema europeu.

Alemanha, Bélgica e Inglaterra dão boas vindas aos sírios enfrentando oposições internas. A França está dividida entre aqueles que aceitam alguns refugiados e aqueles que os comparam aos bárbaros que invadiram o Império Romano. Na Itália e na Espanha, dezenas de milhões de italianos e de espanhóis empobreceram tanto que já se consideram refugiados europeus dentro da Europa. Após abusar da violência contra os sírios que fogem da guerra, alguns países (como Hungria, Bulgária e Ucrânia) estão fechando totalmente suas fronteiras e autorizando seus soldados a disparar munição viva contra os mesmos.

Em seu livro “A cultura mundo”, Gilles Lipovetsky e Jean Serroy, afirmam que:

“Nesse universo caracterizado por um consumo bulímico, pela intensificação da circulação de bens, das pessoas e das informações, os indivíduos dispõe de mais imagens, referências, modelos, e podem assim encontrar elementos de identificação mais diversificados para construir sua existência. Se a cultura global difunde em toda parte, via mercado e redes, normas e imagens comuns, ela funciona ao mesmo tempo como uma poderosa alavanca de arranque  dos limites culturais dos territórios, de desterritorialização generalizada, de individualização dos seres e dos modos de vida. As forças de unificação global progridem no mesmo passo que as da diversificação social, mercantil e individual. Quanto mais as sociedades se aproximam, mais se desenvolve uma dinâmica de pluralização, de heterogeneização e de subjetivação.”  (“A cultura mundo”, Gilles Lipovetsky e Jean Serroy, Companhia das Letras, São Paulo, 2012, p. 16)

Segundo Lipovetsky e Serroy globalização se caracteriza por três coisas: circulação de pessoas, bens e modelos; negação do nacionalismo e; desterritorialização. O conflito diplomático com a Rússia já interrompeu a circulação de mercadorias. As vagas de refugiados sírios estão sendo rejeitadas e/ou violentamente interrompidas. O renascimento do nacionalismo e do territorialismo excludentes rapidamente destruirão a circulação de pessoas e modelos em diversos países europeus. Em algum momento os conflitos entre os membros da UE por causa deste nacionalismo se tornarão insuportáveis e o sonho de integração européia e de globalização pacífica irão explodir como se fossem bolhas de sabão.

E nós, brasileiros? Em razão do isolamento geográfico, o Brasil está condenado a ser uma potência sul-americana integrada economicamente aos seus vizinhos e com alguma projeção econômica no litoral africano. A China já é o maior parceiro comercial do Brasil e nada indica que aquele país deixará de ocupar esta posição num futuro próximo. A Rússia pode vir a ser uma grande parceira econômica, mas isto dependerá do nosso país aproveitar as oportunidades abertas pela estupidez norte-americana e européia. Os conflitos no Oriente Médio não interessam ao Brasil e, em geral, os brasileiros não rejeitam imigrantes com a mesma xenofobia que europeus e norte-americanos.

A primeira globalização ocorreu quando os portugueses, empregando métodos árabes e mão de obra africana, produziam açúcar no Brasil para abastecer a Europa. Este fenômeno duradouro foi totalmente interrompido com as guerras napoleônicas. A segunda globalização, protagonizada pelos EUA e pela UE desde os anos 1990, está deixando de existir com o retorno da história após seu suposto fim. Uma terceira globalização pode estar começando. As oportunidades para o Brasil são imensas, especialmente se não entregarmos o Pré-Sal e a Petrobras aos gringos e se preservarmos a paz no Atlântico Sul. 

Fábio de Oliveira Ribeiro

Fábio de Oliveira Ribeiro

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