Lula e o pânico dos analistas dissimulados, por Aldo Fornazieri

Lula e o pânico dos analistas dissimulados

por Aldo Fornazieri

O golpe que derrubou Dilma trouxe consigo muitas mazelas:  erosão da democracia, crise institucional, decomposição política e moral do país, um governo criminoso rejeitado por quase a unanimidade nacional, revogação de direitos e cancelamento de políticas públicas sociais, destruição da pesquisa científica e da cultura. Mas as mazelas não param ali. Já no processo do impeachment se multiplicou o número de analistas na mídia e de mercado, explícita ou envergonhadamente neogolpistas, que passaram a falar em nome de uma certa neutralidade científica, de uma equidistância do objeto analisado – a crise. Essa suposta neutralidade só tem duas explicações: ou se trata de gente que não entende a natureza das teorias sociais e políticas ou de gente que usa um ardil para dissimular as suas posições, despossuídos da coragem de assumi-las.

Muitos deles defenderam o impeachment de Dilma, argumentado que ela não tinha capacidade de governar porque tinha perdido o apoio popular. Covardemente, agora se calam diante de rejeição nacional a Temer. Sugeriam, de forma explícita ou nas entrelinhas, que Temer era um político habilidoso e que a crise desapareceria com a simples mudança do governo. Deu tudo errado. E a autocrítica que cobram dos outros, se mostram incapazes de fazê-la.

Recentemente, viram no depoimento de Palocci uma “bomba de nêutrons”, um “efeito radioativo”, que teria implodido Lula e o PT. Mesmo depois dessa bomba, as intenções de voto em Lula continuam subindo e a rejeição caindo. Aqui começa o pânico analítico. Duas novas explicações surgem a partir dele: “Lula chegou ao teto” e o seu desempenho se explicaria por “um efeito emocional”, pela sua vitimização, pelo caráter de seita dos eleitores de Lula.

Em primeiro lugar, não há política sem emoção, mesmo nos povos mais racionais do mundo. Em segundo lugar, a política está imersa em um complexo de variáveis, envolvendo emoção, razão, interesse, engano, ardil, astúcia, persuasão, retórica, convencimento, ódio, amor, circunstâncias econômicas, políticas e sociais, fé, carisma etc. Somente os idiotas da objetividade pensam que a política implica apenas em escolhas racionais, seja dos líderes ou dos eleitores.

Se a intenção de voto em Lula aumenta e a rejeição cai, há nisso uma tendência, com a perspectiva da curva do crescimento e a curva da queda se aproximarem. Lula está ganhando votos no chamado centro político, nos eleitores “neutros”, e cada vez mais se reconhece, mesmo em setores que não votam nele, que há uma ação persecutória por parte do juiz Moro. Este, que era quase uma unanimidade nacional, vê as curvas da aprovação e da rejeição se movimentarem no sentido inverso do movimento que elas fazem no gráfico de Lula.

Existe uma combinação de fatores que explica o desempenho de Lula: nos governos Lula, a vida era melhor do que no atual momento; quase 60% da população avalia o governo Temer pior do que o governo Dilma; para um número cada vez maior de pessoas houve uma “armação” (golpe) para afastar Dilma; o governo Temer é fortemente identificado como uma organização criminosa; percebe-se cada vez mais que o maior protagonista da corrupção na Petrobrás foi o PMDB; o PSDB e Aécio Neves têm a imagem de hipócritas, cínicos e falsos moralistas; contra os 51 milhões de Geddel, a mala de dinheiro de Temer e Rocha Loures, as jóias e dinheiro de Cabral e várias contas no exterior de vários políticos, as provas contra Lula são imateriais; na visão majoritária das pessoas, Lula foi o presidente que mais fez pelos pobres, para a maioria da população; Lula incrementou o desenvolvimento do Nordeste; Lula promoveu a recuperação do salário mínimo, do emprego e da renda; no governo Lula foram implementadas várias políticas sociais, desde habitação, Prouni, Luz Para Todos, Bolsa Família etc.; parte dos eleitores têm fé no poder carismático de Lula, ausente em outros políticos; Lula tem uma imensa capacidade persuasiva.

A aposta do eleitorado em Lula é racional

A maior parte dos fatores que explicam o crescimento de Lula, numa situação completamente adversa e persecutória, são de ordem racional, por interesses, por comparações e por resultados. A tese de que Lula se mantém principalmente porque tem seguidores devotos e porque ele é chefe de uma seita é absolutamente falsa, como são falsas as supostas neutralidade e a cientificidade de quem a sustenta. O desespero analítico dos dissimulados volta todas as suas esperanças para que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região declare Lula impedido de concorrer para que as fraudes das parcialidades analíticas salvem as aparências.

Vejam o que escreveu Murillo de Aragão em abril deste ano: “Para piorar, caso Lula consiga chegar a 2018 elegível, sofrerá um bombardeio midiático intenso, já que passou a personalizar tudo de ruim que aconteceu no Brasil nos últimos anos. Poderá até chegar ao segundo turno, mas ganhar é outra história”. Este tipo de torcida pode ser boa para ganhar dinheiro no mercado, mas não é uma análise neutra, menos científica. Neste momento, Lula, dentre os políticos, é o que mais personaliza o que o país teve de bom, pois a ética resiste exatamente na promoção do bem comum.

Veja-se esta afirmação em outro texto: “Pois nem PT nem Lula têm inspirado as pessoas. A não ser lavar propina a jato nos cofres da Petrobras”. E ainda tem muita gente levando a sério este tipo de análise. Lula e o PT certamente cometeram muitos erros. Mas daí a lavrar esse tipo de sentença é um despropósito analítico. Lula, hoje, lidera em todos os cenários para 2018 e uma pesquisa do Datafolha publicada em junho mostra que o PT é o partido de maior preferência dos brasileiros, com 18% das preferências, distante dos 29% já alcançados em outro momento, mas igualmente distante dos 5% do PSDB e do PMDB.

A superação da crise passa por uma eleição democrática e legítima. A eleição não será nem democrática e nem legítima se Lula for excluído dela. Este é o memento em que os conflitos, as diferenças programáticas e estratégicas têm que se explicitar. Os campos eleitorais devem se definir em torno desses conflitos e diferenças, pois a democracia é dissenso e conflito. O único acordo possível é em torno da eleição democrática e legítima, até porque, se há que existir um consenso este deve ser em torno das regras e dos valores básicos da democracia. Esse consenso básico foi rompido pelo golpe e foi rompido pela quadrilha que está no poder, com seus aliados, incluindo o PSDB, ao violentarem a vontade popular com a imposição de uma agenda de contra-reformas que não foi nem discutida e nem referendada pelo voto popular.

Somente um governo emergido da eleição democrática e legítima poderá restabelecer as condições do diálogo democrático e de serenar a exaltação dos ânimos, sem que isto signifique uma conciliação fadada a sacrificar as classes populares. A democracia pressupõe negociação. Mas a negociação pressupõe a legitimidade do governo, algo que Temer não tem e algo que um futuro governo saído de uma eleição ilegítima não terá.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

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  • O Aldo acusa a turma de

    O Aldo acusa a turma de dissimulação mas ele mesmo não faz análise factual dos FATOS !

    Dilma caiu realmente por não ter a mais remota capacidade de contornar a crise Ela não tinha apoio popular, é verdade, mas não é só isso, como diz Aldo.

    Ela não tinha apoio do congresso.

    Ela não tinha apoio no judiciário, mesmo tendo indicado vários Min. do STF.

    Ela não tinha apoio no MP, nem na PGR, pasmem, mesmo tendo indicado o PGR.

    Ela não tinha apoio na mídia, nenhum.

    E, talvez o pior, de todos, ela não tinha NENHUM poder de articulação com nenhum dos outros poderes.

    Ou seja, uma completa néscia e incompetente nas indicações e para governar.

    Temer é péssimo, nada a favor dele, mas fatos são fatos.

    Temer não tem apoio popular, é verdade.

    Mas ele tem apoio no congresso.

    Ele tem apoio no judiciário.

    Agora ele tem apoio na PGR.

    Ele não é BURRO como a Dilma. Quem ele indicou reconhece a indicação e não o apunhá-la pelas costas.

    Ele tem poder de articulação com outros Poderes, diferentemente da Dilma.

    E ele tem ainda algum apoio na mídia.

    Portanto, apesar de Temer efetivamente fazer um péssimo Governo, não tem a menor comparação com a forma de Governar que Dilma vinha fazendo.

    Da forma como as coisas iam, se Dilma tivesse continuado, a coisa hoje estaria ainda pior, infelizmente.

    • Dissimulação do impossível

      E o mais importante: Temer tem o apoio do DudaS para esconder seus crimes, dissimuladamente.

      • Temer nunca teve, não tem e

        Temer nunca teve, não tem e nunca terá meu apoio.

        Também não terá meu apoio análises simplórias e com FATOS equivocados.

        De que adianta a esquerda fingir que o Governo Dilma não era bizonho ?

        Melhor verificar a realidade para cometer o mesmo erro novamente.

  • Exclusão de Lula

    Lula só poderá ser excluido do pleito se os eleitores concordarem.  Imaginem se ele for afastado, e TODOS que se dispunham a votar nele mantiverem suas posições. É claro que as quadrilhas vão considerar os votos nulos, mas como explicar ao mundo o resultado com mais de metade da população rejeitando os outros candidatos? Vejam: Nulos, 60%, candidato A, 12%, candidato B, 7% etc. Os adeptos do Lula talvez devessem começar logo uma campanha desse tipo, de modo a evidenciar para os quadrilheiros que o eventual afastamento será uma emenda pior do que o soneto.

  • "Essa suposta neutralidade só

    "Essa suposta neutralidade só tem duas explicações: ou se trata de gente que não entende a natureza das teorias sociais e políticas ou de gente que usa um ardil para dissimular as suas posições, despossuídos da coragem de assumi-las."

    Esqueceu da terceira: Mau caratismo.

    Para mim esta é a que explica com 100% o comportamento da maioria dos analistas a que o autor se refere. Afinal, ninguém pode ser tão ignorante(não ter informação suficiente) ou burro(não ser capaz de compreender o que se passa.).

  • Boa análise. É de salientar

    Boa análise. É de salientar que o crescimento do Lula e até do pt, em número de filiados na promissora faixa dos jovens, vem após tempo mínimo mas suficiente para que as pessoas sintam a diferença entre este governo e o governo golpeado da Dilma. De modo que esta história de seita, ignorância, os extratos mais pobres, iludidos pelo populismo cai diante da experiência vivida pelos eleitores, pela população. Claro que os "analistas" da direita não querem enchergar e ficam com este papo furado, mas todos sabem também que a credibilidade deles é a temperatura do congelamento da água. O resultado deste movimento todo das massas registrados por sucessivas pesquisas é resultado de reflexão simples e correta por parte das pessoas.

  • Dissimulados, mal informados, ideologicos etc

    Se tivéssemos um povo instruido, uma sociedade bem informada, uma imprensa correta, nossa historia seria outra. Outro dia alguém me contava que nos anos 90 era uma dureza e que ela quase não conseguia pagar todas as contas no fim do mês, apesar de ter até um bom trabalho. Logo argumentei que apesar de ter melhorado muito mais para ela depois do PT, ela preferia esse golpe e o ainda vota no PSDB de olhos fechados. Resposta. Lula e o PT não fizeram nada pelo Brasil, so politicas assistencialistas e ainda destruiram a Perobras. Temer é o resultado do que é o PT por dentro. Eh esse o nivel dos golpistas e paneleiros. Soma-se à isso uma imprensa que joga no limite do mau-caratismo jornalistico e temos pessoas com 'formação superior', dizendo coisas como essas.

    • "... e temos pessoas com
      "... e temos pessoas com 'formação superior', dizendo coisas como essas."

      Maria, conheço e convivo com pessoas com essa formação a que vc se refere.
      Nem eles estão imunes aos métodos criminosos da lavagem cerebral importos pela velha imprensa.
      Dentre os "camisas da CBF" constatamos a participação, inclusive em redes sociais, de gente de todos os estratos sociais. Inclusive de agentes públicos envolvidos diretamente no processo de persecução penal.
      Os métodos de convencimento (lavagem cerebral) têm sido eficientes.
      Há um exemplo gritante. Um juiz de Brasília, adepto dos "camisas amarelas" deu um liminar contra a posse de Lula em segundos ou minutos após o registro da petição inicial no protocolo da instituição.
      Isso não é pouco. É uma constatação da alienação vigente e dos desvios a que certas instituições do Estado estão submetidas.
      A vontade de mais de 53 milhões de pessos foi jogada no lixo.
      O que vem depois?

      • Eles estão acreditando que Doria vai salva-los

        Eh isso mesmo, Luciano Prado. Essa classe média e média alta são as mais dificeis de dialogar. Prefiro mil vezes conversar sobre politica e explicar as coisas para os porteiros (alias, muitos são bem atentos ao que se passa), empregadas, garçons, taxistas, do que com meus colegas, familiares e até amigos. Todos esses estão mais ou menos convencidos, um querido amigo disse literalmente ao meu marido, que eu estou cega em relação a Lula e ao PT. E olha que eu ouço mais do que falo com esses ai.

        Alias, sobre o Doria e quase morri de rir porque um sem noção disse por ai que João Goulart e João Doria são parecidos: ricos e comunistas. Acabe o mundo que é muita loucura :)

        • comentario

          Somos todos cegos.Tb como voce sofro com familiares e amigos. Tenho 84 anos e ainda milito dentro meus limites.Vou morrer cega ,mas antes eleger Lula.Sim,este "Misterio"  que  tanto desespera os inimigos

  • Esse processo, essa tentativa
    Esse processo, essa tentativa de deteriorar a honra e imagem de inimigos políticos, como tem sido o método criminoso utilizado pelas Organizações Globo, por seus soldadinhos e associação com agentes públicos tem despertado a consciência de gente que antes apenas seguia o berrante.
    Estamos longe de nos livrarmos da lavagem cerebral imposta pela velha imprensa, mas percebe-se uma luz no fim do túnel.

  • Negociar sem Conciliar

    Negociar, sim. Conciliação nunca mais.

    Isto significa que há coisas inegociáveis. Por ex.:  a destruição do poder político da Globo e do Itaú.

      • Não destruir, porque o termo

        Não destruir, porque o termo é forte, mas desbastar seus tentáculos por duas vias: 1) Financeira: quando possível, cortar ou reduzir ao mínimo as verbas publicitárias; 2) Estruturante: reforma da legislação pertinente. 

  • Pronto ! Aldo garante seu espaço pago ou não no GGN

    "Em primeiro lugar, não há política sem emoção". 

    O texto é cheio de emoção principalmente quando refuta a idéia de seita e de devotos. 

    O povo tá querendo Lula PT? E os números de rejeição? Ah, números e mais números como ciência exata fosse a ciência social do articulista. A galera gosta. Infelizmente, um governo suspeito de (muita) corrupção e sede de um projeto... deveria se afastar espontaneamente.

    • militância

      Continua sua militânca pseudonomística, háin? É gratuita? Se for, pensa melhor: tem gente pagando uns caramiguás prá isso...

       

    • O corninho

      Já que ele não se identifica posso chamá-lo de corninho né?

      Ou será ele filho do Xico Graziano, mais conhecido como "o corvo".

      O Daniel, filho do corvo, foi quem espalhou todas as mentiras sobre o Lula e seu filho.

      Trata-se de um vagabundo contumaz, igual ao pai.

      E aí corninho?

      Vai se identificar ou não?

      O Nassif não checa e/ou proibe esses safados que tem medo de mostrar a cara?

  • Aldo deixou pro ultimo parágrafo o mais importante:

    Ver 2ª passada em https://jornalggn.com.br/noticia/o-agravamento-da-crise-e-lula-como-saida-por-aldo-fornazieri

    "( . . . ) o preço a ser pago pela ausência de responsabilidade histórica e pela ambição inconsquente dos partidos e de potenciais candidatos do campo progressista.  A incapacidade de perceber o momento histórico-político do país faz com que partidos e grupos mirem os seus egoísmos particulares ao invés de olharem para o sofrimento do povo e suas necessidades ".

  • bem observado

     

    Gosto das analises do Aldo.

    Mas falando de Lula, o simples fato de o Lula existir politicamente dpois dessa campanha insana, milionaria e mentirosa prova que o homem é duro na queda.

    Qualquer outro teria virado pó. 

    Gostemos ou nao somente 3 politicos serao lembrados daqui a 50 anos: Getulio, JK e Lula. 

    O resto sera somente nome de rua. 

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