Opinião

Chove sobre as instituições? Sintomas da falência do contrato social brasileiro, por Jean D. Soares

Chove sobre as instituições? Sintomas da falência do contrato social brasileiro

por Jean D. Soares

E simplesmente mais uma vez uma tragédia se repete com os deslizamentos em Petrópolis. Os pedidos de respeito do poder público local soam como farsa – terá mesmo havido alguma forma de respeito ao negligenciar as vidas agora perdidas, as famílias agora destroçadas? Acidentes derivados de más condições urbanísticas durante o período de chuvas repetem-se ano após ano – alagamentos, deslizamentos, rompimentos de barragens. As manchetes insistem que os desastres foram provocados pelas fortes chuvas. Terão mesmo?

Pergunto-me sinceramente. Apesar do volume de chuva completamente excepcional que caiu em Petrópolis, mas poderia também ter pegado de surpresa outros lugares do país, o que estamos vendo é uma completa apatia do poder público. Sempre pode chover excepcionalmente no verão brasileiro. Isso não deveria nos surpreender, como se fosse algo inesperado, desconhecido. Deveríamos enquanto civilização nos proteger das chuvas como os japoneses se protegem de terremotos – cientes de não se sabe quando vai acontecer, mas estando preparados para o acontecimento.

Não se vê discussão séria por parte dos governantes nos vários níveis estatais sobre as condições urbanísticas sistêmicas que levam a tragédias urbanas deste nível, tampouco para não se fala das condições de proteção das pessoas, através da Defesa Civil, ou da fiscalização da legislação vigente em todos estes casos. Então, há um processo múltiplo de falências, sintomas de instituições que abandonam à própria sorte aquilo que deveriam cuidar. São sinais da falência do contrato social brasileiro.

Há prefeituras que fazem vista grossa aos processos de impermeabilização do solo e de construção desordenada. Há governos estaduais e suas instituições de fiscalização que mal fiscalizam as licenças ambientais, dão precárias condições de acesso a serviços de meteorologia, geologia entre outras coisas. E há, evidentemente, um governo federal que completa a ode ao descaso, ao desarticular as políticas públicas de habitação, ao não promover legislações mais assertivas sobre o tema, ao não cobrar iniciativas de prevenção mais sistemáticas e sérias, bem como ao se isentar de qualquer iniciativa.

Para além do plano das políticas públicas, há também o plano enunciativo. Os governantes lamentam simplesmente, como quem lamenta a perda de um campeonato. Raras vezes se vê de sua parte indignação e vontade de mudança. É verdade que não bastam as palavras, mas elas contam muito para mudar a vida das pessoas.

Passaram-se anos em Petrópolis e o que se viu foi somente a instalação de sirenes para dias de perigo. Para compreendermos o nível de negligência aqui em questão, é como se estivéssemos num barco com um casco frágil e, ao invés de providenciar formas de evitar o naufrágio ou de acondicionar os náufragos, combinássemos que se o capitão tocasse uma corneta, cada um deveria entrar num estado de atenção para providenciar sua própria forma de se salvar.

Se isso não denota a clara IRRESPONSABILIDADE institucionalizada, já não sei o que pensar. O sentimento de que o contrato social passou de validade e que os poderes públicos abandonam seus governados a sua própria sorte acaba por aumentar, o que realimenta o cinismo político – todos são assim, nada vai mudar, porque se vai continuar agindo assim.

O que sei é que a fragata em que o país navega segue, seus tripulantes continuam escutando a corneta e minimizando os perigos de um real que uma hora se apresenta como ele é, trágico afinal.

Jean D. Soares é professor de filosofia, cicloativista e músico.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

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