A diferença abissal entre Glenn e o jornalismo pátrio, por Luis Nassif

A #Vaza Jato é das mais importantes reportagens da história da imprensa brasileira. E Glenn Greenwald um advogado constitucionalista, jornalista, que se saiu vitorioso do maior desafio do jornalismo mundial: as reportagens sobre o caso Snowden, que o colocaram na mira dos maiores poderes mundiais, da CIA ao próprio governo dos Estados Unidos.

A estratégia adotada para a divulgação do dossiê Snowden e, agora, da #Vaza Jato – de parceria com veículos de mídia – é campeã. Institucionaliza a cobertura e blinda sua própria atuação como jornalista.

Por isso mesmo, uma hora e meia de entrevista com ele permitiria levantar informações preciosas. Por exemplo:

  1. Como se dá a coordenação da cobertura compartilhada para impedir, por exemplo, redundâncias ou conflitos de interpretação?
  2. Quais são as ferramentas de pesquisa utilizadas? Sistema de localização para textos? E no caso dos áudios, como filtrar?
  3. Como foi a operação para colocar o conteúdo a salvo da ação da Polícia Federal e, mesmo, da CIA? Como funcionam os sistemas de nuvens para ficarem a salvo de órgãos de Estado.
  4. O que esperar das conversas gravadas sobre as negociações com advogados de delatores? Qual o nível de intimidade entre procuradores e advogados?
  5. Quais os indícios de interferência de Rosângela Moro e o primeiro amigo Zucolotto nos acordos de delação?
  6. Como foram as conversas sobre a fundação que administraria os recursos da Lava Jato?
  7. Houve conversas com colegas de outros países sobre parcerias em escritórios de compliance para atender empresas denunciadas pela Lava Jato? Há indícios sobre a indústria da anticorrupção?
  8. Qual o grau de intimidade entre Lava Jato e magistrados de tribunais superiores?

Com todas essas informações podendo ser extraídas de Glenn, por quase uma hora e meia o programa girou em cima do mesmo bordão, sobre as intenções do The Intercept com o dossiê, sem o menor conhecimento sobre o papel do jornalista, da polícia e do político.

Como é possível perguntas do tipo: no caso do Snowden, ele invadiu porque conhecia o conteúdo. Como explicar uma invasão prévia dos arquivos da Lava Jato antes dos invasores saberem o que havia?

Os entrevistadores não conseguiam distinguir o papel do jornalista do hacker; ou do procuradores e do jornalista.

Ou então, pretendendo comparar as críticas de Glenn contra os vazamentos da Lava Jato com os vazamentos da Vaza Jato, demonstrando uma ignorância completa em relação aos poderes, prerrogativas e responsabilidades de juízes e procuradores, em relação aos jornalistas.

Foram muitas perguntas descabidas.

Uma delas, é o estranhamento da razão de denúncia tão forte – como a de que Deltan Dallagnol negociou apoio a uma ONG com empresas envolvidas na Lava Jato – ter saído agora e não antes. Porque Cabral descobriu o Brasil no dia 21 de abril, e não um mês antes? Como se a ordem dos fatores mudasse o resultado. Ou a indagação se ele estaria sugerindo substituir repórteres por hackers. A tudo Glenn respondia pacientemente, recorrendo aos fundamentos do jornalismo.

Uma das peças mais utilizadas pelos entrevistadores foi o manual das semelhanças indevidas.

Pergunta de uma jornalista: qual a diferença entre sua alegação (denunciando as fakenews contra seu marido) e a de Deltan, de que os vazamentos da Vaza Jato visam comprometer a Lava Jato? A diferença é de uma obviedade ululante: Glenn assegura que as supostas denúncias sobre rachadinhas são falsas; e as informações da Vaza Jato verdadeiras.

A entrevista foi uma aula para o jornalismo brasileiro, mas também uma demonstração de que o jornalismo praticante perdeu noção dos princípios e papéis básicos do jornalismo. Mostra que há uma ignorância ampla sobre fundamentos básicos de jornalismo, praticados em qualquer país civilizado. Lembra em muito os jornalistas do sistema nos tempos da ditadura.

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • É isso que acontece quando jornalistas deixam de fazer jornalismo e passam a usar o jornalismo como forma de defender suas posições políticas. Para os entrevistadores o jornalismo deixou de ser o foco e passaram a questionar a idoneidade da série de matérias, para tentar proteger o patrimônio Lava Jato que tanto ajudaram a construir.

  • Não são jornalistas. Nunca passarão de focas amestradas, tentando garantir o pão de cada dia. São eternos sabujos ou capitães do mato, agarrando-se a todo custo aos ditames de seus superiores para não ficarem desempregados.
    Esquecem-se que, atrás deles, há uma leva enorme de focas ávidas para tomar o assento que as atuais focas ocupam.
    É questão de tempo, porque, quem muito se abaixa, mostra os fundos, e ninguém o respeira.

    • Penso que você pôs o dedo na ferida! O problema de fato, da nossa nação, é a falta de ética, de princípios morais a que possa recorrer quando o conhecimento não é suficiente. Esta classe média formada pelo consumismo, pela preguiça, pela subserviência diante dos poderosos, só pode resultar em um jornalismo apático, incapaz e covarde.

      • O pessoal que estuda a cultura do nosso país diz que revogar a Lei de Gerson é muito, muito difícil. E até revogarmos, através políticas e práticas de conversão de privilégios em direitos e de fazer valer a letra da lei quanto a abuso de poder, continuaremos nesse faroeste "americano", nessa terra de milícias, justiceiros, concedendo a "batmans e super-homens" o poder de julgar e condenar: ganha o mais violento.

        É possível uma outra justiça, baseada em leis. Há inclusive no nosso país, juízes, promotores... operadores do Direito que a praticam. Mas precisaríamos construir primeiro essa possibilidade no nosso imaginário coletivo. Tá bom que ficar só no imaginário não adianta nada. Mas sem o imaginário, levar para o concreto... o que?

  • Se não erro, a tal "roda-morta" há muito se tornou instrumento dos bolsodorias e outros menos votados, portanto, mesmo que o jornalista do "vaza-jato" deva se submeter aos chacais-direitistas-bolsonazis da vida, não há como esperar nada além da ignorância-mercantilista-subserviente-dessa-cambada. O Glenn, pois, foi de paciência abissal ante tais vacas-mortas da vida. Tanto é verdade que, dos "inquisidores", até hoje, nada foi coberto em relação às denúncias; ao contrário, continuam bajulando a "anticorrução" que, de combate à corrupção, mesmo, não tem nadica de nada: tivesse, não estariam "vendendo-suas-almas-pelo-resto-da-comilança-dos-de-sempre".

  • Bom dia, Nassif. As perguntas que você apresentou e que deveriam ter sido feitas ao Greenwald, evidenciam os motivos pelos quais você não participa desse tipo de entrevista.
    Você, o Greenwald e, graças a Deus, uns tantos outros, --- cujos nomes não cito para não correr o risco de esquecer alguém ---, sabem o que é ser jornalista.
    Ainda assim, você é um ponto fora da curva nesse ambiente.
    Parabéns por seu trabalho e pela qualidade das informações e análises que faz.

  • Repito o comentario aa postagem anterior sobre o assunto.

    Não é falta de noção sobre o jornalismo e seus fundamentos, e adversantismo politico. Se é favorável ao PT, PT, PT e ao Lula, às favas com os Diretos Constitucionais, inclusive os que delineiam a própria profissão. Quando atingir aliados ou algum interesse próprio, imediato, passam a defender, simples assim.

    Ou alguém acha que nos Tribunais Superiores não sabem o que é Devido Processo Legal, Direito de Defesa, Presunção de Inocência, Juiz Natural, Imparcialidade, Juízo de Exceção, etc? É claro que sabem. Uma primeiroanista de Direito sabe.

    Todavia, achei que “o timming” dessa entrevista do Greenwald no Roda Viva foi bem sugestivo, foi como se tivessem a “última chance” de desmoraliza-lo. Talvez tenham se "preparado" do mesmo modo que os apresentadores do JN antes de entrevistar a Dilma em 2014. Só faltou o dedinho em riste da Patricia Poeta...

    A pergunta sobre a substituição de jornakistas por hackers, alias, é do mesmo quilate.

    Felizmente pra democracia o Grenwald se saiu muito bem. Ele tem estofo, sabe o que está fazendo, e, muito importante, sabe com quem está lidando.

    Não poderia ser diferente. A angustia nos nos ninhos golpistas deve ter aumentado Mas, isso nao garante coisa alguma ainda. A cara de pau dos golpistas é de madeira dura, dificulta até pra cupim.

  • Repito o comentario aa postagem anterior sobre o assunto.

    Não é falta de noção sobre o jornalismo e seus fundamentos, e adversantismo politico. Se é favorável ao PT, PT, PT e ao Lula, às favas com os Diretos Constitucionais, inclusive os que delineiam a própria profissão. Quando atingir aliados ou algum interesse próprio, imediato, passam a defender, simples assim.

    Ou alguém acha que nos Tribunais Superiores não sabem o que é Devido Processo Legal, Direito de Defesa, Presunção de Inocência, Juiz Natural, Imparcialidade, Juízo de Exceção, etc? É claro que sabem. Um primeiroanista de Direito sabe.

    Todavia, achei que “o timming” dessa entrevista do Greenwald no Roda Viva foi bem sugestivo, foi como se tivessem a “última chance” de desmoraliza-lo. Talvez tenham se "preparado" do mesmo modo que os apresentadores do JN antes de entrevistar a Dilma em 2014. Só faltou o dedinho em riste da Patricia Poeta...

    A pergunta sobre a substituição de jornalistas por hackers, alias, é do mesmo quilate.

    Felizmente pra democracia o Grenwald se saiu muito bem. Ele tem estofo, sabe o que está fazendo, e, muito importante, sabe com quem está lidando.

    Não poderia ser diferente. A angustia nos nos ninhos golpistas deve ter aumentado Mas, isso nao garante coisa alguma ainda. A cara de pau dos golpistas é de madeira dura, dificulta até pra cupim.

  • Nassif ele tem dado diversas entrevistas presenciais e online e penso que você conseguiria um tempo com ele, para poder fazer estas perguntas mais importantes e profundas.

  • Pô Nassif! Você deveria montar uma bancada com uma meia dúzia de cobras criadas e fazer o que os bananas da Curtura não quiseram e não fizeram.

    Ia ser muuuito bom!

  • Não achei que os entrevistadores foram tão mal assim. Fizeram perguntas que muitas pessoas estão fazendo e deram a possibilidade do Glenn responder com tranquilidade (e muito bem, por sinal).

  • Não penso que haja "uma ignorância ampla sobre fundamentos básicos de jornalismo".
    Talvez exista uma generalizada prostituição de consciências.
    O que, é preciso reconhecer, deve ser visto de forma um tanto relativa, assim como no caso da prostituição sexual. Afinal, num país com extrema desigualdade de renda, desemprego, sem redes de proteção social digna, o caminho para a humilhação é muito curto.

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