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“Povos indígenas nunca foram prioridade de nenhum dos governos brasileiros”, diz Sonia Guajajara ao GGN

Garimpo, extração de madeira e pesca ilegal. Mais perto da fronteira, no norte do País, grupos de indígenas isolados convivem ainda com a violência do tráfico internacional de drogas. O assassinato brutal do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira expôs aos olhos do mundo mais do que um descaso sem precedentes com os povos tradicionais e o meio ambiente.

A crescente ausência do Estado na região da Amazônia tem método: serve para prover aos criminosos um “clima de total impunidade”, como disse o Le Monde. O jornal francês responsabiliza a pessoa de Jair Bolsonaro por uma série de medidas governamentais que servem de pano de fundo para o assassinato.

Embora os povos indígenas nunca tenham sido prioridade de nenhum dos governos brasileiros, a gestão de Jair Bolsonaro entrará para a história como “inimiga dos povos indígenas”. É o que avalia, em entrevista exclusiva ao GGN, a liderança indígena Sonia Guarajaja, que entrou para a lista de pessoas mais influentes da revista Time em 2022.

“É muito importante falar sobre o que estamos vivendo hoje, com o governo Bolsonaro. Nós, povos indígenas, nunca fomos prioridade em nenhum dos governos brasileiros. Os direitos indígenas sempre estiveram ameaçados, seja por conta do Congresso, por parte dos grandes empresários ou das multinacionais com interesse em acessar e explorar os territórios”, disse ela.

“A diferença é que, no governo Lula, a gente tinha divergências políticas operacionais. A pressão vinha do poder econômico e não conseguimos muitos avanços. No governo Bolsonaro, não somos somente divergentes. Bolsonaro é um governo declaradamente inimigo dos povos indígenas”, apontou.

Na lista dos 100 mais influentes da Time em 2022, a liderança indígena Sonia Guajajaja disputara uma vaga na Câmara dos Deputados pelo PSOL, partido coligado ao PT. Entusiasta da mudança feita pelas mãos dos próprios indígenas, ela diz que a promessa de Lula, de criar um ministério para a causa indígena, é insuficiente para resolver problemas históricos. Foto: Ricardo Stuckert

Coordenadora-executiva da Apib (União dos Povos Indígenas do Brasil) e pré-candidata a deputada federal pelo PSOL – partido coligado ao PT nas eleições gerais de 2022 – Sonia Guarajaja acredita que o governo Bolsonaro está em outro patamar de destruição, tornando impossível fazer comparações com outros governos.

“O Bolsonaro é porta-voz legitimo do agronegócio, da grilarem de terra. Não tem como comparar um com outro, no sentido de quem fez mais ou fez menos, porque não é só isso que está em jogo. Bolsonaro significa autoritarismo e risco de nova ditadura. No governo Lula e no governo Dilma, havia liberdade de fazer a luta, de cobrar, participar, de fazer controle social, construção das políticas públicas. Nesse governo, todos os espaços foram desmontados.”

MINISTÉRIO DA CAUSA INDÍGENA: UMA PROMESSA DE LULA

Líder nas pesquisas de opinião, o ex-presidente Lula já prometeu em seus discursos de pré-campanha retomar o protagonismo da sociedade civil organizada na gestão das políticas públicas. Em contraponto ao desmonte imposto por Bolsonaro, o petista indicou que, se eleito, criará um ministério para a causa indígena.

“Lula tem sido mais atencioso, mais compreensivo com as questões indígenas, e nós estamos ali, do lado, apresentando documentos, pautas, falando da importância da demarcação da terra indígena, da atenção que ele tem que dar para a governança que se vai construir numa nova gestão, para que essa governança não atrapalhe aquilo que ele pretende fazer.”

A ex-presidente Dilma Rousseff e Sonia Guarajaja, em 2012. Para a liderança indígena, é preciso restaurar a capacidade de governança dos povos indígenas em seus territórios, como havia no governo Dilma. Foto: Biblioteca da Presidência

Sobre o novo ministério, Sonia Guarajaja respondeu que a ideia é bem-vinda, mas insuficiente para resolver problemas históricos.

“Não é a mudança presidencial que vai resolver esses problemas históricos e todo esse desmonte que aconteceu em quatro anos. Não é o ministério que vai resolver essas pendências. (…) A bandeira prioritária continua sendo a demarcação dos territórios indígenas, uma dificuldade dos governos tanto de direita quanto de esquerda, porque ninguém quer se indispor com o empresariado, donos do agronegócio, com todos esses empreendimentos da especulação imobiliária.”

AS PRIORIDADES PARA OS INDÍGENAS

Nas eleições de 2022, Sonia acredita que a prioridade deve ser sensibilizar a população e conscientizá-la de que é necessário eleger congressistas menos afeitos ao lobby do agronegócio, das armas e de outros interesses empresariais. “Se não tiver essa consciência que tem que mudar esse Congresso, não vai adiantar mudar presidente nenhum.”

Quanto à causa indígena, a maior preocupação é com a demarcação de terras, que “ainda tem um passivo muito grande no Brasil. No governo Bolsonaro, a decisão política foi de não demarcar nenhuma terra.”

O segundo ponto é garantir proteção aos territórios indígenas demarcados que enfrentam “um processo violento de exploração ilegal e de invasões, que não só desmata mas também mata lideranças, estupra indígenas, dissemina doenças e acaba modificando totalmente o modo de vida.”

A terceira prioridade está em restaurar a capacidade de governança dos povos indígenas em seus territórios. “Como a gente teve no governo Dilma, uma política nacional de gestão territorial e ambiental das terras.”

Participaram da entrevista as jornalistas Cintia Alves, Gabriella Lodi, Lourdes Nassif e Patricia Faermann.

Assista a entrevista completa:

Colaborou Gabriella Lodi

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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