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RECIFE Cidade para poucos

 

Por Liana Cirne Lins – professora da Faculdade de Direito do Recife e do Mestrado em Direitos Humanos da UFPE. Ativista de Direitos Humanos.

 

Iniciam as medidas restritivas de acesso ao Recife Antigo, consolidando uma política de exclusão social assustadora e que pode ter graves repercussões éticas.

Vamos ligar os pontos?

– Recife Antigo literalmente ilhado, com revista seletiva (leia-se, revista de negros e pobres) em todas as pontes de acesso.
– Proibição de comércio informal na área do Marco Zero, sem pipoqueiro, sem raspa-raspa.
– Transformação de uma área que seria parque público, com vista linda para o rio e o mar, em estacionamento e, ocasionalmente, em área de camarote ou shows privados.
– Várias tentativas de camarotização do nosso carnaval popular e de rua, felizmente frustradas pela sociedade civil.

Ligando os pontos, o desenho que surge é o de uma cidade com muitas cancelas e interdições.

A escolha do poder público por esse modelo de cidade para poucos, para a elite, é preocupante. Hannah Arendt, em As Origens do Totalistarismo, nos mostra como a perseguição aos judeus iniciou com essas cancelas. O ódio aos judeus começou criando uma ideologia de que os judeus não pertenciam ao mesmo ESPAÇO físico que os alemães.

É exatamente isso que está sendo promovido pelo governo do Recife: uma política higienista que quer convencer a classe média de que os pobres não podem dividir o mesmo espaço que eles.

Os Armazéns do Porto (espaço de lazer e gastronomia muito agradável, bonito e que atende uma demanda que precisava ser contemplada), no lugar de promover INTERAÇÃO entre os públicos que já frequentavam o Recife Antigo com o público novo, mais rico, que chega agora a partir dessa nova oferta de lazer, está promovendo uma verdadeira cultura de ódio de classes, segregacionista e de intolerância para com os diferentes.

A mais do que indesejada violência que tem se alojado no bairro, com arrastões e brigas de gangue, poderia ser combatida com serviço de inteligência da polícia, prevenindo e reprimindo quem de fato é criminoso, e não rotulando genericamente a população de classe baixa como potencial criminosa. Nem preciso dizer que outros serviços públicos, como assistência social, poderiam enfrentar a raiz do problema e acabar com a violência desde sua origem, pois algo está errado quando jovens vêem na violência uma via de escape e de manifestação.

Uma política de segurança pública honesta, que garantisse a segurança e o conforto de TODAS as famílias e grupos sociais que pretendem ocupar o espaço do Recife Antigo, deveria ter outras premissas.

Mas a política de segurança pública escolhida é mais um reforço de ideia de que A CIDADE NÃO É PARA TODOS, E SIM PARA POUCOS. De um modelo de cidade higienista e racista.

Uma das premissas para entender direito à cidade é compreender que a forma como ocupamos o espaço da cidade é antes de tudo uma escolha ética sobre como vamos lidar com os outros e outras que ocupam conosco esse espaço.

A política higienista que está em curso no Recife está sedimentando uma cultura de ódio e terror. Está na hora de começarmos a debater essa escolha ética.

Qual é a cidade que queremos?

 

Redação

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