Órgão que fiscaliza trabalho escravo se recusa a cumprir portaria de Temer

Foto: Agência Brasil

Jornal GGN – Embora o Ministério do Trabalho do governo Michel Temer diga que a portaria 1.129, editada em 13 de outubro passado, criminaliza o trabalho escravo no Brasil, a verdade é que o órgão subordinado à pasta e responsável por fazer a fiscalização no dia-a-dia não concorda com as mudanças e orientou seus auditores a manter as práticas regulamentas por leis anteriores.

Isso é o que consta no memorando que a Secretaria de Inspeção do Trabalho publicou na segunda (16), com o objetivo de informar os auditores fiscais do trabalho sobre a posição do órgão sobre a portaria.

“A SIT orienta seus auditores a manter, por ora, as práticas conduzidas pelos normativos que até então regularam a fiscalização para a erradicação do trabalho em condições análogas à de escravo. notadamente da Instrução Normativa nº 91, de 5 de outubro de 2011, e a portaria Interministerial nº 04/2016”, diz o memorando.

Assinado por João Paulo Ferreira Machado, o memorando aponta que a portaria “não reflete as práticas e técnicas adotadas por esta Secretaria de Inspeção do Trabalho nos procedimentos de fiscalização para erradicação do trabalho escravo.”

A discordância motivou a Secretaria a demandar a “revogação” da portaria, “apontando tecnicamente os motivos para tal”. Além disso, segundo o órgão especializado, a portaria assinada por Temer fere leis mais importantes, como a própria Constituição.

(…) foram detectados vícios técnicos e jurídicos na conceituação e regulação do tema que pretende disciplinar, bem como aspectos que atentam contra normativos superiores à portaria, tais como a Constituição da República, a Convenção 81 da Organização Internaciona do Trabalho e o Código Penal, entre outros.”

Não obstante, a Secretaria deixa claro que nenhuma de suas unidades, especialmente a Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo, participou do processo de estudo, elaboração ou edição da portaria nº 1129/2017.

“A portaria nasceu em agosto do ano passado, no Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e tramitou apenas na Consultoria Jurídica e no Gabinete do Ministro desta Pasta”, explicou.

Em nota à imprensa, a Comissão Episcopal Pastoral Especial de Enfrentamento ao Tráfico Humano da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) denunciou que a portaria editada por Temer apenas atende a pressão de setores interessados em fugir da fiscalização e responsabilização por trabalho análogo ao escravo.

A principal mudança está no novo conceito de que o flagrante de trabalho escravo só acontece se houver impedimento de ir e vir, “em ambiente de coação, ameaça, violência”. O sentido das expressões e termos que já balizam o tema há anos foram distorcidos para afrouxar a punição.

O governo Temer também dificultou o acesso à lista de empresas enquadradas por trabalho escravo.

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Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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  • O art. 149 do Código Penal é

    O art. 149 do Código Penal é cristalino. Reduzir alguém à condição análoga á de escravo é um crime grave que deve ser perseguido mediante ação penal pública incondicionada. A competência para processar e julgar o réu é da Justiça Federal:

    “DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 149 DO CÓDIGO PENAL. REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. TRABALHO ESCRAVO. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. DIREITOS FUNDAMENTAIS. CRIME CONTRA A COLETIVIDADE DOS TRABALHADORES. ART. 109, VI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. A Constituição de 1988 traz um robusto conjunto normativo que visa à proteção e efetivação dos direitos fundamentais do ser humano. A existência de trabalhadores a laborar sob escolta, alguns acorrentados, em situação de total violação da liberdade e da autodeterminação de cada um, configura crime contra a organização do trabalho. Quaisquer condutas que possam ser tidas como violadoras não somente do sistema de órgãos e instituições com atribuições para proteger os direitos e deveres dos trabalhadores, mas também dos próprios trabalhadores, atingindo-os em esferas que lhes são mais caras, em que a Constituição lhes confere proteção máxima, são enquadráveis na categoria dos crimes contra a organização do trabalho, se praticadas no contexto das relações de trabalho. Nesses casos, a prática do crime prevista no art. 149 do Código Penal (Redução à condição análoga à de escravo) se caracteriza como crime contra a organização do trabalho, de modo a atrair a competência da Justiça federal (art. 109, VI, da Constituição) para processá-lo e julgá-lo. Recurso extraordinário conhecido e provido.” (STF, RE 398.041/PA, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA). 

    O ataque cometido por Michel Temer ao princípio constitucional da legalidade neste caso é sério. 

    E deveria ser suficiente para despertar o alarme das autoridades judiciárias nacionais e internacionais.

    Um governo que se move ilegalmente para legitimar a escravidão ou para impedir seu combate pode ficar tentado a autorizar assassinatos políticos e, inclusive, genocídios. Impossível esquecer que antes de serem sistematicamente assassinados, os judeus foram escravizados pelos nazistas. 

    • Gravíssimo, pois MT ter sido prof de Direito Constitucional

      O crime cometido com a edição/baixamento dessa portaria é doloso, pois ao atual ocupante da presidência da república, após o golpe de Estado, já atuou como professor de Direito Constitucional. Ou seja: MT sabe que a portaria que permite o trabalho esravo e manté impunes os responsáveis por esse crime é FLAGRANTEMENTE INCONSTITUCIONAL e mesmo assim a baixou, em troca de votos que a bancada ruralista pode lhe dar, livrando-lhe de denúncias criminais que necessitam de autorização da Câmara Federal para terem prosseguimento no STF. E o STF, se não se manifestar, também será conivente com mais esse crime cometido por MT e comparsas.

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