Participação popular e a coerência com aquilo que se propõe

Ref. ao post: Os novos temas que a campanha de Marina trouxe para o debate

Nassif, 

No que se refere ao aperfeiçoamento da democracia, concordo que o ingresso de Marina Silva na disputa permita com que qualifiquemos o debate, em especial considerando a grita tão histérica dos meios de comunicação com relação ao decreto presidencial a respeito da política de participação social.

O problema, a meu ver, é que os termos da discussão a respeito das ideias de Marina sobre os mecanismos de engajamento cívico precisam ser percebidos em outros termos. Eu venho defendendo que todo e qualquer instrumento de participação popular não pode ser percebido como algo bom em si mesmo, ou como um fim em si mesmo. Os instrumentos, como meios, devem ser coerentes com os fins a que se propõem. De outra forma, há um considerável risco de que se tornem uma espécie de fetiche, consubstanciado a partir de seu uso como um evento que não leva àquilo que, em tese, deveria se propor. E, mais gravemente, esses instrumentos podem funcionar como estratégias absolutamente autoritárias. E aqui, no entanto, antes que alguém me apedreje, minha crítica vai exatamente no sentido contrário de algum liberal clássico ou de algum direitista elitista. Minha objeção vai pela esquerda.

Meu ponto é que entregar à sociedade (às maiorias) deliberações de política pública que enderecem direitos de minorias, tal qual proposto por Marina por diversas vezes, p.ex., sobre o casamento gay ou sobre o aborto, constitui um feito incrivelmente autoritário – é a realização mais tacanha da ditadura da maioria tocquevilliana. Os plebiscitos, referendos e outras técnicas de submissão de temas polêmicos para o escrutínio popular são instrumentos que, brilhantemente, foram defendidos por representantes do pensamento progressista, como o Fabio Konder Comparato, o Boaventura de Sousa Santos, etc. Concordo com eles e entendo, sim, que têm um valor muito republicano e contribuem para o aprofundamento do sentimento democrático.

No entanto, não servem para todas as situações, como coloquei acima. O discurso de Marina, então, parece moderno, ousado – até radical – no que se refere à sua visão de democracia. A meu ver, contudo, em algumas circunstâncias se aproxima de uma leitura consideravelmente abstencionista e, até mesmo, autoritária. Em alguns contextos, em que predomina uma percepção conservadora da sociedade sobre temas pungentes, o estadista precisa dar um passo à frente e tomar decisões que soem polêmicas para dar sua contribuição ao avanço da sensibilidade social. Marina, ao querer submeter essas deliberações à própria sociedade, reforça o sentimento conservador presente, e ainda acaba por posar como ultrademocrática. Uma retórica sedutora, mas contraproducente.

No limiar, realmente será uma boa oportunidade para contrastarmos as visões sobre a democracia que ela, Dilma e Aécio possuem. Será uma chance para analisarmos e compreendermos o efetivo conteúdo progressista presente nas propostas e concepções de democracia que, direta ou indiretamente, cada candidato defende.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

View Comments

  • Sergio, excelente.

    Só um adendo; o PNPS, DECRETO Nº 8.243

    Art. 1º  Fica instituída a Política Nacional de Participação Social - PNPS, com o objetivo de fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil.

    Não é decisório como o plebiscito onde ao povo é consultado para decidir.

    O que Marina propõe é, como brilhantemente você alerta:

    proposto por Marina por diversas vezes, p.ex., sobre o casamento gay ou sobre o aborto, constitui um feito incrivelmente autoritário - é a realização mais tacanha da ditadura da maioria tocquevilliana.

    Pena de morte, por exemplo, possivelmente seria aprovada por vontade da maioria.

    • Exatamente

      se posto em plebiscito Marina consolida o mais horrendo conservadorismo, posa de progressista e sepulta os sonhos de muita gente..

       

  • Pensando na candidatura de Marina Silva

    Desde quando é possível referendar as vontades do povo, através de um plebiscito, num Governo que acena para a aliança com Economistas conservadores e que podem gerar um retrocesso econômico e social de proporções impensadas para o Brasil. 

    Vai haver um plebiscito honesto sobre o que significa a autonomia do Banco Central?

    Eu penso que não combinam os interesses do mundo com os interesses do sistema e seu 1% de apaniguados. 

    Não existe democracia que avance sem a busca pela Economia inclusiva e distributiva para todos os habitantes de um país e preocupada com o bem-comum.

    Não há como conciliar participação social nas decisões de um Governo que se alia da turma do mercado financeiro, turma que tem por interesse lucrar, lucrar, lucrar sem a mínima preocupação com mecanismos de acabar com as desigualdades sociais, as guerras e a pobreza no mundo. 

    Não há participação popular numa sociedade onde banqueiros mandam. E pelo que lemos até agora, os principais personagens econômicos de um Governo da Marina são defensores do mais radical neoliberalismo.

  • A valorização dos movimentos

    A valorização dos movimentos sociais e a participação popular nas decisões estão muito longe de ser as idéis centrais de Marina para o desempenho do poder se chegar lá. Não adianta tentar jogar isso no centro do debate sobre Marina porque este é o desejo da sua campanha de desvio do foco sobre o que está realmente em jogo. Suas idéias giram em torno da aceitação dos postulados sagrados do neoliberalismo e da condenação verbal da independência política da América do Sul, já expressa quando ela abominouu verbalmente o "bolivariansmo", como se fosse uma espécie de seita maldita que os nativos da ilha tropical professam secretamente para desafiar o poder colonial inglês. Esta é Marina, a bombástica sonhática da banca internacional, no Brasil aos cuidados do Banco Itau. que ao que parece pretende nada mais nada menos do que engolir o Banco do Brasil..

  • a questão é muito bem

    a questão é muito bem colocada.

    e por isso mesmo lembrei do tal do feliciano que provocou um escarcéu danado no congresso por suas posições direitistas e ultrapassadas.

    é uma questão recorrente no brasil, muito repetida na imprensa policial.

    questão da reduçaõ da idade e da punibilidade, essas coisas....

    imagine isso num ambiente em que o presidente não tem apoio político e é pressionado por pesquisas fajutas no calor da hora de um evento policialesco -

    o que dirá?

    eliminará s direitos conquistados depois de tanta luta pelos movimentos sociais?

    por isso acredito no decreto de participação social do governo federal, que no fundo resume o que já foi conquistado desde as movimentações sociais do abc etc e tal até agora,

    uma longa luta que todos conhecem,

    não é aventureirismo escroto que pode surgir assim de um momento emocional para outro, advindo dos desejos de uma só pessoa, notoriamente fundamentalista e messianica....

  • Não voto em Marina, nem

    Não voto em Marina, nem votaria em Campos, porque para nenhum dos dois o enfrentamento das desigualdades sociais é (ou era, no caso dele) a agenda prioritária, que se sobrepõe a todas as outras.

    Defendo a participação social, mas considero assunto menor. Reduzir a miséria e a pobreza é mais urgente. Acontece que estamos muito próximo do teto das políticas focalizadas, como o Bolsa Família, cotas em universidades etc. Daqui para frente, alguém vai ter que pôr a mão no bolso para que a equalização aconteça. Será um cabo de força. Talvez o pré-sal possa reequilibrar esses vetores, mas Marina não apresenta nenhum sinal confiável nessa direção.

    É a crise de modernidade que se avizinha. TODOS os países desenvolvidos passaram por isso. Não veja em Marina, nem em seu staff, solidez o suficiente para enfrentar essa tempestade. Pelo contrário, o arco de alianças que ela montou para essa eleição é um saco de gatos, cada um miando numa direção.

    A entrevista de Neca mostra isso. Foi uma espécie de "Carta aos Brasileiros" piorada, com objetivo claro de "acalmar" a seus pares, banqueiros e milionários paulistas. Não quero um país governado por e para milionários, que se acham os donos do país. Não são. Por isso, não voto em Marina.

  • Plebiscito? Participação popular?

    Vamos acordar minha gente, o que ela está propondo claramente é dar carta branca formalizada em lei para um grupo de executivos do mercado financeiro fazer o que bem quiser com a divida publica, a dívida externa, as taxas de juros, a taxa de cambio e a regulação do sistema financeiro.

    É isso que ela está propondo claramente, a famosa autonomia do BC, que nem o Aécio teve a cara de pau de mencionar claramente, a Marina levanta essa bandeira bem alto, e é isso que ela deve explicar e justificar pára a sociedade, que por sua vez deve cobrar dela uma justificativa detalhada dessa proposta para que todos percebam quais são suas intenções de fato.

     

  • A discrepância entre a manchete e o texto

    A discrepância entre a manchete e o texto, um exemplo comum de manipulação do PIG.

    Manchete no JB: Pesquisa Ibope sai nos próximos dias mostrando crescimento de Marina

    Texto: "Pesquisa Ibope de intenções de voto nas eleições de outubro sai nos próximos dias e o que se espera é que a candidata pelo PSB, Marina Silva, tenha disparado no Rio de Janeiro, tomando uma frente incalculável em termos percentuais, podendo estar colocando em risco até mesmo a candidatura que vinha ocupando os primeiros lugares".

    Veja que no texto, em lugar de uma afirmativa como aparece na manchete, lê-se "e o que se espera".

    Quem espera?

    Ridículo, não?

  • Não existe participação

    Não existe participação popular no ptismo é eufemismo para avalizar o autoritarismo.

    Por que,  se a participação não ir de encontro ao que o partido desejaserá defenestrada, deaqualificada.

    Particiapção popular para esquerda significa dar apoio ao governo nunca a critca.

Recent Posts

Choques políticos em série refletem bagunça institucional, por Antonio Machado

O chamado ativismo judicial provoca rusgas institucionais desde o tempo do mensalão, antecedendo os ataques…

12 horas ago

Lei de Alienação Parental: revogar ou não revogar, eis a questão

Denúncias de alienação descredibilizam acusações de violência contra menores e podem expor a criança aos…

13 horas ago

Papa Francisco recebe Dilma Rousseff no Vaticano

Os dois conversaram sobre o combate à desigualdade e à fome. Para Dilma, o papa…

15 horas ago

Exposição à poluição aumenta o risco de doenças cardíacas em moradores de São Paulo

Os pesquisadores constataram que pessoas que sofrem de hipertensão sofrem ainda mais riscos, especialmente as…

16 horas ago

Vídeo mostra a ação da polícia durante abordagem de Tiago Batan

Caso ganhou repercussão no interior de SP; jovem faleceu após ser baleado na região do…

17 horas ago

Roberto Campos Neto e o terrorismo monetário

É papel do Banco Central administrar as expectativas de mercado, mas o que o presidente…

18 horas ago