De O Tempo
Em geral, homicídios perpetrados por mulheres acontecem em legítima defesa de suas vidas e são em número tão ínfimo que causam enorme surpresa.
Exemplifico com o assassinato e esquartejamento, sem características aparentes de premeditação, do bilionário Marcos Kitano Matsunaga, diretor executivo da Yoki, pela sua esposa Elize Araújo Kitano Matsunaga, em 19 de maio de 2012, sob a alegação de que atirou após de ter sido agredida e ouvido que, em caso de separação, ele queria a guarda da filha: “Eu conheço teu passado; vou levar teu passado para a Vara da Família”. Eis como uma criança perdeu o pai e a mãe.Em análises de tragédias matrimoniais em que elementos de ódio estão presentes – assassinato seguido de esquartejamento -, cabe a desconfiança rosiana (“Há qualquer coisa no ar além dos aviões da Panair…”) e os rigores da lei. Nem mais, nem menos.
Tentando não cair numa disfunção dos lobos frontais, é preciso cautela para não fazer juízo de valor, supervalorizando os motivos pelos quais alguém pratica homicídio, pois nenhum motivo é grande o bastante que justifique matar. Todavia, no fundo, no fundo, a convivência cotidiana é a forma mais precisa de conhecimento do contexto de crimes catalogados como de defesa da própria vida, como disse Ana de Assis: “Eu é que posso escrever sobre Euclides… Vivemos juntos. Dormimos no mesmo quarto”.
Como no conto da escritora acreana Leila Jalul “Rosa dos ventos”: cansada das traições em série do marido, Maristela, com a ajuda dos irmãos, deu um basta: com uma peixeira amolada, e faiscando de ódio, rasgou “as calças do sestroso e, vapt! vapt! Não deu conta de decepar o rolete por inteiro, deixando para Mário o final da tarefa. Feito isso, suando e estuporada, pede que sejam feitos quatro filés e os acomoda num saco plástico”: jogou um filé de pênis na soleira da casa da amante; o segundo, na casa da mãe dele; o terceiro, na porta da igreja onde casaram; e o quarto, lavou, salgou e colocou para secar no Sol! “Não sabia a razão do gesto, mesmo assim, não custava” (in “Minhas Vidas Alheias”, Clube dos Autores, 2011).
O advogado de defesa, Luciano de Freitas Santoro, afirmou que “Elize perdeu tudo. O crime não teve nenhuma motivação econômica… O mais vantajoso era ela se separar e pedir uma pensão, mas perdeu a cabeça”. Em tese, pois os casamentos, desde sempre, são negócios que podem prescindir, inclusive, do amor.
Na Idade Média, a escolha do noivo era questão de família e/ou o noivo “comprava” a noiva: “o casamento como um ato de aquisição”, exceto na Inglaterra, onde o padrão de nupcialidade era tardio, mas considerava as possibilidades financeiras: “Somente constituíam família quando dispunham de renda suficiente”.
O comum ainda é o casamento entre iguais, sendo os ditos “contos de fada”, tipo Elize & Marcos, raríssimos até hoje, como corroboram dados demográficos que constatam que, majoritariamente, os casamentos se dão entre pessoas do mesmo meio social. Ou seja, no jogo de interesses do casamento contemporâneo, o caráter intraclasse é a regra, sendo as exceções inerentemente complicadas no cotidiano, pela supremacia de poder de quem detém o dinheiro, que se acha dono da vida e da alma da pessoa pobre e da pobre pessoa com quem convive.
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