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Silêncio

Escrever deve ser bom quando se escreve e ao mesmo tempo têm-se coisas para pegar, e se despeja um gosto de querer e um sorriso livre nalgum lugar. Escrevo: às vezes sinto não poder nem sequer sorrir, ou escrevo ou sorrio. Escrever não é uma alegria, é introduzir e socar tudo o que se sente lá no âmago, dentro de. Porque nunca nada vai para fora, ninguém vê nada de nós, os outros apenas estarão a ler pedaços de quem escreve. Uma pessoa fragmentada (quase inexistente de ser-eu) e embutida e ainda com a obrigação de ser cada vez mais leve, porque o espírito necessita digerir todas essas pequenices comuns. Meu espírito pede-me tanto! Esse espírito não é humilde, e tenho uma única humildade, a humildade que se vê refletida em tudo aquilo que é minha carne e osso.
Escrever sem nada nas mãos, sem nada no olho futuro, não há futuro, esse prolongamento do ser num tempo-espaço é o modo incorrigível de dar sentido ao que não há, e se não há tem-se o nada, ¡como é difícil trafegar o nada! No nada se tem tudo, porque assim alcancei o abandono do mundo, mas por que viver sem as coisas do mundo?
Queria, hoje, deixar para sempre essa tarefa da escrita, e começar a ter e ganhar e ver coisas comuns e sorrisos do mundo. A verdade não é feita para se estar nela, a verdade é uma miséria com a qual poucos têm a má sorte de lidar, por não conseguir ver de outro modo. Se estou com a verdade, escrevo, e não posso acariciar meus olhos – meus olhos devem permanecer rígidos – porque se bajulo meu olhar, assim perco-me no paraíso da humanidade que leva a vida. Eu não levo a vida, sou carregada por ela para alguns lados, sem ter absolutamente nada de todas as coisas.
Escrever é estar a pedir por misérias constantemente, diariamente, porque o dia é tudo o que se tem. E nesse dia de hoje o que tenho é essa sensação, querendo ter coisas, alcançar possíveis projeções de estado e lugar físico, e escrevo para dizer que desejaria não mais escrever.
E o que a escrita agora me diz, com tranquilidade eloquente e agravada: silêncio, silêncio, essas palavras não deveriam agora ter sido escritas; silêncio, certas palavras insossas devem ser apenas tragadas em ti, sem retornar à vida, mortas contigo no silêncio.
Redação

Redação

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