“Não vai replicar vídeo de Bolsonaro, pelo amor!”: Lava Jato temia associar imagem a radicais da direita

Jornal GGN – Mensagens trocadas entre procuradores da força-tarefa da Lava Jato mostram que o grupo temia associar a imagem com políticos, especialmente com o então deputado federal Jair Bolsonaro (PSL) e “outros radicais de direita”, como disse o coordenador da Lava Jato no Ministério Público do Paraná, Deltan Dallagnol, no dia 7 de dezembro de 2016 aos colegas.

Em parceria com o The Intercept Brasil, que recebeu de uma fonte anônima mensagens privadas de integrantes da força-tarefa, o UOL divulgou nesta quarta-feira (14) os trechos referentes a essa preocupação dos procuradores.

No dia 5 de outubro de 2016, no grupo privado ‘Filhos do Januário 1’, aberto no aplicativo Telegram, Deltan Dallagnol comunicou aos colegas que tinha recebido dois prêmios individuais, e que iria pedir aos organizadores para convertê-los em uma premiação à equipe da Lava Jato.

Um dos prêmios em questão era o “Liberdade 2016”, entregue no dia 22 de outubro daquele ano no Transamérica Expo Center. Ele é concedido pelo Fórum Liberdade e Democracia, organizado pelo Instituto de Formação de Líderes de São Paulo.

5 de outubro de 2016 – Filhos do Januário 1

Deltan Dallagnol – 15:25:09 – Caros, estão me contatando para dois prêmios individuais. Por uma questão de justiça evidente, estou pedindo, em ambos os casos, para converterem em uma premiação à equipe da FT, pois o trabalho é coletivo.
Deltan Dallagnol – 15:25:56 – Se não for possível, em razão do tipo de prêmio, vou receber porque me parece positivo para a LJ, mas vou pedir para ressaltar de algum modo, preferencialmente oifical, que entregam a mim como símbolo do trabalho da equipe.
Athayde Ribeiro Costa – 15:26:11 – de onde são, Delta
Deltan Dallagnol – 15:27:04 – Instituto Ética nos Negócios e Instituto de Formação de Líderes. Os dois foram checados e os indicativos são de seriedade. O último existe há décadas e já premiou algumas grandes personalidades.
Athayde Ribeiro Costa – 15:27:28 – legal

*A grafia das mensagens foi preservada tal como constam no kit entregue por uma fonte anônima ao Intercept.

Alguns dias antes do vento, um assessor da força-tarefa pediu para Dallagnol não participar da premiação do Fórum Liberdade porque Bolsonaro estava entre os convidados e havia risco de associar a imagem da Lava Jato ao então deputado federal.

19 de outubro de 2016 – Conversa com assessor 1

Assessor 1 – 23:28:11 – vc vai mesmo no evento deles neste sábado? com Bolsonaro como palestrante? por favor, repense…
Assessor 1 – 23:31:22 – por favorzinho…
Assessor 1 – 23:34:50 – tudo o que vc e a FT não precisam é serem “associados” ao Bolsonaro. é a mesma coisa que receber prêmio do Foro de BSB. estou quase implorando…
Deltan Dallagnol – 23:36:44 – estou te ligando
Deltan Dallagnol – 23:36:46 – péssimo isso aí
Assessor 1 – 23:36:51 – ok

Alguns minutos depois Deltan escreveu ao assessor as coordenadas para cancelar sua participação no evento: “Imprevisto. Mil desculpas. 1-Ver se Roberto Livianu poderia representar, ou se gostaria que indicasse outra pessoa do MPF/SP 2-Dizer que gostaria de reembolsar pessoalmente os custos 3-Dizer que eu gostaria de enviar um ofício de agradecimento em nome da FTJL e perguntar para quem envio.”

Em seguida, Dallagnol avisou aos colegas da FT que não compareceria mais ao evento para receber a premiação.

20 de outubro de 2016 – Filhos do Januário 1

Deltan Dallagnol – 00:06:54 – Caros, apenas FYI [para conhecimento], estou cancelando a ida para o premio à FT [força-tarefa da Lava Jato] em SP por revisão da recomendação da ASCOM após sair a programação do evento, que tem perfil mto de direita, com Jair Bolsonaro como um dos vários palestrantes e com homenagem a um vereador de SP que foi um dos líderes do impeachment. Indicarei Roberto Livianu (que entregaria o prêmio) ou Thamea como representantes da FT para receber o prêmio.

Entre os participantes confirmados no evento estavam, além de Bolsonaro, o vereador Fernando Holiday (DEM-SP), do MBL, e a candidata a vice-presidente em 2018 na chapa de Geraldo Alckmin (PSDB), a senadora Ana Amélia (PP-RS).

Dois dias depois da mensagem de Dallagnol no grupo Filhos do Januário 1, o promotor Roberto Livianu, que também preside o Instituto Não Aceito Corrupção, recebeu o prêmio em São Paulo.

A reportagem do UOL destaca que Bolsonaro foi recebido na mesa de debates pelo presidente do Instituto Mises Brasil, Helio Beltrão, enquanto a plateia gritava: “Mito, mito”.

No dia 7 de dezembro, o procurador Roberson Pozzobon disse no grupo Filhos do Januário 1 que Livianu entregou o prêmio para ele. Como a força-tarefa tinha acabado de receber, naquele mesmo mês, outras duas premiações – uma da Conferência Internacional Anticorrupção, no Panamá, e outra do Innovare, em Brasília -, comentou em tom de brincadeira se a Lava Jato poderia entrar no livro dos recordes, o Guinness Book. A resposta de Deltan foi:

“Prêmio bonitão heim??? Esse é aquele em que ele [Livianu] nos representou quando cancelei a ida para SP porque é um instituto liberal e estariam lá Bolsonaro e outros radicais de direita… guinness!!! Kkkk kkk”.

Deltan fez outras manifestações mostrando-se preocupado em ligar a imagem da força-tarefa a políticos da extrema direita. No dia 7 de novembro de 2016, ao pedir para um assessor relacionar os prêmios que a Lava Jato já tinha recebido, destacou para que dê-se menos destaque para alguns, como o recebido pelo Instituto de Formação de Líderes de São Paulo.

“[Nome do assessor suprimido pela reportagem do UOL], escreve para mim por favor um texto sobre os prêmios que a FT ganhou? Destaca em cada um quem deu, quem avaliou (ex uma comissão independente formada por X e Y) e quem eram os principais concorrentes. Vamos ganhar outro prêmio e está na hora de valorizar o reconhecimento para impulsionar transformação”, escreveu.

Em seguida arrematou: “Lembro dos prêmios da ANPR, AJUFE, CNMP, GIR, mas vale ver sobre a mesa. Há prêmios p ex de institutos que vale a pena mencionar sem os detalhes acima, como o prêmio liberdade.”

No dia 21 de abril de 2017, os procuradores também manifestaram a preocupação de que a imagem da força-tarefa fosse ligada a outros partidos políticos. Naquele dia, Deltan enviou para o grupo do Telegram um vídeo, perguntando se poderia compartilhar. “São de diferentes partidos em tese”, completou.

Orlando Martello não viu problema, porque o conteúdo do vídeo versava sobre o combate à corrupção. “É bom que os políticos vejam q todos q apoiarem esta causa terão propaganda positiva nossa”, disse. “O importante é a mensagem”.

O colega Paulo Galvão disse que concordava a depender dos políticos que apareciam nas imagens, arrematando: “Não vai replicar vídeo do bolsonaro pelamor”.

Martello respondeu que estavam no vídeo “Romário, Jean wyllys e tiririca”. O material acabou não sendo divulgado nas redes sociais de Deltan.

A reportagem do UOL destaca que um dirigente do Instituto de Formação de Líderes trabalha hoje no governo Bolsonaro. Apesar disso, o presidente da organização, o empresário Georges Ebel, negou apoio ou antagonismos ao governo e, ainda, que a instituição não é de direita nem de esquerda.

No sábado (10) a página Bolsonaro Opressor 2.0, no Facebook disse que o presidente não indicaria o procurador Deltan Dallagnol para assumir a Procuradoria Geral da República por ser “esquerdista tipo PSOL”. O coordenador da Lava Jato já fez algumas manifestações em desacordo com o Planalto, como contra o decreto que ampliava o sigilo de dados e atos do governo e ainda elogiou em reportagens as investigações contra Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro e o ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio.

Em entrevista ao UOL sobre a decisão de Deltan ter cancelado o evento que participou em 2016, o vereador Fernando Holiday disse que ficou surpreso na época, mas fez ressalvas dizendo que não pode garantir a integridade das mensagens entregues ao Intercept.

“É engraçado porque, nesse mesmo evento, eu fiz duras críticas ao Bolsonaro quando eu recebi o prêmio, à forma de ele agir, ao modo como ele, já naquela época, louvava a ditadura militar. Até hoje os bolsominions me criticam por conta do discurso que eu fiz nesse evento”, completou.

Ele disse ainda que a tendência política de Deltan sobre causou dúvidas. “O Deltan era muito difícil nesse meio da direita. Sempre ficou uma dúvida pairando qual seria a ideologia política dele e sobre o que ele acreditava. Alguns diziam que ele era mais próximo da Rede, da Marina Silva (ex-candidata à Presidência), outros diziam que ele era de direita, conservador. Nesses movimentos, ninguém afirmou categoricamente quais eram as posições políticas dele. Agora não sei se o Bolsonaro especificamente sabia algum motivo”.

Redação

Redação

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  • Que otimo saber que so mais tarde Dallagnol foi induzido a entrar no circuito das palestras por seus companheiros de quadrilha da FT.

  • Não é preciso uma pessoa declarar que é de "direita" para ser. Para não cair no canto de Ossanha, é só prestar atenção. Por exemplo Moro declarou-se isento para julgar Lula, Dallagnol declarou-se isento para "isentar" FHC... Quem acredita em propaganda comercial?

    "O homem que diz 'sou' não é"
    Canto de Ossanha - Baden Powell e Vinicius de Moraes

    • Sim, mas na epoca ele era POBRE DE DIREITA.

      Depois das palestras ja nao pensa que eh. E ate financiou "movimentos" golpistas, de fato.

  • Beijaria os pés e algo mais do Bolsonaro para ser PGR Esse servidor não sabe o que é ética, muito menos, parcialidade.

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