Obama e o desafio de mudar uma sociedade

Uma sociedade não pode mudar por decreto, pela vontade de uma única pessoa, ou de acordo com as paixões de uma torcida. Se fosse assim, e isso se falou muito no Brasil em 1988 e 1989, os que viveram o processo da última Assembléia Nacional Constituinte brasileira sabem disso, o Brasil teria se tornado um paraíso terrestre.

A Constituinte de 1988 talvez tenha sido o movimento político e social mais importante do Brasil. A nossa declaração real de independência e soberania. Bem, pelo menos no papel. Mas com enorme mobilização popular, com articulações gigantescas, com intensa participação, com engajamento e poscionamento de todas as forças políticas, os atores sociais mais diversos, inclusive os artistas, deram a esse processo uma Constituição de fazer inveja. E nem isso foi suficiente. Estamos nós aqui, ainda às voltas com inúmeros problemas, riscos de enormes retrocessos, retrocessos de fato com as medidas neoliberais das últimas 2 décadas.

Por isso querer cobrar de Obama a transformação dos EUA, as grandes mudanças que são necessárias naquele país, é muita coisa, sinceramente, é preciso refletir bem antes de dizer isso. Nem com Lula foram tão exigentes, não é verdade? Pô, mais não dava, a correlação de forças, são 500 anos de direita, etc., razões que podem ser até “razoáveis”. Então por que não dar a mesma compreensão ao Obama.

Lá nos EUA não é tão simples quanto aqui no Brasil, e aqui no Brasil já é muito complicado. Então dá pra ter uma idéia. Lá qualquer um, modo de dizer, pode entrar numa loja e comprar um rifle automático com mira infravermelha. Há centenas de grupos radicais organizados, combinados com seitas religiosas, etc. Há rebanhos e exércitos de reserva para ações radicais, e qualquer conspiraçãozinha minúscula é capaz de mobilizar forças capazes de fazer um estrago enorme. Fora o poder das megacorporações, talvez a maioria delas com sede nos EUA. Você já lutou contra uma megacorporação? O corporativismo miniatura aqui no Brasil já apronta tanto… Mas isso não é tudo.

Obama só pode fazer o que a sociedade americana fizer. Ele é o líder, o representante, não governa no vácuo. Precisa do apoio popular, das articulações e mobilizações, das posições de partido, das convicções de sua cultura. E tudo isso está muito longe de permitir mais do que ele tem feito. Já fez muito, dadas essas condições. E se os republicanos radicais conservadores tivessem ganhado a eleição, o que estaria ocorrendo agora nos EUA e no mundo?

Já assistiram o filme 2012? Acho que seria algo parecido, só que causas humanas, em vez de naturais.