Categories: Notícia

Tropicália de Hélio Oiticica

Tropicália é a primeiríssima tentativa consciente, objetiva, de impor uma imagem obviamente brasileira ao contexto atual da vanguarda e das manifestações em geral da arte nacional. Tudo começou com a formulação do Parangolé, em 1964, com toda a minha experiência com o samba, com a descoberta dos morros, da arquitetura orgânica das favelas cariocas (e conseqüentemente outras, como as palafitas do Amazonas) e principalmente das construções espontâneas, anônimas nos grandes centros urbanos – a arte das ruas, das coisas inacabadas, dos terrenos baldios, etc.”

Hélio Oiticica

Depois do concretismo e o neoconcretismo, a arte brasileira ganhou maturidade para superar o trauma de uma temática nacional / popular, com um nacionalismo antropofágico. As vanguardas construtivas foram as primeiras manifestações que projetaram o Brasil no cenário da modernidade. O concretismo defendia uma depuração formal fundamentado num racionalismo funcional e mecânico contra qualquer pretensão de expressividade, de certa forma, comprometido com a ideologia desenvolvimentista dominante no País nos anos de 1950. O neoconccretismo foi uma reação a tudo isso e uma retomada de valores e expressões nacionais, sem deixar de lado a universalidade da arte.

A incrementação sensorial que caracterizou o neoconcretismo de Hélio Oiticica tinha a intenção de envolver a participação do espectador na criação da obra de arte. O homem como ser no mundo conforme a fenomenologia de Merleau-Ponty. Depois de Mondrian, Malevith, Max Bill, Oiticica redescobre o samba, o corpo e a dança. Sua arte se direciona em sentido contrário do construtivismo, se aproxima do Dadá e de Duchamp, parte para a superação do quadro de cavalete. Uma arte não mais acabada, depois de concluída pelo artista, é objeto de manipulação coletiva, o artista convida ou oferece ao público a possibilidade de experimentar a criação.

A arte sai do museu para o espaço das trocas coletivas. Em 1964 Oiticica inventa o Parangolé, que tem como base estandartes, bandeiras, capas destinadas a ser carregadas ou vestidas pelos espectadores. Uma proposta que vai afirmar o seu programa para desenvolver os penetráveis ou manifestações ambientais, hoje conhecidas como instalações. O rompimento com o suporte tradicional se deu mediante uma reformulação no conceito de arte, com o objetivo de libertar o individuo de condicionamentos estéticos e culturais.

Na exposição NOVA OBJETIVIDADE BRASILEIRA, idealizada e apresentada pelo próprio Oiticica, no Museu de arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1967, ele instalou nos jardins do museu um penetrável ou ambiente chamado Tropicália. O País se encontrava sob domínio da ditadura militar. Ócio e criatividade se misturavam na obra, era também uma resposta ou uma provocação contra as condições de vida dentro de uma sociedade determinada por um trabalho autoritário e com uma parcela significativa da população vivendo na pobreza à margem da modernidade industrial.

A Tropicália era um labirinto construído com uma arquitetura improvisada, semelhante às favelas, um cenário tropical com plantas características e araras. O público caminhava descalço, pisando em areia, brita, água, experimentando sensações, no fim do percurso se defronta com um aparelho de TV ligado, um símbolo moderno. A nova imagem do Brasil, os meios de comunicação de massa contrastando com a miséria nacional. Polarizações e impasses da sociedade, da cultura, da estética e da política da arte nos anos de 1960. Radicalidade e experimentação que impulsionou as artes plásticas para o exercício da contemporaneidade.

Não era apenas um conjunto de elementos acústicos, táteis, visuais e semânticos descobertos a partir do envolvimento físico do espectador, que formalizou uma nova idéia de arte, A Tropicália era uma posição ética diante da sociedade. Oiticica falava em derrubar todas as morais, romper as estruturas estabelecidas e todo tipo de conformismo. Uma herança anarquista. Sem abandonar procedimentos construtivos recorreu à experiência plurisensorial para formatar um pensamento articulando o precário, o prazer e a razão, num deslumbrante espetáculo.

Oiticica quando pensou o conceito da tropicália como uma coisa ampla, não contava com a repercussão ao se transformar num movimento artístico cultural que contagiou o cenário brasileiro. Pregava uma integração entre as linguagens artísticas: artes plásticas, dança, música. A Tropicália inventada por Hélio Oiticica, não era a criação do mito tropicalista de araras e bananeiras como foi divulgado, era uma posição crítica diante de problemas e impasses na arte, na cultura e na política advindos do sentimento de culpa da vanguarda com a linguagem nacional e do regime político implantado no País a partir de 1964. Tinha uma pretensão explícita de objetivar uma linguagem brasileira de vanguarda que fizesse frente à imagética pop e op internacionais.

Almandrade
(artista plástico, poeta e arquiteto)

http://www.expoart.com.br/artigos/?idt1=30&idt2=col&idt3=almandrade

Vídeos:

1- Tropicália Parque Industrial, de Tom Zé, por Vários Artistas

2- Misere Nobis – de Capinam, por Gilberto Gil

3- Tropicália – Caetano Veloso

4- La storia della copertina di Tropicalia, realizzata in tutta fretta, ma non per questo meno bella e significativa. Scoprite cosa si cela dietro quelle due foto incorniciate e quel pitale usato come una tazza da té.

5- ANIS ET CIRCENIS/MUTANTES, por Os Mutantes

Luis Nassif

Luis Nassif

View Comments

Recent Posts

Como ajudar o RS: uma lista confiável de movimentos da sociedade civil

Uma mobilização para socorrer e abrigar as vítimas da tragédia no Rio Grande do Sul…

49 minutos ago

Brasil registra mais 38.909 infecções prováveis de dengue

O Ministério da Saúde aponta 2.465 mortes causadas pela doença, desde janeiro. São Paulo é…

52 minutos ago

PF prende mais dois acusados de participar de assassinato de Marielle

Os nomes dos acusados não foram divulgados pela PF e nem pelo STF, que informou…

2 horas ago

Rio Grande do Sul vai precisar de pelo menos R$ 19 bilhões para ser reconstruído, diz Eduardo Leite

Governador promete detalhar ainda nesta quinta (9) as ações projetadas para a reconstrução do Estado…

2 horas ago

Tragédia no RS afeta 425 municípios e mais de 1,4 milhão de pessoas

Número de mortos chegou a 107. Além disso, 136 seguem desaparecidas. Desde a semana passada,…

2 horas ago

Cresce índice de brasileiros que acham que ação humana não é a única causa de tragédias naturais, aponta Quaest

Em meio a tragédia no RS, muitos internautas religiosos têm relacionado os eventos climáticos a…

3 horas ago