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A fila de processos no STF está parada

Mensalão atrasa ações sobre ensino religioso e aplicação da Lei Seca, por exemplo

Aumenta número de processos à espera de julgamento no STF

 

 

 

Ministros do STF julgam o processo do mensalão O Globo / André Coelho

BRASÍLIA – Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) entraram no segundo mês de julgamento do processo do mensalão. Enquanto isso, a fila não anda. Por mais histórica que seja a Ação Penal 470, há outras, muitas, matérias de relevância nacional que têm de ser votadas em sessões plenárias (aquelas que dependem da presença de todos os ministros): 722, mais precisamente. São temas como ensino religioso nas escolas, aplicação da Lei Seca, licitações da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016 e cobranças bilionárias de impostos por lucros no exterior de empresas como Vale e Petrobras. Todos engarrafados à espera do desfecho do mensalão.

 

O número de matérias liberadas para entrar na pauta de julgamento do STF só aumenta. O fato de estarem lá, porém, não garante apreciação rápida dos ministros. A maioria dos processos entrou na lista entre 2011 e 2012 (488), mas há outros aprovados para irem ao plenário desde 2000. Em geral, as mais relevantes são ações diretas de inconstitucionalidade (Adins).

Uma delas pode mudar o financiamento de campanhas eleitorais, uma das principais questões do julgamento do mensalão. Se a ação ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tiver sucesso no STF, candidatos e partidos políticos não poderão mais receber doações de empresas. A OAB fez essa investida no tribunal por acreditar que benefícios de empresas aumentam a distorção econômica entre os postulantes a cargos eletivos. A Adin, registrada há exatamente um ano, ainda não foi liberada para a pauta, mas promete fazer barulho:

— A contribuição de empresas aos candidatos em nosso país cria uma distorção muito grande em relação aos que têm apoio do poder econômico. E é essa distorção que a OAB quer evitar com a Adin. O sistema eleitoral deve ser pautado pela igualdade. Seria interessante se ocorresse uma união de esforços para que o julgamento dessa ação penal (mensalão) ocorresse ao mesmo tempo em que houvesse apreciação de matérias consideradas relevantes. A ideia da Ordem, com essa Adin, é possibilitar uma mudança no sistema eleitoral brasileiro — afirma Marcus Vinicius Coelho, secretário-geral da OAB nacional.

Por mais que entre na pauta, o julgamento pelo plenário depende de uma decisão do presidente da Corte, o ministro Carlos Ayres Britto. Na disputa e à espera dos destinos dos 38 réus do mensalão, há também uma Adin que, dependendo da decisão dos ministros, pode promover importantes mudanças no cotidiano de escolas públicas. Há mais de dois anos, em agosto de 2010, a Procuradoria Geral da República (PGR) ajuizou uma ação para que o ensino religioso só possa ser de natureza não confessional, com a proibição de admissão de professores representantes de religiões. Na prática, um professor leigo é que teria de ensinar sobre a disciplina, argumenta a PGR.

O alvo da ação é a lei resultante de um acordo entre a União e a Santa Sé, aprovada pelo Congresso em 2009 e promulgada em 2010, durante o governo Lula. A PGR argumenta que o texto do acordo fere o princípio de laicidade do Estado. Apesar de assegurar o respeito à “diversidade religiosa”, o decreto cita explicitamente a religião católica no seguinte trecho: “O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”. Na peça, a então procuradora-geral da República em exercício, Deborah Duprat, dizia que o conteúdo das disciplinas deveria expor doutrinas de diferentes religiões e também de correntes não religiosas, como ateísmo e agnosticismo, sem que educadores tomem partido. Assim, estaria assegurado o espaço de religiões com menos poder político.

O julgamento das contratações públicas para obras da Copa de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016 também promete fazer barulho, caso entre na pauta. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, já enviou ao STF parecer favorável à ação, que é contrária ao Regime Diferenciado de Contratações públicas (RDC), por considerar que, com ele, há menos transparência e controle de gastos. Se passar pelo Supremo, a Adin pode ter impacto no andamento das obras dos dois eventos. O RDC estabelece regras flexíveis em relação à Lei de Licitações. A Infraero adota o RDC para reformas de aeroportos. As obras do sistema de transporte VLT de Cuiabá também estão sendo feitas com esse tipo de regime, segundo a PGR. As obras dos estádios da Copa, no entanto, não estão usando o RDC, aprovado somente em 2011. Os projetos para os Jogos de 2016 ainda estão sendo feitos pelos processos normais de licitação.

Ao analisar as matérias pendentes no Supremo, o professor de Direito Público da UnB Mamede Said diz que, apesar de importante, o julgamento do mensalão, por ser extenso, poderia vir acompanhado por outras pautas:

— O Supremo tem se pronunciado sobre temas de muito impacto, como o dos anencéfalos e o da união homoafetiva. Agora, o mensalão, com toda a importância que ele tem e suas novas jurisprudências, não pode levar à paralisia do tribunal no sentido de ignorar que existem outros temas relevantes na agenda. O julgamento trará efeitos pedagógicos, deixará lições, mas o STF poderia ter contrabalançado com as outras ações — diz Said, defendendo o agendamento de sessões extras para que os ministros julguem outros assuntos, proposta já feita pelo ministro Marco Aurélio Mello.

O peso da ação penal do mensalão, com seus 41,5 gigabytes, 50.816 páginas (número que ainda cresce com certidões e novos requerimentos), 236 volumes e 500 apensos, trava também decisões em cascata. Há 267.156 processos em tribunais estaduais e federais que aguardam votação no Supremo. Eles estão, na linguagem jurídica, sobrestados. A partir do mecanismo chamado repercussão geral, uma decisão do Supremo sobre um processo gera um efeito em todas as outras ações semelhantes em tribunais inferiores.

Há, por exemplo, 26,2 mil processos empilhados em tribunais do Rio Grande do Sul à espera de uma decisão que tenha efeito dominó sobre reajustes de vale-refeição para servidores daquele estado. Há casos em que tribunais precisam alugar salas para armazenar tamanha quantidade de processos sobrestados.

A mistura de álcool e direção também está em vias de ser analisada pelo Supremo. Uma Adin da Associação Brasileira de Restaurantes e Empresas de Entretenimento (Abrasel) visa a excluir trechos da lei, como o que proíbe a venda de bebidas alcoólicas à beira de rodovias federais e determina como os agentes de trânsito identificam a embriaguez do motorista.

— Como todo o Judiciário, o Supremo está com dificuldades para deixar em dia seus processos, infelizmente. Espero que votem (a Adin) ainda neste ano, vamos cobrar do ministro Luiz Fux (relator). A ação declara inconstitucionais alguns aspectos da lei, como a falta de razoabilidade, o exagero dela. Você come um bombom e perde a carteira por um ano — ressalta o advogado Percival Maricato, que defende a Abrasel e aguarda a liberação da ação para julgamento.

A disputa judicial em torno dos impostos bilionários de empresas será resolvida no julgamento de uma Adin movida pela Confederação Nacional da Indústira (CNI). A ação questiona o momento da apuração da renda de uma empresa controlada ou coligada no exterior para incidência da Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). A CNI sustenta que a renda só pode ser tributada quando houver transferência efetiva de dinheiro para o Brasil, mas a Receita Federal, com base na legislação atual, estipula a incidência no momento do balanço das empresas.

Se não tiver sucesso, a Vale, que também ajuizou uma ação cautelar sobre o tema, teria de pagar à Fazenda Nacional valores de mais de R$ 30 bilhões. A Adin teria repercussão geral e também efeitos sobre outras empresas com situações semelhantes, como a Petrobras. Em outras instâncias, a Vale já pediu suspensão da cobrança com o argumento de que, se ocorresse dessa forma, traria consequências graves para a empresa, como a desistência de investimentos em meio ambiente, nas exportações e na criação de empregos, além de perda de valor no mercado de ações.

Também existe um recurso extraordinário que discute a obrigação do poder público de oferecer medicamentos de alto custo a portadores de doenças graves sem condições financeiras para custear o tratamento. O caso tem repercussão geral reconhecida, embora já exista jurisprudência para que juízes antecipem a tutela, ou seja, mandem o poder público pagar pelos remédios caso a caso. Há ainda, na fila, diversos outros temas de grande importância, como correção monetária nas cadernetas de poupança em decorrência dos planos econômicos Cruzado, Bresser e Collor I e II, alterações no Código Florestal e concessão de terras a quilombolas no Sul da Bahia.

Essa reportagem foi publicada no Globo a Mais.

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/pais/aumenta-numero-de-processos-espera-de-julgamento-no-stf-5991143#ixzz26mNim3he
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