Opinião

A felicidade pública na reconstrução da arena política, por Arnaldo Cardoso

A felicidade pública na reconstrução da arena política

por Arnaldo Cardoso

A alegria com que foi festejada a vitória de Lula na eleição presidencial brasileira de 2022, no Brasil e em todo o mundo, em sintonia com o espírito empático, agregativo e plural presente em todos os atos da campanha, convida todos a refletir sobre a importância da felicidade pública como força mobilizadora de uma sociedade e, como instrumento para a revalorização e reconstrução da arena política.

O conceito arendtiano de felicidade pública dialoga com os conceitos de liberdade, de participação dos cidadãos nos assuntos políticos, de liberdade pública do agir individual e coletivo em prol do bem comum. A filósofa alemã na reelaboração do conceito repõe como fins do governo e da ação política a promoção da felicidade da sociedade, portanto, da felicidade pública.

Vale lembrar que, já na Ética a Nicômaco, Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) refletia sobre a felicidade como um bem que se pode alcançar pela ação política, o bem agir levando ao bem viver.

A pertinência da reflexão de Hannah Arendt (1906-1975) – filósofa e escritora alemã, judia, refugiada nos Estados Unidos diante da perseguição nazista – sobre a felicidade pública se reforça no contraste com a predominante propaganda de uma felicidade privada, buscada por indivíduos atomizados que privilegiam as dinâmicas de mercado em detrimento da participação política autônoma. 

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Em oposição aos radicalismos que envenenaram o tempo de Arendt e que retornaram em nossos dias, a autora defendia o valor da pluralidade de ideias em um mundo de crescentes interações. A beleza do conceito de felicidade pública deriva justamente da argumentação de que essa felicidade é indissociável da defesa de uma sociedade plural que valoriza a participação cidadã e de uma liberdade que alcança a todos. A complexidade da noção de pluralidade está na equivalente importância da igualdade entre todos e da singularidade de cada um.

A obra de Arendt tem mantido sua força e fertilidade inclusive entre intelectuais brasileiros que, através de novas pesquisas e aguçadas reflexões tem o potencial de inspirar agentes públicos e a cidadania como um todo para o agir político-social.

É do professor Adriano Correia, da Universidade Federal de Goiás (UFG), autor do livro “Hannah Arendt e a Modernidade – Política, Economia e a Disputa por uma Fronteira” a avaliação de que “A participação política se locupleta em uma arena democrática”. Nessa linha de reflexão Correia alerta que essa arena pode se deteriorar “quando adversários enxergam o outro como inimigo […] Precisamos dos adversários para que haja pluralismo e não de inimigos a serem eliminados”.

Outra importante contribuição brasileira inspirada pela obra de Hannah Arendt é a do professor, psicólogo e pesquisador Antonio Brito que em 2010 defendeu sua tese de doutorado em Psicologia Social na PUC-SP com o título “A felicidade pública no enfrentamento ao homo felix: ou a busca do sensus communis” subsidiando o avanço da rica discussão sobre o tema da felicidade.

A partir do pensamento da filósofa alemã, Brito se posiciona criticamente em relação “às políticas da felicidade nas sociedades contemporâneas” pontuando que “o dever de sermos felizes se apresenta como ponto de chegada do projeto inaugurado na era Moderna, em que a produção, a reprodução da força do trabalho e o consumo de bens voltados para a satisfação e o bem estar pessoal se consolidaram na sociedade contemporânea sob a forma da propriedade privada, do acúmulo da riqueza, do individualismo e do hiperconsumo”.

É em face ao grave momento em que se encontra a sociedade brasileira, envenenada ao longo de quatro anos de um governo divisivo, belicoso, autoritário e antissocial que o conceito de felicidade pública se ergue como essencial para uma reconstrução de consensos que dependerá do resgate do entendimento da importância do diálogo, do direito ao contraditório, do cultivo de princípios de respeito e civilidade, em oposição ao obscurantismo, à política do ódio e do preconceito que vicejaram em nossa sociedade nos últimos anos.

A eleição de Lula foi um feito político e social extraordinário. Agora há muito por fazer e, a sociedade em suas várias formas de organização deverá ser protagonista de mudanças sociais significativas para todas e todos.

Arnaldo Cardoso, sociólogo, escritor, pesquisador e professor universitário.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para dicasdepauta@jornalggn.com.br.

Redação

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