Xadrez das perdas brasileiras com o acordo EUA-China, por Luis Nassif

Os recentes movimentos de Jair Bolsonaro em relação aos Estados Unidos, e o início do acordo EUA-China, mostra os prejuízos trazidos ao país por uma diplomacia amadora, e os riscos de colocar na embaixada de Washington uma pessoa despreparada como Eduardo Bolsonaro, sem nenhuma noção sobre o chamado interesse nacional.

Entenda como se dá o jogo de interesses internacionais.

Peça 1 – o acordo de Bolsonaro “I love you” com Trump

Jair Bolsonaro aguardando uma hora e meia para cumprimentar Donald Trump e, explode coração, tascar um “I love you” para ele, certamente é a cena mais constrangedora na história da diplomacia internacional.

Mas não significou apenas um deslumbramento de jeca-fundamentalista. Tinha-se, em uma ponta, um empresário-executivo, claramente empenhado em tirar vantagens nas negociações. De outro, um grupo fundamentalista, com Bolsonaro e o inacreditável Ernesto Araújo, Ministro das Relações Exteriores, ambos empenhados em agradar o macho-alfa e em fortalecer a frente anticomunista mundial.

Como declarou Bolsonaro, “sempre fui grande admirador dos EUA, e a minha admiração aumentou com sua chegada à Presidência. O Brasil e os EUA estão irmanados na garantia da liberdade, temor a Deus, contra ideologia de gênero, politicamente correto e as fake news.”

O encontro resultou nas seguintes trocas:

Concessões dos EUA

Apoio às pretensões do Brasil de ingressar na OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico), cujas pré-condições tirar do país qualquer possibilidade de exigir tratamento diferenciado em fóruns de comércio.

Concessões do Brasil

OMC – Hoje em dia, o Brasil tem o direito de se classificar como país em desenvolvimento no âmbito da OMC (Organização Mundial do Comércio). Essa classificação permite ao país acordos de preferências comerciais. Por eles, o país pode reduzir tarifas de parte dos produtos importados e não é obrigado a reduzir barreiras de mais de 85% dos produtos importados, para assinar um acordo comercial. Bolsonaro abriu mão desse tratamento diferenciado. Segundo o comunicado conjunto, a decisão se deveu ao fato do Brasil “seguir seu status de líder global”. China e Índia são países que se beneficiam desse mecanismo.

Trigo – o Brasil aceitou uma cota anual de importação de 750 mil toneladas de trigo a tarifa zero, prejudicando um parceiro comercial relevante, a Argentina.

Etanol – foi prorrogada por um ano, e aumentado de 600 milhões para 750 milhões de litros, a importação de etanol sem tarifas de importação de 20%. A medida beneficia diretamente produtores americanos de etanol de milho – 99,7% das importações de etanol vêm dos EUA -, em detrimento de produtores do Nordeste.

O Brasil não conseguiu avançar na reabertura do mercado americano para carne bovina in natura, nem na redução da tarifa sobre as exportações de açúcar.

Indagado pelos jornalistas sobre esse desequilíbrio nas concessões, do alto de seu conhecimento sobre negociações comerciais, Bolsonaro respondeu: “Alguém tem que ceder o braço, ou melhor, a mão. Primeiro fomos nós”.

Peça 2 – o apoio à OCDE

Esta semana, os Estados Unidos formalizaram seu apoio à entrada da China e da Romênia na OCDE. Não se manifestou sobre o Brasil. Há várias explicações. Ambos os países iniciaram, antes do Brasil, sua preparação para ingressar na OCDE. E os EUA não queriam uma adesão sem controle ao organismo.

Dentro da diplomacia, os gestos políticos são mais relevantes que as regras burocráticas. Em outros tempos, um país com o peso político, econômico e diplomático do Brasil jamais ficaria na fila para respeitar a ordem de precedência.

De qualquer modo, a entrada na OCDE significaria, para o país, abrir mão de uma série de benefícios que, hoje em dia, ele tem nas negociações comerciais.

Peça 3 – o acordo EUA-China

Ontem foi anunciada a primeira rodada do acordo comercial EUA-China.

Da parte dos EUA, se compromete a não incluir a não aumentar de 25 para 30% a alíquota de importação sobre US$ 250 bilhões em produtos chineses. Em contrapartida, a China se compromete a adquirir de US$ 40 a US$ 50 bilhões em produtos agrícolas dos EUA.

Soja é o produto agrícola mais importado pela China. Os maiores exportadores são (dados de 2017):

Brasil: US$ 48 bilhões

EUA: US$ 12,4 bilhões

Canada – US$ 775 milhões

Não é necessário muito esforço para se constatar quem pagará a conta, para esse aumento da cota dos Estados Unidos.

Peça 4 – o peso das exportações para a China

Vamos a uma pequena análise da balança comercial brasileira, para avaliar o impacto do acordo China-EUA sobre as exportações brasileiras para a China (no ano  até setembro).

A China respondeu por 75,85% das exportações de soja brasileira.

No total, foram US$ 46,27 bilhões exportados até setembro.

O saldo comercial brasileiro (acumulado de 12 meses até setembro) está em US$ 49, 19 bilhões, dos quais US$ 30 bilhões acumulados com a China.

Ainda não se sabem os efeitos da política anti-ambiental brasileira sobre as exportações de alimentos para a União Europeia.

O pior é que essa desmoralização absoluta não recai apenas sobre a troupe Bolsonaro, mas sobre o Brasil.

 

Luis Nassif

Luis Nassif

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    • Mesmo se o Brasil fizer a lição de casa como fizera, se fizera, em tempos outrora, ainda sim, este país vai crescer com a base salarial muito baixa, pois os empresários preferem estocar historicamente dinheiro ao invés de repartir para gerar consumo cíclico. Por que não se tem estudo sobre como fazer o dinheiro circular??

  • -> Não é necessário muito esforço para se constatar quem pagará a conta, para esse aumento da cota dos Estados Unidos.

    a avalassaladora crise sistêmica do Capitalismo não deixa margem para qualquer vassalagem da lumpenburguesia brasileira: será destroçada e seus gestores serão humilhados.

    por mais que sussurrem baixinho "I Love You", batam continências à bandeira dos EUA e se arrastem pelo chão como capacho a ser pisado...

    se burguesia no Brasil nunca chegou a ser nacional tampouco agora sequer continuará a existir. como sua fração industrial, o conjunto grande empresariado brasileiro tende a extinção.

    mas isto pouco lhes importam. às favas as empresas, mais valem as contas nos paraísos fiscais.

    basta de intermediários! o mega capital transnacionalizado não deixará qualquer lugar para quem não quiser e souber se impor pela força: econômica, política, militar e popular.

    vide os casos de China, Rússia, Irã, Venezuela e, não menos importantes, Cuba e Coréia do Norte.

    este governo BolsoNazi é mesmo uma benção. nunca está tão evidente não haver saída para o Brasil dentro do marcos do Capitalismo.

    mas é possível romper com o Capitalismo? ao que nosostros contrapomos: para uma pergunta errada não pode haver resposta adequada.
    .

  • Quando avisei a amigos e clientes do agronegócio do que estava por vir, fui chamado de esquerdopata. Agora vamos ver como os evanjegues e jegueçons do meio agroindustrial vão reagir ao "vírus de bruçus"que acometeu o mito (deles)...

    • Para piorar:
      Caminhoneiros também perderão mercado de trabalho.
      Pelo jeito a ferrovia transoceanica, iniciativa Brasil-Peru-China protocolada ainda na época da Dilma, pra escoar a soja pelo pacífico, vai ficar no papel por um bom tempo, já que reduzirá o interesse econômico.
      A China está investindo também em ferrovias na Argentina para escoar soja e milho. Macri não é tão burro como Bozo (aderiu à Rota da Seda). E a Argentina também compete com o Brasil no agronegócio. É a terceira produtora mundial da soja, com aproximadamente metade da produção brasileira em 2018, e exporta para a China apenas US$ 2.4 bi em soja, contra os US$ 20,3 bi do Brasil. Então eles tem espaço para crescer disputando com o Brasil.

  • O Brasil caminha para o completo desastre econômico por ser governando por um bando de malucos. O que dirão o pessoal do agronegócio que apoiou o atual governo insano? Certemente serão recompsansados diantes das grandes que sofrerão pela falta de compradores de seus produtos.

  • Uma das contradições do aumento dos negócios entre Brasil e China, foi a fortalecimento econômico dos setores mais conservadores da sociedade brasileira, com capital obtido com as exportações de soja e carnes.

    Uma parte significativa do dinheiro que financia as campanhas da bancada do agronegócio e da bala vem dos produtores de soja e carne.

    O recente acordo EUA-China pode afetar significativamente as exportações de soja e carne do Brasil. Boa parte do acordo foi facilitada pelo afastamento diplomático do Brasil em relação a China, o que acabou liberando a China para negociar as importações de soja com EUA.
    As consequências políticas no Brasil pode ser um afastamento político dos setores do agronegócio e da bancada da bala do atual governo, e a busca de uma nova alternativa de governo para tentar uma reaproximação diplomática com a China, que pode ser até o PT.

    Mesmo que seja tarde, de qualquer maneira haverá um enfraquecimento político, já que a queda das exportações de carnes e soja para China vai provocar uma queda de entrada de capitais, e queda nos preços das terras destinada a produção de soja e carne.

  • "os Estados Unidos formalizaram seu apoio à entrada da China e da Romênia na OCDE".
    Não seria Argentina e Romênia, Nassif? Deve ser culpa da insônia...

  • Correção na peça 2: "entrada da China e da Romênia na OCDE". Não é China, é Argentina.

    Correção na peça 3: "Brasil: US$ 48 bilhões". Em 2017 foram US$ 20,3 bilhões o valor exportado de soja para a China.
    Não é necessário publicar esse comentário.

  • Há um mantra neoliberal de que o sucesso de Lula deveu-se ao preço das commodities.
    A verdade é que, bem além disso, Lula, sem deixar de manter exportações linearmente crescentes com os EEUU, então o maior cliente ao fim da era FHC (a China era apenas 1/6 deles), ampliou explosivamente o comércio com a China (hoje mais do dobro que os EEUU), antes idiotamente limitada ideologicamente (como voltou a ser agora idiotamente com Bozo) e DIVERSIFICOU nossas exportações pelo mundo (Asia, Africa, Europa), mais do que quadruplicando nossas exportações.
    Alguns números (fonte MDIC):
    Ano US$ % US$ % Total Fator
    EUA China
    1997 9,3 17,6% 1,5 2,8% 52,9 6,2
    2002 15,3 25,4% 3 5,0% 60,3 5,1
    2010 19,3 9,6% 32,5 16,1% 201,8 0,6
    2014 27 12,0% 43,9 19,5% 225 0,6
    2018 28,7 12,0% 66,7 27,9% 239,3 0,4

  • Já jogam a toalha: "Brasil precisa encontrar mercados além da China para soja, diz ministra [da agricultura]".
    Mercado mundial de soja (importações):
    1) China 63%
    2) México 3%
    3) Holanda 2,8%
    4) Japão: 2,4%
    Parece matematicamente impossível substituir as perdas de um mercado do tamanho da China. E se o Brasil não reduzir drasticamente a produção o preço da soja despenca.
    Mais fácil o agronegócio passar a defender o "legalize it" e mudar de ramo de cultivo.

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