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Requiém do jornalismo

Raimundo Pereira sempre teve compromissos políticos. Mas manteve intacto o compromisso com o jornalismo, que desenvolveu desde os tempos brilhantes da revista “Realidade”.

Sua matéria na “Carta Capital” sobre a cobertura da imprensa das fotos do dinheiro que seria pago pelo “dossiê Vendoin” é uma aula de jornalismo sobre o antijornalismo que parece ter tomado definitivamente conta da mídia.

Nos últimos anos houve vários exemplos de matérias encomendadas, várias evidências de mistura de jogadas empresariais e reportagens, e várias coberturas em que se misturavam cumplicidade com a polícia e autodefesa de jornalistas – como no caso do Bar Bodega, em que muitos jornalistas conviveram por um mês com um delegado que, depois se soube, torturou meninos injustamente acusados do crime, e nenhuma das testemunhas jamais veio a público denunciar o complô.

Mas em nenhum desses casos houve uma abrangência tão grande de veículos e uma falta de limites tão acentuada – independentemente da gravidade dos episódios cobertos – quanto a cobertura da foto dos maços de notas que seriam utilizados para a compra do “dossiê Vendoin”.

A reportagem de Raimundo não é partidária, não é militante, não é raivosa, não trata a falta de escrúpulos com falta de escrúpulos – como tem sido a marca desses tempos de escuridão, nessas batalhas absurdas de capas atacando Lula e atacando a oposição. É fria e lógica como uma cirurgia de especialista. Não desperdiça palavras, não gasta acusações, apenas confronta princípios básicos de jornalismo com a atitude de cada veículo, repórteres e direção, no episódio em pauta.

Menciona gravações do delegado que vazou os maços de nota, a cumplicidade com jornalistas, jornais acobertando mentiras, como a versão de que as fotos haviam sido furtadas – versão divulgada a pedido do proprio delegado, conforme gravações preservadas por repórteres indignados e impotentes.

A exemplo de tantas campanhas absurdas dos anos 90, não adianta invocar a presença do “inimigo”, do crime a ser combatido pouco importando os meios. Os atingidos pela cobertura não foram Lula, nem os “aloprados”, nem mesmo o primeiro turno das eleições: foi o exercício do jornalismo, pelas mãos de algumas pessoas que, pelo cargo que ocupam, deveriam ser os maiores guardiões desses princípios.

Os 67 mil exemplares da “Carta Capital” não se equiparam à tiragem das grandes publicações. Mas cada exemplar com a matéria de Raimundo ficará pairando no ar, como um alerta sobre o que ocorre com jornalistas e publicações, quando colocam paixões e interesses acima dos princípios jornalísticos.

Luis Nassif

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