Indústria vota contra seus interesses por acreditar na “Fada da Confiança”, por Ciro Daraujo

Por Ciro Daraujo

Ref. ao post: Como Dilma conseguiu perder o apoio da indústria

Acho que a questão é muito mais profunda, e internacional.

O Paul Krugman está sempre falando dos VIP, que ele denomina “Very Inteligente People” que simplesmente dominam ideologicamente a classe empresarial/industrial americana e faz essa votar contra seus próprios interesses por acreditarem no que ele chama da “Fada da Confiança”.  A “confiança” é simplesmente uma fada com uma varinha de condão que faz um milagre e a economia volta a crescer.

Alia-se isso ao senso comum da lógica empresarial.  Quando a pessoa física ou a empresa se encontram em dificuldades, imediatamente recorremos ao contigenciamento de custos.  Se eu perdi o emprego, eu deixo de ir ao cinema, e de jantar fora, e isso leva ao garçom do restaurante e ao vendedor de pipoca no cinema a também perderem seus empregos.  Ou seja, as decisões que são de fato acertadas do ponto de vista microeconômico, se agregadas, levam imediatamente ao colapso macroeconômico.

Ou seja, toda a pessoa entende que, se estou muito endividado preciso pagar a minha dívida… e extrapolam que se a sociedade está endividada precisa também economizar para pagar sua dívida (superavit).  A chamada confiança baseia-se muito nessa racionalização a partir do ponto de vista micro (com o qual todos podem se identificar) para o macro e a crença (portanto ideológica) de que existe uma “mão invisível” que fará tudo dar certo no final.  

Resultado:  Fazer política industrial ou anticíclica na atual conjuntura ideológica do establishment econômico é praticamente impossível.  Porque, mesmo se você der o dinheiro ao empresário, ele, convencido da hecatombe que há de vir, não investirá.  

Quando você alia isso a um voluntarismo exarcebado que simplesmente não escuta (e olhe, não precisa nem ouvir, só precisa escutar…) e passa a imagem prepotente do médico que quer fazer o diagnóstico e o tratamento sem ao menos ouvir a reclamação do paciente, temos a situação bizarra de que a única candidata com foco no desenvolvimento industrial nacional tem a ampla rejeição do mesmo setor.

O futuro, do ponto de vista ideológico, é muito desalentador, especialmente se esse indoutrinamento ideológico pegar na classe média como já pegou em outros países (e a facilidade disso acontecer é grande porque a lógica do arrocho é clara e rapidamente identificável na própria vida de cada um).  Aí não vai adiantar o presidente ir para a televisão pedir para as pessoas consumirem, como fez o Lula durante o auge da crise.

Outro dia eu conversava com uma conhecida americana do Kansas, de classe média, que era soldadora e teve um acidente, está inválida e esperando a operação que pode lhe dar uma vida mais parecida com uma vida normal.  Essa operação foi-lhe garantida pelo Obamacare, mas a ideologia é tão grande que ela acha que o valor diferencial da operação (que simplesmente não seria coberta pelo seu plano atual) é mais alto do que o valor da operação que ela teria sem a lei.  Ela vota nos republicanos, mesmo sendo beneficiária direta de diversos programas instituidos durante governos democratas. Quando você consegue convencer os agentes econômicos a votarem tão contra seus próprios interesses, aí a situação realmente se complica.

A mesma coisa acontece com a ascensão social.  O governo se gaba de ter levado milhões a classe média.  Agora muitos desses não viram o governo os levando a classe média, mas sim o seu próprio trabalho (é muito dificil ver que sem as condições externas nada teria acontecido). Não se beneficiam diretamente pelos programas sociais e também não percebem o benefício indireto.  É o pedreiro que não ganhou um apartamento do Minha Casa Minha Vida, mas que trabalha na construção de prédios para o programa.  Ou o aluno que acha que ganhou uma bolsa para estudar no exterior porque suas notas são maravilhosas, não porque existe uma política de estado incentivando isso.  Ou o jovem formado que passa num concurso público para professor de universidade e o credita com o seu próprio mérito e estudo sem nunca questionar quem foi que abriu a vaga. E com o passar de gerações, teremos uma nova geração de classe média que nunca passou pela classe baixa e portanto não lembra da política do arrocho de fato.

E a capacidade do atual governo de comunicar suas políticas reais para os beneficiários dessas políticas é extremamente insuficiente.  No final ele pode perder essa eleição por causa disso.

Especialmente porque a “confiança” não é uma fada, ela é uma bruxa.  Ela não tem o poder de fazer as coisas andarem para frente, mas tem a capacidade ímpar de fazer as coisas regredirem.

Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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  • Sugestão de documentario

    Sugestão de documentario referente a esse topico:

     

    'The Century Of The Self" da BBC, principalmente o quarto e último episódio, tem muito do que foi dito acima.

  • O governo só conseguirá

    O governo só conseguirá comunicar suas politicas sociais se e quando tiver um contra-ponto junto a mídia.

    Ainda não temos. Já passou da hora de construirmos este processo, ainda mais agora que a redebobo esta despencando. A população quer uma REAÇÃO. Se cansou da redebobo, por isto tem buscado outros meios, que tem se aproveitado para manipular. 

  • O autor tem certa razão. Mas

    O autor tem certa razão. Mas não concordo com tudo. O Governo tem que mostrar o plano estável de longo prazo,  e não necessariamente um plano neoliberal, pode ser um plano de desenvolvimento mesmo, mas tem que mostrar o que pretende fazer com a economia do País e não é o que o Governo Dilma fez. Ai sim haverá muito mais possibilidade do investimento vir a ocorrer.  E o Governo Dilma não mostra isso.

    Concordo que as outras propostas são piores, mas Dilma cometeu inúmeros erros com relação aos setores de energia, petróleo, sucro alcooleiro e também na área fiscal.

    No mais, concordo totalmente.

    • desculpe mas não é possível deixar de registrar

      a intervenção no setor elétrico há décadas vinha sendo pedida, implorada e suplicada pela indústria... pelo insumo essencial que é.... pois bem, o setor elétrico, privatucanado com uma taxa de rentabilidade de uma mina de ouro (nos últimos 15 anos com rentabilidade 22 a 24% a.a.), rendeu a "INDÚSTRIA", a um incremento de 6% a.a. enquanto os custos se incrementaram em 4,2% a.a. UFA!!!!!! bom.. pegue o PIB industrial e faça essa pequena conta!!! Verás o que e o quanto significa na conta bancária da "indústria", o minusculo é por conta da individualidade da mesma.    kkkk

  • Talvez seja  uma questão

    Talvez seja  uma questão psicológica de dissonância cognitiva.

    Muita gente imaginando que acabará a tortura psicológica que a mídia tem imposto diuturnamente com tantos noticiários negativos sobre a economia, saúde, educação, segurança e direitos humanos. 

    Povo ignorante que não conhece a própria história e só enxerga o mundo num curto espaço de tempo, no momento atual de falsas crises. Pessoas que aceitam cabresto, só enxergam o presente e são manipulados pelas más noticias diárias.

     

  • Industriais Masoquistas?

    Os neoliberais, já antes de tomar o poder pós militar (que se mostrou nacionalista, embora meio ornitorrinco) começaram a destruir a já viciada e ainda pouco competitiva indústria nacional, em um ciclo crescente até a blitzkrieg final de FHC.

    Aí tiveram a chance de um "rehab"...

    Mas parece que hoje eles estão vivendo uma crise de abstinência.

     

  •  veja que depois de tudo

     veja que depois de tudo sempre vem a política.

    se o cara não analisa as coisas politicamente, não percebe as diferenças, não  compara.

    encontrei alguns alunos que tive entre os períodos fhc e lula,

    a maioria consegue entender a impotncia dos progamas sociais etc e tal,, mas

    fiquei impressionado com um deles,

    do período fhc e que sofria bullyings

    terríveis por causa de sua condição social(pobreza).

    conversando com ele, agora em 2013, fiquei impressionado com o papo dele.

    caiu de pau contra os atrasos dos vôos,

    aeroportos com muita gente,

    um horror.

    aí me disse que ia numa passeata

    dessas  contra tudo o que está aí  

     

  • Excelente,

    mas é por falta de ideologia que principalmente a classe média não entende cada um dos benefícios a seu favor citados pelo artigo, frutos de politica progressista e não neoliberal

    Essa é a luta que se deve travar,  Lula e Nassif já apontaram nesse sentido; trazer a politica de volta aos debates, ao dia a dia, e enterrar de uma vez o que levou a se cunhar "It's the economy, stupid" e "o fim da história"

    A pobreza do debate é fruto da falta de ideologia

    O neoliberalismo conseguiu que a mídi se tornasse sua refém que fez  emburrecer o debate que ficou adstrito a PIB e liberdades como se a corrente que contrapõe o modelo neoliberal fosse restritiva a esses temas

    É preciso quebrar esse fundamentalismo

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