Janaína Dutra – Uma dama de ferro
Direção: Produção: GRAB – Grupo de Resistência Asa Branca
Duração: 50 minutos
Cor (NTSC) – Estereo – DVD
Video Digital
Brasil – 2011
Nos ensinaram a carregar hasteada à frente a bandeira do pênis
Nos ensinaram a carregar atrás um ânus com armadura.
Nos ensinaram assim a carregar meia vida à frente e meia morte atrás.
Nos ensinaram tudo errado.
(Glauco Mattoso)
O sertão se invade de chuva; a secura vira música; a visão se alaga com a possibilidade de vida, de liberdade. A chuva invade o sertão e dá ao broto Jaime um botão de rosa: Janaína. Um anjo torto se apressou em se vestir de menino. Na pressa, na confusão de lhe enviar o mister apressaram sua vinda e também sua partida. A morte e a vida presentes num complexo conjunto entre vitórias e derrotas. Começar pela morte de Janaína é manter a flâmula panfletária da vida. Do sertão, passando pelo mundo e voltando ao sertão; essa foi a trajetória de Janaína Dutra – Uma dama de ferro, filme de Vagner de Almeida.
O documentário não peca em nenhum elemento. A câmera parece se confundir com o olhar do espectador, que parece ladear ou mesmo encarar de perto os depoimentos sinceros. Parece que estamos sentados do lado da mãe dele: firme, orgulhosa, ao lado das memoráveis fotos do filho, como ela mesma disse que fora o filho que mais lhe dera orgulho. E não poderia ser diferente. Ceará, Canindé, Brasil instâncias que por si só definiriam os rumos predestinados de um menino que brincava com saltos altos. Ele, pois ainda o resquício sexista o colocava nesse entre-lugar, nesse caminho, ainda trilharia pelo gênero que não escolhera na pressa infame da vestimenta correta. Mas ele foi além do que a secura e a fatura do sertão sempre proporcionam. No caso de Janaína, a fartura veio do seio de uma família acolhedora e a secura veio do mundo de fora, da selva de pedras, da Fortaleza.
Difícil não me colocar nesta resenha, não tomar emprestado a perspectiva da indireta livre do cineasta e me – nos enxergar como nordestinos – enxergar em cada situação, em cada rosto sofrido em cada depoimento cheio de orgulho. Vagner soube com poesia captar momentos em que a própria poesia fluía desses coadjuvantes da vida de Janaína. Cada palavra pareceu ensaiada, por tão perfeita ser a demonstração de carinho, amizade e respeito pela ativista.
Janaína segurou o troféu com orgulho de ser a primeira travesti com registro na OAB e na atuação até altruísta como advogada – perdoem-me o português machista, vou usar o gênero feminino – e lutadora pela causa das travestis. Uma espécie de Messias de cajado ao doutrinar seu povo, o Outro. O conhecimento como libertação. A porta pela qual ela se travestia de orgulho, de onde podia entrar e sair como cidadã, sem ter que se prostituir, sabendo ser esta, a prostituição, a porta escolhida por muitos outros. Mas cônscia de que poderia não era a única.
Sua luta encampou não somente a luta pela questão do travesti, mas pelos direitos humanos sendo vítima e protagonista de sua própria ideologia. Foi presa, mas logo se soltou como se pudesse brincar de pique-esconde; ou como se pudesse protestar pelas as arbitrariedades do mundo heteronormativo. Pergunto-me: que não estava preparado para o mundo? Quem foi a vítima? São perguntas que nos faremos antes e depois do documentário.
Janaína lutou contra a própria sorte, mas antes esteve envolvida na colaboração com o Ministério da Saúde na elaboração da primeira campanha de prevenção do HIV/AIDS
entre travestis; participou de vários eventos que promoviam a instrução sobre políticas públicas, entre outras manifestações de sua ideologia e do seu corpo.
A pressa em vestir o vestido trouxe a ligeireza no pensamento, e a cobrança do ticket de passagem. O bom do documentário é de registrar ainda em vida a força, a voz, o corpo e a coragem da personagem protagonista de várias outras histórias. Assistir a sua vida documentada e relatada pelos seus parentes e familiares é mais do que um simples registro. O cineasta soube alinhavar todas as costuras possíveis de sua trajetória, confeccionando uma chita mágica, reveladora de todo o legado deixado por essa travesti que tinha nome.
Impossível não acompanhar o choro nada contido de todos os entrevistados ao final do filme. O choro parece unívoco embalado pela trilha sonora final. Maria Betânia dá sentido e poesia a vida de quem lutou por um ideal sem pestanejar sequer um minuto. Nada parecia ser impedimento. Talvez seu letramento a libertasse e a aprisionasse, mas o fato de ser o que era, mais libertou a nós do que a tornou cativa.
Um belo documentário digno de um *prêmio.
* 5º For Rainbow Festival de Cinema e Cultura da Diversidade Sexual, homenagem ao filme.
* A Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo – 11* Prêmio “Cidadania em Respeito à Diversidade – melhor documentário e também pela trajetória como cineasta ativista
Blogue do artista:
http://www.vagnerdealmeida.com/
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