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Dataprev: sindicância fabricou um escândalo para impedir avanço do SUSE Linux na empresa

do Capital Digital

por Luiz Queiroz

A sindicância interna instaurada na Dataprev, que subsidiou a decisão da Controladoria-Geral da União de demitir por justa causa o funcionário José Claudio de Lima Siqueira, foi criada com o nítido objetivo de abafar uma decisão ilegal de impedir a implantação da versão SUSE do sistema operacional Linux no ambiente da empresa. De 2011 até 2019 a Dataprev era atendida exclusivamente pela Red Hat. A ideia era ter outra revenda de versão do sistema operacional Linux, de forma a gerar uma concorrência comercial interna entre os fornecedores, conforme definição do Plano de Ação aprovado pelo Conselho de Administração. Isso não ocorreu e a revenda SUSE foi impedida de prestar o serviço, apesar do seu contrato ser 47% mais barato que o da revenda Red Hat.

O contrato SUSE foi deixado de lado até 2021, quando surpreendentemente a Corregedoria da Dataprev, na época comandada pelo auditor da Controladoria-Geral da União, Wesley Ferreira, decidiu investigar uma suposta irregularidade por indício de corrupção. Comissão de Sindicância foi formada na empresa e encerrou os trabalhos no final do ano passado, acusando apenas o funcionário José Claudio de Lima Siqueira por improbidade administrativa, desídia e mau procedimento. O Corregedor Wesley afastou a hipótese de improbidade, por entender que não haveria elementos para isso, após constatar que a Sindicância não encontrou nada que levasse à essa conclusão.

Curiosamente o Corregedor concordou com as demais acusações de desídia e mau procedimento da Sindicância, que só viu irregularidade cometida por apenas um funcionário de quarto escalão, que tinha a ficha funcional impecável, e nenhum poder para passar por toda a cadeia hierárquica e assinar sozinho uma contratação de software na empresa. O caso misteriosamente foi parar na Controladoria-Geral da União que aplicou agora a justa causa. O funcionário ainda tem prazo para recorrer.

SUSE x Red Hat

A briga comercial SUSE/Red Hat começou a partir de 2017, quando a estatal decidiu aprovar um “Plano de Ação para 2018”. Para entender os motivos dessa briga é preciso entender primeiro, que tal plano numa estatal não sai da cabeça e da decisão de um simples diretor ou do presidente da empresa. Trata-se de um planejamento estratégico que passa por diversas instâncias dentro da empresa. E ele somente é posto em prática, depois que passar pelo criterioso crivo do Conselho de Administração.

Superada essa fase administrativa o Plano de Ação começou a ser posto em prática em 2018. E um dos pilares que sustentavam as ações da empresa na época era “reduzir as dependências das tecnologias e seus recursos e respectivos fornecedores identificadas no plano de independência tecnológica, produzido no PA 2018, para flexibilizar as arquiteturas das aplicações e viabilizar melhores condições de negociação de renovação e aquisição de infraestrutura de hardware e software”.

A contratação por R$ 4.619.722,00 da revenda da versão Linux da SUSE – a Tecnisys Informática e Assessoria Empresarial Ltda – ocorreu em 2018 justamente levando em conta as novas diretrizes no Plano de Ação. Que vislumbrava na época com a nova contratação, a possibilidade da Dataprev obter em 2019 uma redução de valores nos contratos e serviços de instalação do sistema operacional que mantinha com certa exclusividade junto à fornecedora Ingram Micro Brasil Ltda, na versão Linux da Red Hat. Solução esta, instalada desde 2011 na empresa.

Pressão e demissão

Não foi o que ocorreu. O então diretor de Tecnologia e Operações, Matheus Belin, passou a incomodar dentro da estatal, ao negar novos pedidos de contratação de mais licenças Red Hat. Seu argumento para negar era justamente que a empresa agora passava a contar com as licenças SUSE em caso de novas demandas e necessidade pela área técnica da Dataprev.

A Red Hat, sentiu a dificuldade de continuar exercendo o seu “monopólio” dentro da Dataprev, após a chegada da SUSE, e tratou de se movimentar nos bastidores para impedir o avanço da concorrente. Acabou, logrando êxito, ao ser ouvida pela nova presidente da estatal, Christiane Edington, que assumiu o cargo em 28 de fevereiro de 2019. A executiva tinha acabado de entrar na empresa pública com a chegada do Governo Bolsonaro. E foi a primeira mulher a comandar a estatal, fato que só teve paralelo com Glória Guimarães, que ocupou a presidência do Serpro.

Edington passou a tomar partido em favor da Red Hat. Deixou claro dentro da estatal que não teria que haver dois fornecedores Linux. Com esse discurso, jogou por terra todo o planejamento estratégico de redução da dependência tecnológica elaborado no governo Temer, mesmo com a versão Linux SUSE já tendo sido contratada pela empresa.

Mas a participação de Christiane Edington nesse episódio não se restringiu apenas a declarar sua predileção pela manutenção exclusiva de uma revenda Linux. Ela foi a responsável direta por um novo contrato com a Red Hat, num episódio de cair o queixo.

Naquela época, ainda numa fase de transição de governos Temer/Bolsonaro, Christiane tinha de conviver com a presença do diretor de Tecnologia e Operações, Matheus Belin, que não fazia parte da equipe dela, embora até pudesse vir a permanecer no cargo, se a nova presidente sentisse confiança no trabalho executivo. Mas não demorou para ela perder qualquer esperança de contar com ele, pois Matheus não cumpria cegamente as ordens dela.

A gota d’água no conturbado relacionamento entre os dois ocorreu justamente com a disputa comercial interna entre as revendas Linux. Christiane queria que Matheus Belin assinasse mais um contrato da Red Hat, além do que a empresa já tinha em paralelo com o da SUSE. Matheus voltou a usar os mesmos argumentos que sempre usava para negar novos acordos Red Hat, alegando que dispunha do Linux SUSE para cobrir qualquer eventual demanda.

Ao se recusar a assinar um novo contrato, como queria a nova presidente da estatal, Matheus Belin avalizou a sua degola. Irritada com a recusa do diretor, a nova presidente da Dataprev Christiane Edington o demitiu, após receber autorização do Conselho de Administração, no dia 21 de maio de 2019.

E já no dia seguinte à queda de Matheus, no dia 22 de maio, usou a caneta para garantir um novo contrato da versão Red Hat com a Ingram, no valor de R$ 11.345.849,28. Sua assinatura foi acompanhada pela do diretor interino André Côrte, que com a saída de Matheus Belin, também passou a acumular a Diretoria de Tecnologia e Operações da Dataprev, além de outras três que já atuava na interinidade.

Improbidade administrativa

Resolvido o problema da Red Hat, Christiane Edington tinha de solucionar, também, o imbróglio criado com a presença da SUSE. Como justificar novos contratos com a Ingram Micro, se havia a disponibilidade de usar o SUSE, da Tecnisys? A solução dada por ela também foi de cair o queixo.

Para substituir Matheus Belin, que caiu em maio de 2019, a presidente da Dataprev fechou com a indicação de um técnico que veio da iniciativa privada chamado Fabio Koreeda, para a Diretoria de Tecnologia e Operações. Porém, Koreeda ainda teria de passar pelo crivo da Casa Civil da Presidência da República.

Cansada de esperar pelo sinal verde da Casa Civil, Christiane Edington tomou a decisão de conceder a seu apadrinhado um crachá de diretor e até mandou criar para ele uma matrícula funcional na Dataprev, sem que sequer tivesse a garantia da aprovação do nome de Koreeda pela Casa Civil.

Fabio Koreeda passou a andar pelas dependências da Dataprev, inclusive em áreas sensíveis como os data certers, sem ser impedido por ninguém. Afinal de contas, ele portava um crachá e tinha matrícula como se diretor fosse. Seu poder dentro da empresa era inquestionável, até mesmo quando começou a mandar suspender contratos de serviços na estatal. E um deles qual foi? O de serviços da Tecnisys, para implantação da versão Linux SUSE.

Ocorre que suspender, como ocorreu também com outros contratos, não significava necessariamente cancelar. E sem ordens de ninguém para isso, o contrato com a Tecnisys foi se arrastado dentro da empresa, sem praticamente nenhuma execução. Na área de transparência da Dataprev consta apenas uma pequena aquisição de uso de licenças implantadas na estatal, que gerou um pagamento de R$ 424.317,76.

Kooreda acabou não sendo aprovado pela Casa Civil e Christiane Edington meses depois perdeu o cargo de presidente da Dataprev. Um dos motivos para a sua queda foi uma greve geral ocorrida na empresa, da qual o funcionário José Claudio de Lima Siqueira, o demitido agora por “justa causa”, participou como vice-presidente da ANED – Associação dos Funcionários da Dataprev.

Mas Christiane acabou reabilitada pelo Ministério da Economia, graças ao apoio da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, e assumiu o comando do Conselho de Administração. E de dentro do CA da Dataprev ela comanda toda a área jurídica, de controle e governança da empresa. Vem buscando meios para tentar apagar dos registros das decisões erradas que tomou na estatal.

Restam dúvidas e faltam esclarecimentos sobre a atual situação do contrato SUSE, da Tecnisys. Na página de transparência da Dataprev, que é uma bagunça, não fica claro se o contrato está realmente “ativo”, como informa, uma vez que na mesma tela vê-se que a sua vigência se encerrou no dia 18 de junho deste ano.

Enquanto não se tem informações sobre esse mistério, a Ingram Micro já conseguiu reajuste no valor inicial do contrato de R$ 11,345.849,28, assinado por Christiane Edington. Hoje, segundo o mesmo portal, a revenda Red Hat já elevou o contrato para R$ 15.626.034,73.

Redação

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