Sobre tristezas

    

Bebês devem aprender a andar e a falar. Quando algo os amedronta, devem correr para a mãe, abraçá-la e aguardar que ela dissolva o contratempo.

Adolescentes devem aprender a resolver seus problemas, logo estarão por conta própria, devendo estar preparados para superar adversidades por si sós. Devem aprender a resistir e superar tristezas e sofrimentos.

 

Temos, cada um de nós, um sistema de avaliação do mundo que nos informa constantemente se as coisas vão bem. Se tudo estiver melhorando, nos sentimos bem; inadequações cotidianas e naturais, que nos incomodam, instigam-nos a mudar aquilo que nos incomoda.

Existem muitas drogas capazes de modificar nossa percepção do mundo. Entre elas, os antidepressivos. Essas substâncias alteram nosso sistema de avaliação, fazendo-nos sentir felizes mesmo que as coisas andem mal e devessem ser mudadas.

Cessado o efeito da droga, a pessoa “acorda” e percebe que as coisas vão mal, apesar da avaliação prévia, feita sob o efeito da droga. A constatação promove duas consequências: elimina a sensação de bem-estar devida à ilusão causada pela substância, e reajusta o sistema de avaliação da pessoa, tornando-o mais sombrio, dado o reconhecimento do excesso de otimismo em seu funcionamento anterior.

Dessa maneira, o reajuste, decorrente da constatação do excesso de otimismo prévio assumido pelo sistema de avaliação sob o efeito da droga, acaba induzindo um estado depressivo, uma disposição sombria necessária ao reajuste do sistema, previamente iludido pela droga. Esse reajustamento saudável faz com que, cessado o efeito da droga, a pessoa mergulhe em um estado tenebroso. Por essa razão, o uso constante de antidepressivos tira o colorido do mundo, tornando a pessoa taciturna. A depressão causada por tais drogas, assim, não corresponde propriamente a um efeito colateral, secundário, mas ao outro lado da moeda. O desajuste do sistema de avaliação do mundo causado pelo colorido excessivo induzido artificialmente é contrabalançado, em seguida, pelo acinzentamento correspondente ao reajustamento necessário do sistema para sua adequação ao mundo. O bem-estar artificial, então, será substituído pela depressão. Tal estado sugerirá fortemente à pessoa uma nova ingestão da droga, eternizando o hábito e estabelecendo uma dependência lucrativa para um grande grupo. Estabelece-se assim uma fábrica de tristezas.

Trata-se de uma arapuca ardilosa; uma vez estabelecido o ciclo, o desânimo decorrente trata de esmorecer a pessoa impedindo-a de lutar contra o flagelo que a abate. A armadilha é especialmente nefasta se acometida sobre adolescentes.

     

Quando os bebês aprendem a andar são pequeninos e maleáveis, de modo que suas quedas não lhes causam sequelas. Adultos obrigados a reaprender a andar devem lutar renhidamente para conseguir a façanha inapropriada a eles.

Bebês também vão aprendendo a falar, coisa que acabam fazendo com esmero, sem sotaque, ao contrário do que conseguem aprender uma segunda língua quando adultos. Tudo tem seu tempo.

 

Adolescentes iludidos por drogas antidepressivas não aprendem a lidar adequadamente e a seu tempo com seus problemas, “resolvendo” suas dificuldades artificialmente, aprisionados na lucrativa arapuca que os manterá cativos e tristes por toda a vida.

Os profissionais envolvidos nessa artimanha posam de bonzinhos, de criaturas ternas empenhadas em reduzir sofrimentos, embora inebriados com os lucros exorbitantes que gulosamente auferem da tramoia. Essa dinâmica contagiosa está tornando nosso mundo cinzento e sombrio.

Caso suficientemente lucrativa, não há maldade tão grande, em nosso mundo, que não acabe justificada e abonada pelo lucro, uma enorme tristeza.