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Sobre os princípios políticos de Ayn Rand

Comentário ao post “Mike Wallace entrevista Ayn Rand

Há pouca inconsistência lógica nos princípios políticos de Ayn Rand, embora a inconsistência seja gritante quando se tenta aplicá-los ao caso concreto. Mas até aí nada de novo, os modelos socialistas não são diferentes. Todo modelo é consistente com seus próprios pressupostos, e os liberais são tão românticos quanto os socialistas.

Mas o que realmente tira do sério qualquer um com mínimo de conhecimento sobre a história e o funcionamento da Constituição Americana é ver como esses “intelectuais” a deturpam tão despudoradamentem de acordo com seus próprios princípios. Ayn Rand já começa errado ao falar que a Constituição Americana protege os direitos de propriedade, pois ela só protege os direitos dos cidadãos americanos e nunca definiu o que era propriedade “legítima” pra início de conversa, o que acabou gerando baitas problemas depois.

A Constituição já existia por ex. quando o índios celebraram (mais) um tratado assinado com a recém criada república americana e, quando esse mesmo acordo foi rasgado pouco tempo depois, nenhum jurista ou intelectual considerou o ato inconstitucional. A mesma Constituição protegeu durante um século a escravatura “interna” (pois estes escravos eram propriedade de cidadãos americanos), mas não concedeu a mesma proteção aos espanhóis que perderam sua “propriedade” quando o navio Amistad naufragou na costa americana. E a mesmíssima Constituição deu direito dos Estados do Sul se separarem, mas obrigou-os a respeitar a propriedade federal (!), dando assim argumento para Lincoln declarar guerra quando um forte federal no sul foi atacado. Sobre todas essas coisas Ayn Rand não tem nada a dizer porque o único país que ela conheceu foi a Rússia comunista e ela não gostou. É fácil chegar aos Estados Unidos no séc. XX beneficiada pelas leis sociais locais e depois vilipendiar essas mesmas leis que tanto a ajudaram. Se Rand tivesse chegado 50 anos não votaria, não teria acesso a serviço público algum para ajudá-la e muito menos teria chance de se educar na língua local. É fácil se achar no direito de tratar a Constituição do país como se fosse um conto de fadas, ignorando que o país enfrentou um século de disputas sangrentas para consolidar sua (ainda) frágil e imperfeita democracia, mas que foi a melhor que conseguiram construir. Contudo, Ayn Rand não conhecia e não estava nem aí para este tipo de luta por direitos sociais que ainda vicejava em seu tempo.

Em suma, Ayn Rand entendia tanto de democracia e da formação dos Estados Unidos quanto eu de micropaleontologia marinha. Mas de uma coisa ela entendia muito bem: como fazer marketing e ganhar espaço numa sociedade de consumo. Ganhou muito dinheiro como artista e conseguiu ser levada a sério por um monte de gente desiludida da vida e com escassas possibilidades de ascensão social. Igualzinho aos socialistas que tanto critica. Também eles estavam e estão bradando aos 4 ventos que o mundo se aproxima da catástrofe e que temos de demolir toda a estrutura social para regredir a um modelo ideal romatizado de contrato social. Até aí tudo igual. A diferença substancial que vejo entre liberais e socialistas utópicos é o pedantismo intelectual dos primeiros e a irracionalidade prática dos últimos. No mais, não tem absolutamente nada a acrescentar ao debate político atual, pois não são sérios. Não existe democracia sem contraditório e pragmatismo, e essa gente não está disposta a ceder um milímetro em suas utopias febris em nome do bom senso.

Luis Nassif

Luis Nassif

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