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A manutenção da normalidade picareta

Entendo que um elemento fundamental para interpretarmos adequadamente a realidade atual é substituir a ideia de corrupção por outra mais adequada. Sugiro o conceito de “normalidade picareta” (favor não confundir com o presidencialismo de coalizão) segundo a qual o próprio sistema foi desenvolvimento para o favorecimento privado de determinados grupos em detrimento da grande maioria. Parece mais adequado uma vez que, sob a corrupção há a deterioração moral de um esquema que foi concebido para ser sério, o que não aparenta ser o caso.

Com muita perplexidade tenho lido as notícias sobre política tanto em veículos tradicionais quanto de esquerda. De um lado, gente divulgado notas duvidosas de gente aparentemente mergulhada até os cabelos nas mais diversas falcatruas (por aparentemente mergulhadas leia-se investigadas) e de outro o pessoal criticando as notas oficiais como se acrescentassem algo. Parece que estamos todos à espera de um “pacto por cima”, tradicional entre nós brasileiros, que realinhe políticos e empresários e nos leve de volta à normalidade (picareta). O caminho para esse pacto seria a “agenda das reformas” pelos quais empresários diminuiriam seus custos com a manutenção do Estado e com mão de obra e os políticos seriam poupados de toda a sanha investigatória. Não há muito o que se esperar dos políticos e a competição do ramo empresarial sempre vê na lógica do “se eu não fizer outro vem e faz” a resposta para essa “normalidade picareta”. A questão que se coloca e sempre se colocará é a de que os empresários sempre aceitaram e, parece que continuarão aceitando, serem acossados pelos políticos desde que possam os utilizar para oprimir o povo!

No intuito de descrever esse cenário, vários articulistas buscam diversas alegorias que apresentem de maneira didática, mas sem ir ao âmago da questão: a única ideia que os grandes partidos representam, salvas algumas exceções de limitadíssimo sucesso político justamente por não aceitarem a mesma prática, é a do ganho pessoal de seus dirigentes. O ganho pessoal pode ser qualquer coisa, desde as regalias  dos cargos públicos até a propina deslavada. A única filosofia que cultivam é a de poderem andar de jatinhos particulares e ostentarem a riqueza em lugares paradisíacos. É o consumismo pregado pela filosofia “neoliberal” segundo a qual uma pessoa vale o quanto pode consumir, pois o mercado se encarrega de remunerá-la de acordo com o que “contribui para a sociedade” (imagina o Michel Temer que anda em jatinhos de desconhecidos, como contribui para a sociedade).

Os partidos de direita não defendem a propriedade privada por ideologia, mas porque são dirigidos por homens ricos (leia-se abarrotados de propriedade privada). Os próprios partidos são propriedade dos políticos e não espaços para o debate de ideias (por isso que vira e mexe um camarada fica bravo, sai do partido para fundar seu próprio). Esses políticos não são liberais por acreditarem na livre iniciativa como força motriz do desenvolvimento mas para defenderem a sua liberdade de fazer o que quiser sem serem incomodados. Atribuir esse pensamento ao liberalismo defendido por Adam Smith, Stuart Mill, Hayek ou Mises é idiotice! Do lado da esquerda, a ascensão do Partido dos Trabalhadores ao poder mostrou-se outro fiasco. Sem questionar a lógica do consumismo, aceitaram a “normalidade picareta” e também aceitaram usar  a política para enriquecer.

Por último, cabe lembrar aos empresários, os verdadeiros donos do poder, o que essa parceria com a classe política tem provocado. Preferir pagar propina a recolher impostos ou pagar por terem leis aprovadas parece um bom negócio. Entretanto, aparentemente, essa parceria toma contornos de subordinação quando há a obrigação desses repasses. Em 1964, a ditadura também caçou e quebrou empresas. A Odebrecht ganhou o mundo apoiado pelas políticas da ditadura. Na farsa que se repete hoje está próximo de quebrar, junto com a maior empresa brasileira, a JBS. Não foram poupados aneis ou dedos, Marcelo Odebrecht e o ex-ricaço Eike Batista estão presos e o Joesley Batista ameaçado de morte. Escolho três perguntas para terminar o texto: Se esses empresários não foram poupados, quais seriam? Na próxima crise (que pode ser amanhã, ou daqui 30 anos) quais empresários serão sacrificados? Se os empresários também sofrem na mão dos políticos, quem ganha com essa “normalidade picareta”? É realmente mais vantajoso sustentar políticos a propina do que dar dignidade ao povo?

Redação

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