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MULHERES: A ENTRADA NO MERCADO DE TRABALHO SAUDITA

Apesar do apoio do governo, barreiras culturais ainda apresentam enormes desafios.

Há aproximadamente cinco anos, Shroog Radain, uma auxiliar de docente de 29 anos na Universidade  Rei Abdul Aziz em Jedá [segunda maior cidade da Árabia Saudita], achou o nicho perfeito para seus dotes no ofício de padeira e confeiteira. Ela fundou a Mini Bites, uma pequena empresa sediada na rua Quraish no distrito Al-Salamah de Jedá.

Radain incorporou sua amiga, Maha Aboulola, também de 29 anos, como sua parceira e nomeou seu marido, Mowaffaq Aboulolaa, como gerente de marketing da Mini Bites. Radain e Aboulola supervisionam toda a operação.

A Mini Bites é especializada em doces caseiros, cupcakes e canapés, inclusive os tradicionais doces assados árabes.

“Nós estamos indo bastante bem,” disse Radain recentemente. “Nós cozinhamos para casamentos e vamos a convenções de gastronomia e exposições sobre casamento.”

A companhia continua pequena, e Radain e Aboulola, esta última uma jornalista, ainda não abandonaram seu empregos diários, mas a página da Mini Bits no Facebook ostenta sozinha 1.000 membros e tem um grupo fiel de seguidores.

Radain e Aboulola, filhas de pais liberais de classe média-alta, são a nova face do empreendedorismo feminino saudita. Elas chegaram à fase adulta após o 11 de setembro com uma boa quantidade de rials [moeda saudita] nas mãos e com a ambição de traçar seu próprio destino tentando se afastar de empregos femininos tradicionais, como na área da educação.

Estudos realizados na Arábia Saudita por usinas de ideias estrangeiras mostram que nos últimos dois anos as mulheres sauditas estão emergindo com influência. Mudanças na população e um bolso cheio de dinheiro estão dando às mulheres sauditas crescente influência econômica que seria impensável uma década atrás, apenas.

De acordo com o departamento de estatística da Arábia Saudita, a população do país cresceu de 7 milhões em 1975 para 25 milhões em 2009, incluindo os 7 milhões de trabalhadores expatriados que moram no reino atualmente. Sauditas com idade inferior a 34 representam 70% (13,3 milhões) da população total de 18 milhões de sauditas em 2009. Mulheres sauditas representam cerca de metade desse segmento etário.

No início do ano, a companhia de administração de recursos sediada nas Ilhas Caimã Al Masah Capital conduziu uma pesquisa que descobriu que mulheres sauditas controlavam um valor estimado entre 11 e 12 bilhões de dólares em recursos nos bancos sauditas. Ainda, a Câmara de Comércio de Jedá estima que as mulheres investem cerca de 1,9 bilhão de dólares no setor imobiliário.

No entanto, em 2010 o nível de investimentos femininos permanece baixo, uma vez que as mulheres sauditas não têm interesse ou estão impossibilitadas de investir seus fundos efetivamente. Um estudo da Câmara de Comércio de Jedá (“Empresárias na Arábia Saudita: Características, Desafios e Aspirações no Contexto Regional”, por Noura Alturki e Rebekah Braswell, Julho de 2010) relata que as mulheres sauditas não estão tirando vantagem de seus fundos.

Os investimentos e negócios de mulheres somam aproximadamente 4,3% dos negócios privados no reino. Ainda, 72,6% desses negócios sauditas registrados por mulheres se dão fora do ambiente doméstico e 92% deles possuem empregados na folha de pagamento. Os negócios das mulheres sauditas são geralmente design de interiores, moda, joalheria, salões de beleza, atacado/varejo, marketing, consultoria, organização de eventos e relações públicas.

Segundo o estudo da Câmara de Jedá, os obstáculos que impedem as mulheres sauditas de alcançarem paridade econômica com suas contrapartes masculinas são diversos, mas não intransponíveis. Os principais incluem:

• Ausência de infra-estrutura governamental para conceder licença empresarial para negócios orientados para mulheres como salões de beleza e creches;

• Ausência de transporte público e uma proibição de condução urbana para mulheres, o que leva a problemas de planejamento logístico e decorrentes gastos em transporte privado; 
• Severas restrições para viagens internacionais;

• Severas restrições para vistos de negócio para mulheres estrangeiras expedidos pelo governo ou iqamas (permissões de trabalho) para mulheres estrangeiras de trabalhadores expatriados;

• Recusa de alguns oficiais do governo em reconhecer mudanças nas leis que permitam investimento imobiliário, acesso a serviços públicos e procurações de entrega de direitos de trabalho;

• Ausência de poderes de tomada de decisão no governo nas seções relativas às mulheres;

• Ausência de acesso a mecanismos tradicionais de financiamento, como empréstimos bancários;

Mulheres sauditas com famílias que as apoiam conseguem superar muitos desses obstáculos. Assuntos de viagem são frequentemente resolvidos através de um documento do mahram da mulher (guardião masculino) lhe concedendo a possibilidade de viajar não só dentro do reino, mas também para outros países. Um salão de beleza pertencente a uma mulher pode ser aberto sob uma categoria de licença diferente como alfaiataria, uma vez que o licenciamento de salões de beleza não existe. Mulheres detentoras de carteira de identidade nacional podem abrir contas no banco e obter empréstimos pessoais, contudo, o limite de financiamento para empréstimos impede mulheres sauditas de se tornarem mais competitivas.

Mesmo que mulheres abram e conduzam negócios dessa maneira, isso não resolve o grande problema de oficiais de governo que não cumprem as mudanças na lei feitas especificamente para tornar mais fácil a condução de negócios pelas mulheres sauditas.

Uma mulher de negócios saudita que pediu para não ser identificada (pois está negociando uma série de acordos imobiliários) disse que levou dois anos para estabelecer seu negócio imobiliário. O primeiro obstáculo foi a lista de 24 mulheres investidoras [24 mulheres que criaram o Fórum Empresarial Oriental para o Progresso e Desenvolvimento para dar voz às mulheres no mercado de trabalho].

Oficiais do governo local estavam relutantes em lhe conceder a licença, mas nunca especificaram suas preocupações. O governo requeria um olhar mais aprofundado sobre a empresa, mas nunca informou sob quais leis e regulações. Finalmente, a mulher obteve sua licença.

Atualmente a Arábia Saudita tomou uma série de medidas para facilitar tais restrições. Talvez o passo mais significante tenha sido um esforço em 2005 pelo então ministro do trabalho Ghazi Al-Ghosaibi para permitir mulheres a trabalhar em lojas de lingerie. Al-Ghosaibi, conhecido por suas atitudes liberais com relação aos direitos das mulheres, encabeçou os esforços. Contudo, os donos de lojas se recusavam a empregar mulheres temendo a interferência de conservadores religiosos, particularmente da Comissão para a Promoção da Virtude e Prevenção da Imoralidade. Os esforços do ministério falharam, revelando que a teoria de aumento do poder feminino, mesmo dados a níveis máximos, não é compatível com a realidade de lidar com conservadores, que até 2010 possuíram poder de veto sobre muitas decisões governamentais.

O problema da loja de lingerie, contudo, serviu como iluminador para movimentos ousados do governo saudita que obtiveram sucesso. Em 2008, o governador de Meca [terceira maior cidade da Arábia Saudita, considerada sagrada], príncipe Khaled Al-Faisal, aboliu a lei que proibia homens e mulheres de interagir enquanto conduziam seus negócios. No mesmo ano, o ministério do trabalho sob Al-Ghosaibi tornou legal permitir mulheres não só escolher onde trabalhar, mas também não mais precisar pedir a permissão de seumahram para procurar trabalho ou trocar de emprego.

Decisões ministeriais são geralmente respostas para a alteração de atitudes sociais do reino. Mesmo que Al-Ghosaibi, que morreu em agosto, tivesse há muito se estabelecido como figura defensora do direito das mulheres de trabalhar no comércio, o ímpeto vem principalmente de mulheres nascidas após 1975. Elas chegaram à maioridade na época em que a internet estava em sua infância e, mais tarde, quando a televisão a satélite oferecia uma boa visão da cultura ocidental.

Ao se formar na Arábia Saudita e no exterior, as jovens estão menos propensas a vestir o niqab (véu facial) na Arábia Saudita e estão mais propensas a socializar em um ambiente misto. Ainda, shoppings de grande porte em Jedá estão cheios de mulheres sauditas que retiram seus hijabs [edumentária tradicional islâmica] e vestem abayas [vestimente islâmica semelhante a um vestido] abertas, um estilo desconhecido cinco anos atrás. A nova atitude levou à maré de mudança para o trabalho junto ao homem em universidades e negócios privados.

“As coisas estão diferentes agora”, disse Radain. “Sim, ainda é difícil encontrar empregos, mas começar seu próprio negócio pode solucionar esse problema e não necessita obrigatoriamente de muito dinheiro. Com trabalho duro, uma mulher pode ter sucesso in’shallah [expressão em árabe que significa “se Deus quiser].”

 

Rob L. Wagner

Tradução de Alexandre Spohr

Acesse o original aqui

Imagem retirada daqui

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