Haddad analisa a crise política, o golpe e a República Velha de Temer

Jornal GGN – “PT deixará de ser líder da esquerda, afirma Haddad” é a manchete da Folha de S. Paulo que virou capa da edição impressa na manhã desta segunda (25). A escolha do jornal reflete a baixa da polêmica do impeachment na agenda política e a retomada da disputa das eleições municipais, no segundo semestre do ano. Ao abrir o conteúdo da entrevista, no entanto, o atual prefeito e candidato à reeleição pelo PT não forneceu essa declaração, retirada de seu contexto.
A entrevista é uma síntese da atual crise política no Brasil, com o impasse da representatividade de setores da população. “De fato, os ricos se tornaram mais ricos, os pobre se tornaram menos pobres e uma certa classe média tradicional viu sua posição relativa em relação a essas duas outras camadas prejudicada”, afirmou Haddad.
Nesse cenário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentou dialogar “com um conjunto de valores focado nessa classe média tradicional que não viu seus ganhos relativos representados no projeto de nação do PT”, partindo, assim, para o que o prefeito caracteriza como “uma agenda de intolerância”, incluindo reações ao Bolsa Família, cotas raciais e sociais, aborto, comunidade LGBT, maioridade penal, etc.
Mas, “enquanto os ricos prosperaram e os pobres foram sócios majoritários do incremento da renda, essa agenda tinha pouca chance de prosperar”, analisou. Com a falta de resposta de uma melhora na crise internacional, houve “um esgotamento do modelo que permitia o ganha-ganha de empresários e trabalhadores”, que deveria ser substituído. Para Haddad, o conflito começou quando foi necessário “impor sacrifícios ao andar de cima”.
O desenho da crise política hoje ainda será analisado e devidamente compreendido no futuro, entende o prefeito. “O  impasse que o Brasil vive é exatamente esse. Ninguém sabe quem é o personagem por trás daquele pato da Fiesp. A história vai dizer. Os conflitos distributivos estão na ordem do dia. E passam pela política monetária: o quanto ela combate a inflação e o quanto representa ganhos rentistas que passaram a predominar?”, questionou.
De acordo com o prefeito, o problema do ponto de vista da gestão da presidente Dilma Rousseff foi “um divórcio como nunca se viu entre o Legislativo [de perfil mais conservador] e o Executivo”. Além disso, entende que “não houve uma mera inflexão do governo em relação às políticas adotadas até então”.
“Houve um divórcio entre a prática e a prédica. E essa mudança violenta corroeu a base dos que reconduziram Dilma ao governo. A oposição, percebendo a fragilidade, passou a defender o impeachment. Há outros fatores de esgarçamento, como a Lava Jato, que potencializou tensões já exacerbadas. É uma sobreposição de crises”, disse.
“O quadro geral recomendava que se buscasse o entendimento com o PMDB. Mas o movimento do governo foi exatamente o contrário. Ele preferiu confiar em forças que demonstraram maior infidelidade, para dizer o mínimo, do que o próprio PMDB”, completou o prefeito de São Paulo.
Haddad compartilha da ideia de que o impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, sob os pretextos usados de “contabilidade criativa”, com base “máxima frágil”, é “golpe”. E alerta para o que pode vir: “A agenda posta como condição de sustentabilidade de um eventual governo Temer tenta colocar o Brasil de hoje na República Velha”, afirmou.
Para o prefeito, o possível governo de Michel Temer é “um modelo de sociedade que eu espero que seja inaceitável para a maioria dos brasileiros, um retrocesso no que se avançou em direitos trabalhistas e sociais, por soluços históricos, no Brasil”, completou.
Nesse sentido, acredita que a ideia defendida pelo PT de Lula, de que “é possível sentar à mesa com o patrão, defender o interesso dos trabalhadores e todo mundo ganhar com isso”, foi um governo que deu razão a ele. “O que talvez não tivesse no horizonte dele é que uma crise tão severa se instalaria depois de ele entregar o país com 7,5% de crescimento”, disse.
Para Haddad, era natural que a atual presidente Dilma Rousseff fosse a escolhida como candidata para suceder Lula. “Como ministra da Casa Civil, Dilma correspondeu a todas as expectativas”. E foi além: “Seria injusto fazer repousar sobre os ombros de uma pessoa toda a responsabilidade, como se o PT não tivesse responsabilidade, como se a oposição não tivesse a sua cota ao impedir que o governo se realizasse, com condições totalmente adversas no Congresso para aprovar o que quer que seja”.
Ao contrário do que intitulou a Folha, o conteúdo da entrevista não traz que o prefeito Fernando Haddad denotou que o partido deixará de ser o “líder de esquerda”. Defendeu que o PT irá sobreviver, sobretudo por sua grande capilaridade. O que Haddad analisou foi que a sigla “vai ter que pensar, daqui para a frente, mais o campo progressista do que o próprio partido”, e que esse ideal já estava sendo construído pelo próprio ex-presidente, em 2010, quando sinalizava um apoio a Eduardo Campos em 2018.
“O PT estava consolidado, forte, em seu melhor momento, e o Lula já entendia que o partido tinha que fazer, em algum momento, esse gesto de apoiar o candidato a presidente de outro partido. Você imagina agora. Mais ainda, né? Lula já entendia, e eu concordo com ele, que o roteiro de um partido de esquerda hegemônico, em torno do qual os demais orbitam, tinha se esgotado.”, interpretou.
A questão defendida por Lula, seis anos atrás, foi a Frente Única, pensando “mais como campo do que como partido”. “Já está se configurando um campo a partir do qual se pode reconstruir uma agenda progressista no Brasil em que o PT não precisa ter a hegemonia que sempre teve. Isso já estava no roteiro de 2010. E não há outra saída”, foi a análise de Haddad.
Sobre quem seria o líder dessa frente de esquerda no país, o prefeito afirmou que “ninguém pode nesse momento prever quem vai suceder o Lula e quando. A história forja os indivíduos que vão liderar processos”, e completou: “Naturalmente pessoas vão assumir protagonismo, dependendo de como dialogarem com o movimento social, se souberem, como Lula sabe até hoje, sintetizar esse sentimento que muitos comungam em torno de um projeto mais generoso com o Brasil”.
No fim da entrevista, Haddad defendeu que “a maior benção” que o Brasil teve foi a declaração de inconstitucionalidade, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), do financiamento empresarial de campanha eleitoral. “A raiz de todos os problemas está nisso, e também nas coligações proporcionais”. Quando a repórter afirmou que o PT sempre se beneficiou do financiamento, Haddad respondeu: “jogou o jogo. E quando você joga um jogo com as regras que você contesta, está sujeito a cometer os equívocos que seus adversários cometeram”.
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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  • Se o Haddad não conseguir se reeleger na prefeitura de São Paulo

    Se o Haddad não conseguir se reeleger na prefeitura de São Paulo, ele deveria ser o candidato do PT e da esquerda para a presidência em 2018.

      • São dois bons candidatos ao Planalto. Mas para governador acredi

        São dois bons candidatos ao Planalto. Mas para governador acredito que o Haddad não tenha muita chance. No interior de São Paulo o eleitor é muito conservador e há uma rejeição muito grande ao PT. Por outro lado, uma parceria Ciro presidente Haddad vice seriam uma alternativa interessante.

    • Ponto Futuro - Haddadlaping

      Embora ache que permaneça, surpreendendo a todos, se não permanecer prefeito, deve assumir imediatamente a presidência do PT, em substituição a Rui Tico-Tico e suas "notinhas à imprensa", iniciando a renovação do partido. Caso permaneça,  Damous ou Pimenta, deveriam assumir no lugar do Tico-Tico, fazendo o comando com participação coadjuvante do prefeito Haddad.

  • Até tu?

    O Haddad, pela inteligência que tem, já deveria ter aprendido que NÃO deveria dar entrevista para o PIG. Muito menos exclusiva. Para o PIG só raras e coletivas. 

    Além de conceder prestígio para esse papel de embrulhar lixo, ainda viu distorcidas e manipuladas suas declarações.

    - Ei, Haddad, o PIG é inimigo. A relevância que ele tem é a que você empresta!

  • Não é à toa que Folha, Globo

    Não é à toa que Folha, Globo e o resto do PIG odeiam o Haddad. Para aquela turma é absolutamente inaceitável um político honrado, bem intencionado e inteligente.

    • Bem intencionado? Só se for em Paris...

      Bem intencionado construindo ciclovias que ninguém usa a 170 mil o quilômetro, enquanto a periferia agoniza entre enchentes, roubos, dengue e falta de creches? Vc só pode estar brincando ou sequer conhece São Paulo...

  • Lula não erra

    Eduardo Campos seria o lider da esquerda, quem sabe em franco diálogo com aécio neves... a turma da gerenciologistica, choque de gestão! Ainda bem que mostrou a sua verdadeira natureza.

    O Haddad está certo. Como escrevi, fica fácil saber quem faz parte dessa Frente. O PSB não faz e jamais será esquecido.

  • Em tempos de internet e redes

    Em tempos de internet e redes sociais, daria muito mais prestígio e exposição uma entrevista dessas exclusivas a um órgão como o GGN, cuja credibilidade é incontestável. Não vale dar créditos ao PIG (nunca esqueçamos o trocadilho).

  • Alto preço

    Haddad teve a oportunidade de mudar de partido. Não quis.

    Foi fiel a quem lhe deu todo o apoio para a candidatura à prefeitura, o presidente Lula.

    Atitude nobre.

    Mas infelizmente a população de São Paulo pagará caro por esta decisão.

    Alguém duvida que o partido do prefeito será determinante para o resultado da eleição?

    Pior: alguém duvida que, se necessário, o PiG criará um factoide letal contra Haddad?

    Vai demorar até que outro prefeito deste calibre se eleja nesta cidade novamente.

    Enquanto isso, choraremos pela letargia e má vontade dos plutocratas que o sucederão.

    • É relativo

      Acho que ainda é cedo para tirarmos um diagnóstico preciso de uma possível reijeição massiva à gestão do Haddad.

      Atualmente, há uma camada da elite e da classe média alta que tem uma visão até que positiva da gestão do Fernando Haddad na prefeitura da cidade. Não me refiro aos emergentes de bairros como Anália Franco, Tatuapé, Mooca, Panamby (esses sim que, com as suas SUVs, fazem o peso das manifestações na Paulista). Refiro-me moradores de perfil mais conservador como os Jardins, Itaim e Higienópolis. Nesses, se não explicitam apoio, ao menos não negam os êxitos da gestão; criticam pontos aqui, alí, nada de forma exasperada. João Dória é objeto até maior desconfiaça.

      O grande desafio de Haddad é conquistar maior confiança da periferia, onde a Marta tem amplo respaldo. Muitos criticam-no pelo fato de só levar benefício para áreas de maior visibilidade, pouco voltando para áreas mais distantes. 

       

       

       

      • Marta não vai nem para

        Marta não vai nem para repescagem, quem dirá segundo turno...

         

        Enterrou a carreira depois da saída do PT...

  • Um grande nome para 2018 ou

    Um grande nome para 2018 ou 2022, esse é o cara mais preparado da esquerda hoje para se apresentar numa disputa nacional, ele pode assumir essa missão, sem dúvida.

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