Categories: Eleições

A falta que FHC faz

Aproximar-se de FHC, apropriar-se de seu discurso, não daria a vitória a José Serra. Mas, depois que FHC foi defenestrado da campanha de Serra, perdeu-se qualquer veleidade de discurso político. Não duvido se Marina começar a crescer à custa da candidatura Serra.

Antes, na oposição havia um corpo coerente de idéias, algo palpável em torno do qual poderia haver debate político. E digo isso, sendo crítico de primeira hora do mercadismo fernandista. Mas tinha-se o que criticar.

Defendendo as bandeiras de FHC, Serra seria derrotado, mas de outra maneira: a oposição sairia com algum legado, com idéias que, passadas as eleições, serviriam de ponto inicial para um novo discurso, um contraponto consistente ao novo governo.

Embora nunca tivesse praticado gestão, o discurso fernandista encampava a bandeira da gestão, assim como da privatização, do predomínio do mercado. São idéias em declínio (menos as de gestão), agora, mas que voltarão em algum momento do futuro, quando o pêndulo da economia se inverter novamente.

Lembro-me de, em 2006, ter invocado o exemplo de Ronald Reagan. Durante anos falou sozinho sobre bandeiras liberais. Quando o pêndulo se inverteu, era dono do discurso.

Na época, mencionava Reagan para mostrar que, nos próximos anos, o pêndulo se afastaria do mercadismo desvairado do Banco Central para um ativismo da política econômica; que uma crise seria inevitável, ou mundial ou das contas externas brasileiras; e que se Serra tivesse a menor veleidade em se candidatar a Estadista, deveria começar a trabalhar a bandeira da nova política econômica, do ativismo na economia – até então, Lula estava preso ao dogmatismo do BC e de Antonio Pallocci.

No dia seguinte ao da coluna, Serra deu uma entrevista chinfrim criticando o BC. E se recolheu novamente ao seu papel de estadista mudo (caso único em candidatos a estadistas), incapaz de enfrentar o discurso hegemônico dos seus próprios seguidores, ainda presos ao mercadismo desvairado.

A bandeira do novo papel do Estado ficou definitivamente com Dilma Rousseff, com o PAC, o «Nossa Casa, Nossa Vida».

Já que Serra abdicou do «serrismo» (que, agora sei, nunca existiu), seria a hora da oposição começar exercitar o contraponto, recuperar o discurso fernandista. Mas isso exigiria despreendimento, porque só colheria os frutos daqui a alguns anos – jamais nessas eleições.

A oposição, escolheu o pior dos mundos: um misto da cabeça do Sérgio Guerra e do Paulinho Bornhausen, batido no liquidificador da cabeça complexa do Serra. O Índio Quem apenas refletiu essa miscelânea, com sua cabeça de militante médio leitor de Veja.

Com isso, caminha-se na campanha como barata tonta. Uma hora, a defesa do ajuste fiscal acima de todas as coisas e a crítica à «bolsa esmola»; na outra, promessas de enxoval a gestantes; na sequência, o discurso paranóico sobre Farcs, bolivarismos e outros fantasmas; depois, ampliação do Bolsa Família; na sequência, a denúncia da «república sindicalista». E seus blogueiros difamando, atacando adversários, aliados e não-alinhados enquanto entra em cena Soninha (indicada pessoalmente pelo rei e anunciada primeiramente para os jornais) para tentar trazer a imagem de bom-mocismo para a campanha internética.

Pela primeira vez, desde que deixou a presidência, FHC deve estar se sentindo realizado. A gestão Lula, no governo, liquidou com sua herança presidencial. Mas a gestão Serra, na oposição, o consagrará definitivamente como guru máximo das oposições para os próximos anos. 

Luis Nassif

Luis Nassif

Recent Posts

Restrição das exportações de GNL estadunidense é moderada e provisória

Em meio à corrida eleitoral, a decisão de Biden é questionada pela indústria de energia…

18 minutos ago

“Infelizmente, este será o maior desastre que nosso estado já enfrentou”, diz governador do RS

Sobe para 13 número de vítimas fatais por causa dos temporais. Além disso, outras 21…

29 minutos ago

O 1º de Maio foi um fiasco! Viva o 1º de Maio!, por Gilberto Maringoni

Fiascos são pacientemente planejados e construídos. Logo, o fiasco na comemoração do Principal ato de…

48 minutos ago

Repetindo Bolsonaro e Trump, Milei desmantela a imprensa argentina

Ataques e ameaças do presidente da Argentina, Javier Milei, a jornalistas, buscam acabar com a…

51 minutos ago

Os primeiros resultados do afastamento do promotor de São João da Boa Vista

Confirmando sua remoção haverá possibilidade de levantar o que foram esses anos em que uma…

1 hora ago

Invasão da Embaixada do México em Quito viola o Direito Internacional

Condenado por corrupção, Glas alega perseguição e, segundo sua defesa, a acusação seria uma forma…

2 horas ago