Os avanços tecnológicos atuais, umbilicalmente ligados ao capitalismo neoliberal, impulsionam o consumismo. O capitalismo neoliberal se baseia na criação e consequente consumo cada vez maior, baseado em necessidades criadas pelo próprio sistema, não em necessidades “reais” da espécie humana.
Os produtos, principalmente depois da Revolução Industrial, são produzidos de forma centralizada, diferente dos antigos produtos “artesanais”, produzidos em pequena escala nos locais próximos ao consumo, e sua distribuição e venda implica em custos financeiros e ambientais.
De acordo com Bernardes e Ferreira (2003), “a produção de um excedente é a condição necessária para que ocorra a troca regular de valores de uso. Com a produção para intercâmbio, o objetivo imediato para a produção passa a ser o valor de troca. Para criar mercadoria é necessário não só produzir valor de uso, mas transferi-lo para outros meios de troca. Entretanto, como acentua Marx (1985) ninguém em seu isolamento produz valores: as coisas só se tornam valores em sua relação social.”
Os produtos interiorizam valores muito altos com propaganda, imagem, “branding”, entre outros, desde a criação, design do produto até a propaganda propriamente dita, as pesquisas de opinião, e outros. Essa preocupação com a imagem não faz parte do valor do produto “per se”, ou valor de uso, mas sim, uma valoração artificial do produto, gerando o chamado valor de troca. Essa questão da propaganda têm gerado discussões em diversas frentes pelos elevados valores que movimenta.

Klein (2004), em seu livro “Sem Logo”, critica firmemente o excessivo valor que empresas gastam para gerar imagem em suas marcas para proporcionar um estilo de vida artificial em seu consumidor-alienado. Para as grandes marcas, não há valor em produzir, o valor de uso é pequeno. O grande objetivo é produzir valor de troca, ou seja, o valor é agregado pelo marketing, e não pela produção que, apra elas, deve ser terceirizada a custos cada vez menores (Lembram-se da Reforma Trabalhista?)

Para citar alguns exemplos de produtos com elevado valor de troca porque são, no imaginário liberal-consumista “criadores de imagem positiva”, temos roupas de griffe (Polo, Gucci, Lacoste), e outros acessórios (as mochilas Kipling e bolsas Louis Vuitton). Eles possuem um “valor real” muito inferior ao “valor de mercado”.

Essa criação de imagem, inclusive, é um estímulo forte à criminalidade, como é possível ver em qualquer programa policalesco da tarde e em livros como Capão Pecado e Manual Prático do Ódio, do Ferréz, Abusado e CV-PCC de Caco Barcellos, entre outros.

Esse consumismo da “imagem” fabricada tem, obviamente, implicações ambientais importantes, ao estimular o desenvolvimento tecnológico subordinado ao modo de produção neoliberal, que tem como último objetivo o lucro, não a satisfação das necessidades. Um bom exemplo é o grande número de vendas de carros como Cherokee nos EUA e Ecosport no Brasil, ambos idealizados como “off-road”, mas largamente utilizados nas cidades. Não há uma real necessidade do uso desses carros em ambientes urbanos, mas a “imagem fabricada” pela propaganda e pelo “desenvolvimento tecnológico” faz com que eles sejam muito consumidos, apesar dos problemas ambientais (alto consumo de combustível e matéria-prima, maior emissão de poluentes) e urbanos (ocupam mais espaço e causam mais “trânsito” que os carros compactos que atenderiam as necessidades do dono do carro).

O desenvolvimento tecnológico atrelado ao lucro também é prejudicial às populações pobres do mundo em muitos aspectos. Um deles é a questão da saúde, onde os grandes laboratórios, com muito dinheiro, recursos técnicos e humanos (muitas vezes até com estímulo e financiamentos do poder público) aceleram a produção de remédios e outros produtos (desenvolvimento tecnológico) que, ao invés de cumprirem a “função social” de servir à espécie humana, são feitos para dar lucro. Assim, grandes doenças “tropicais” como a malária, dengue, desinteria, cólera, são negligenciadas, pois acometem majoritariamente a população pobre, ao passo que remédios para problemas cardíacos, obesidade, disfunções sexuais são amplamente pesquisados, produzidos e vendidos, pois atendem à parte da população mundial que tem condições de comprar (consumir) os medicamentos (produtos).

Com esse exemplo, pode-se perceber que o desenvolvimento tecnológico não é igualmente distribuído, muito ao contrário. Ele, mais até que os recursos naturais e financeiros, tem a distribuição muito desigual, e quem detém a técnica, a tecnologia e os meios de produção, detém verdadeiramente o poder, enquanto os outros ficam à margem de qualquer processo e são os que sentem mais fortemente os problemas, inclusive os ambientais. E essa distribuição é um problema ambiental muito maior que o suposto esgotamento dos recursos naturais e o crescimento populacional, uma vez que são os países ricos (e seu grande desenvolvimento tecnológico) que produzem mais resíduos e consomem mais matéria-prima. Esses recursos naturais, são retirados, na sua grande parte, dos países em desenvolvimento, e muitos dos resíduos também são dispostos nesses, causando muitos problemas ambientais “importados”.

A afirmação, desta forma, é correta, pois a crise é civilizatória. É preciso que os meios de produção e os recursos sejam mais igualmente distribuídos e que o desenvolvimento tecnológico esteja à serviço da humanidade, não do lucro nem da imagem. Como afirma Kempf (2010) no título do seu livro, é facil perceber que os ricos destroem o planeta

 

Referências

BARCELLOS, Caco. Abusado – O Dono do Morro Dona Marta. Rio de Janeiro: Record, 2003
BERNARDES, Júlia Adão; FERREIRA, Francisco Pontes de Miranda. Sociedade e natureza. In: CUNHA, Sandra Baptista da (Org.); GUERRA, Antonio José Teixeira (Org.). A questão ambiental : diferentes abordagens. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. Cap. 1, p. 17-41.
FERRÉZ. Manual Prático do Ódio. Rio de Janeiro: Objetiva, 2003
FERRÉZ. Capão Pecado. São Paulo: Labortexto, 2000

KEMPF, Hervé. Como os Ricos Destroem o Planeta. São Paulo.Globo, 2010

KLEIN, Naomi.Sem Logo: a tirania das marcas em um planeta vendido. Rio de Janeiro: Record, 2004

 

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Redação

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