Erros de Pensamento na Análise do Presente, por Fernando Nogueira da Costa

Erros de Pensamento na Análise do Presente

por Fernando Nogueira da Costa

A cooperação social, talvez muito mais do que a competição, foi fundamental para evolução da humanidade. Dessa herança genética deriva nosso sentimento humano de suportar mal se sentir culpado pela não reciprocidade. Se recebemos qualquer coisa, mesmo sem a pedir, achamos que temos de dar algo em troca. Quanto mais simpático alguém é conosco, tanto mais tendemos a ajudá-la ou comprar dessa pessoa vendedora.

As pessoas reagem aos estímulos, mas não à intenção que há por trás deles. Se queremos saber qual é o real comportamento de uma pessoa, necessitamos examinar qual é o sistema de estímulo que está por trás dela.

Deixamo-nos ofuscar por um aspecto e, a partir dele, deduzimos a imagem completa. Fala-se em “efeito halo” tal como há um círculo luminoso em torno da representação de uma figura sagrada. São fatos fáceis de serem percebidos ou especialmente marcantes, mas, no fundo, estereotipagem resultante de preconceito.

À primeira vista, apenas com base em experiência pregressa com alguém parecido, olhamos o outro ser humano e, de imediato, já o classificamos segundo critério de amor ou ódio sem nenhuma nuance. O Efeito Halo leva a erro de pensamento.

A preguiça social surge quando o desempenho de cada indivíduo não é visível diretamente, pois se dilui em um grupo ou comitê. Por que investir toda minha força se consigo o mesmo com menos esforço e não sou notado? Pela lei do menor esforço, evito então ficar na malvista “posição do contra” e me acomodo. Então, o grupo erra por nenhum membro contrariar uma posição preestabelecida ou uma pauta pré-aprovada.

Um grupo de pessoas inteligentes toma decisões equivocadas porque cada membro ajusta sua própria opinião ao suposto consenso. Em relação às opiniões de especialistas, somos muito menos cautelosos do que em relação às outras opiniões, inclusive a nossa.

Eu, animal humano, acho que me comporto de modo correto quando me comporto como os outros. Assim, quanto mais pessoas acharem uma ideia correta, suponho que mais correta essa ideia será — o que, naturalmente, é um absurdo.

Somos proativos, mesmo em circunstância acidental, quando não adianta ser. Na evolução, inicialmente, a atividade compensava mais do que a reflexão. A inação de se aguardar não valerá nenhum reconhecimento de que houve prudência na espera, quando aquela situação era totalmente desconhecida por nós.

Já em uma situação clara e definida, quando tanto uma omissão quanto uma ação podem levar a um prejuízo, sempre optamos pela omissão. Os prejuízos causados pela inação parecem ser, subjetivamente, mais inofensivos. Melhor não se comprometer.

Falta-nos uma compreensão intuitiva para calcular probabilidades. Não temos nenhuma sensibilidade natural para avaliar riscos probabilísticos. Podemos ser uma escolha aleatória. Por isso, temos de prestar atenção para não cair no erro de pensamento individualista do tipo “sempre eu”, seja eu uma vítima, seja eu escolhido por outro critério, por exemplo, o de mérito.

Charlatões são pessoas que agem como se tivessem algum conhecimento. Aprenderam a se apresentar, aparentemente, como fazem os sábios. Mas não respondem como eles.

Ter múltiplas opções leva a uma paralisia interior, decisões piores, e insatisfação. Não se pode ter certeza de fazer uma escolha perfeita a partir de muita diversidade.

Sofremos, no entanto, o fenômeno da reatância: tiram de nós uma opção, e reagimos ressentidos, julgando como mais atrativa justamente aquela que se tornou impossível. Acertado seria julgar cada opção só com base na relação entre custo e utilidade pessoal.

Esqueça a autorregulação comunitária, onde cada cidadão só tem incentivo para defender o auto interesse! Não há nenhuma razão para, quando cada um defende apenas seu quinhão, se chegar a uma ordem espontânea de equilíbrio, inclusive ambiental.

Quem realmente quiser enfrentar um problema comunitário terá apenas duas possibilidades: privatizar ou regular via uma administração pública eleita. A primeira é a solução mais fácil – e, geralmente, injusta socialmente. A segunda, justa e difícil. Uma é o racionamento capitalista via preço da propriedade: os mais ricos têm o direito a quase tudo. Outra é o racionamento socialista da fila-de-chegada para repartir socialmente o problema da escassez: todos os pobres têm o mesmo direito a quase nada.

Nos leilões, devido à competição, a maior oferta é sistematicamente elevada demais. Portanto, o vencedor em um leilão é o verdadeiro perdedor. O valor de um bem ou uma concessão de serviço de utilidade pública é indeterminado sem as diversas atribuições subjetivas. A concorrência, em geral, superestima esse valor. Surge a “maldição do vencedor”: aquele que não consegue entregar sua proposta depois dela contratada.

O critério de seleção é confundido com o resultado. Daí a ilusão do resultado apriorístico. Quem seleciona os melhores, espera, naturalmente, a retroalimentação: ser o melhor.

O (falso) argumento para não se interromper algo que sabidamente não está dando certo como se esperava costuma ser: “se interrompermos agora, terá sido tudo em vão”.

Ilusão de controle é a tendência humana a acreditar que pode controlar ou influenciar alguma coisa sobre a qual, objetivamente, não tem nenhum poder. Pior, credita esse poder a um ser sobrenatural!

Tomamos decisões que, dependendo do horizonte temporal, são inconsistentes. Nossa “taxa de juro emocional” aumenta quanto mais próximo do presente estiver o possível resultado de uma decisão, devido ao nosso imediatismo. Preferimos não adiar recompensas, mesmo com o adiamento sendo mais compensador.

Apenas o risco zero é almejado por nós. Investimos muito, e inutilmente, para eliminar completamente um ínfimo risco residual. Porém, nada é completamente seguro. O futuro é incerto porque é resultante de um sistema complexo emergente de múltiplas interações de agentes descentralizados, descoordenados e desinformados das decisões uns dos outros.

Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/  E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com

Fernando Nogueira da Costa

Fernando Nogueira da Costa possui graduação em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (1974), mestrado (1975-76), doutorado (1986), livre-docência (1994) pelo Instituto de Economia da UNICAMP, onde é docente, desde 1985, e atingiu o topo da carreira como Professor Titular. Foi Analista Especializado no IBGE (1978-1985), coordenador da Área de Economia na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP (1996-2002), Vice-presidente de Finanças e Mercado de Capitais da Caixa Econômica Federal e Diretor-executivo da FEBRABAN - Federação Brasileira de Bancos entre 2003 e 2007. Publicou seis livros impressos – Ensaios de Economia Monetária (1992), Economia Monetária e Financeira: Uma Abordagem Pluralista (1999), Economia em 10 Lições (2000), Brasil dos Bancos (2012), Bancos Públicos do Brasil (2017), Métodos de Análise Econômica (2018) –, mais de cem livros digitais, vários capítulos de livros e artigos em revistas especializadas. Escreve semanalmente artigos para GGN, Fórum 21, A Terra é Redonda, RED – Rede Estação Democracia. Seu blog Cidadania & Cultura, desde 22/01/10, recebeu mais de 10 milhões visitas: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/

Fernando Nogueira da Costa

Fernando Nogueira da Costa possui graduação em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (1974), mestrado (1975-76), doutorado (1986), livre-docência (1994) pelo Instituto de Economia da UNICAMP, onde é docente, desde 1985, e atingiu o topo da carreira como Professor Titular. Foi Analista Especializado no IBGE (1978-1985), coordenador da Área de Economia na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP (1996-2002), Vice-presidente de Finanças e Mercado de Capitais da Caixa Econômica Federal e Diretor-executivo da FEBRABAN - Federação Brasileira de Bancos entre 2003 e 2007. Publicou seis livros impressos – Ensaios de Economia Monetária (1992), Economia Monetária e Financeira: Uma Abordagem Pluralista (1999), Economia em 10 Lições (2000), Brasil dos Bancos (2012), Bancos Públicos do Brasil (2017), Métodos de Análise Econômica (2018) –, mais de cem livros digitais, vários capítulos de livros e artigos em revistas especializadas. Escreve semanalmente artigos para GGN, Fórum 21, A Terra é Redonda, RED – Rede Estação Democracia. Seu blog Cidadania & Cultura, desde 22/01/10, recebeu mais de 10 milhões visitas: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/

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  • Você é Malthusiano/Lassaliano, Fernando Nogueira?

    Você está nos dizendo que:

    "Quem realmente quiser enfrentar um problema comunitário terá apenas duas possibilidades: privatizar ou regular via uma administração pública eleita. A primeira é a solução mais fácil – e, geralmente, injusta socialmente. A segunda, justa e difícil. Uma é o racionamento capitalista via preço da propriedade: os mais ricos têm o direito a quase tudo. Outra é o racionamento socialista da fila-de-chegada para repartir socialmente o problema da escassez: todos os pobres têm o mesmo direito a quase nada".

    Esse dilema é falso, meu Amigo. O seguinte trecho, retirado da Crítica do Programa de Gotha, de autoria de Karl Marx, mostrará o falso dilema:

    ""Partindo destes princípios, o Partido Operário Alemão aspira, por todos os meios legais, a implantar o Estado livre e a sociedade socialista; a abolir o sistema do salário, com sua lei de bronze e a exploração sob todas as suas formas; a suprimir toda desigualdade social e política."

    Voltarei mais adiante a essa coisa de Estado "livre". Assim, pois, doravante, o Partido Operário Alemão terá que comungar com a "lei de bronze do salário" lassalliana! E para que não se perca esta "lei", chega-se ao absurdo de falar em "abolir o sistema do salário" (o correto teria sido dizer o sistema de trabalho assalariado), "com sua lei de bronze". Se suprimo o trabalho assalariado, suprimo também, evidentemente, suas leis, sejam de "bronze" ou de cortiça. O que se dá é que a luta de Lassalle contra o trabalho assalariado gira quase toda em torno dessa chamada lei. Portanto, para demonstrar que a seita de Lassalle triunfou, deve-se abolir "o sistema do salário, com sua lei de bronze" e não sem ela.

    Da "lei de bronze do salário" a Lassalle não pertence, como é sabido, senão a expressão "de bronze", copiada das "ewigen, ehernen grossen Gesetzen" ("as leis eternas, as grandes leis de bronze"), de Goethe. A expressão "de bronze" é a contra-senha pela qual os crentes ortodoxos se reconhecem. E se admitimos a lei com o cunho de Lassalle, e portanto no sentido lassalliano, temos que admiti-la também com sua fundamentação. E qual é esta? É, como já assinalou Lange, pouco depois da morte de Lassalle, a teoria da população de Malthus (predicada pelo próprio Lange). Mas, se esta teoria for exata, a mencionada lei não poderá ser abolida, por muito que se suprima o trabalho assalariado, porque esta lei não regerá apenas no sistema do trabalho assalariado, mas em qualquer sistema social. Apoiando-se precisamente nisto, os economistas vêm demonstrando, há cinqüenta anos e até mais, que o socialismo não pode acabar com a miséria, determinada pela própria natureza, mas tão somente generalizá-la, reparti-la por igual sobre toda a superfície da sociedade!"

     

    O triunfo do socialismo pressupõe o elevado avanço das forças produtivas. Marx deixou isso claro nos dois trechos a seguir transcritos:

    "Esta “alienação” — para que a nossa posição seja compreensível para os filósofos — só pode ser abolida mediante duas condições práticas. Para que ela se transforme num poder “insuportável”, quer dizer, num poder contra o qual se faça uma revolução, é necessário que tenha dado origem a uma massa de homens totalmente “privada de propriedade”, que se encontre simultaneamente em contradição com um mundo de riqueza e de cultura com existência real; ambas as coisas pressupõem um grande aumento das forças produtivas, isto é, um estádio elevado de desenvolvimento. Por outro lado, este desenvolvimento das forças produtivas (que implica já que a existência empírica atual dos homens decorra no âmbito da história mundial e não no da vida local) é uma condição prática prévia absolutamente indispensável, pois, sem ele, apenas se generalizará a penúria e, com a pobreza, recomeçará paralelamente a luta pelo indispensável e cair-se-á fatalmente na imundície anterior. Ele constitui igualmente uma condição prática sine qua non, pois é unicamente através desse desenvolvimento universal das forças produtivas que é possível estabelecer um intercâmbio universal entre os homens e porque, deste modo, o fenômeno da massa “privada de propriedade” pode existir simultaneamente em todos os países (concorrência universal), tornando cada um deles dependente das perturbações dos restantes e fazendo com que finalmente os homens empiricamente universais vivam de fato a história mundial em vez de serem indivíduos vivendo numa esfera exclusivamente local. Sem isto: 1) o comunismo só poderia existir como fenômeno local; 2) as forças das relações humanas não poderiam desenvolver-se como forças universais e, portanto, insuportáveis continuando a ser simples “circunstâncias” motivadas por superstições locais; 3) qualquer ampliação das trocas aboliria o comunismo local. O comunismo só é empiricamente possível como ação “rápida” e simultânea dos povos dominantes, o que pressupõe o desenvolvimento universal da força produtiva e as trocas mundiais que lhe estejam estreitamente ligadas".

     

    Numa polêmica com Bakunin, o qual queria fazer a Revolução na Rússia, que era, à época, um país feudal, Marx escreveu:

    "A radical social revolution depends on certain definite historical conditions of economic development as its precondition. It is also only possible where with capitalist production the industrial proletariat occupies at least an important position among the mass of the people. And if it is to have any chance of victory, it must be able to do immediately as much for the peasants as the French bourgeoisie, mutatis mutandis, did in its revolution for the French peasants of that time. A fine idea, that the rule of labour involves the subjugation of land labour! But here Mr. Bakunin's innermost thoughts emerge. He understands absolutely nothing about the social revolution, only its political phrases. Its economic conditions do not exist for him. As all hitherto existing economic forms, developed or underveloped, involve the enslavement of the worker (whether in the form of wage-labourer, peasant etc.), he believes that a radical revolution is possible in all such forms alike. Still more! He wants the European social revolution, premised on the economic basis of capitalist production, to take place at the level of the Russian or Slavic agricultural and pastoral peoples, not to surpass this level [...] The will, and not the economic conditions, is the foundation of his social revolution".

     

    Fernando Nogueira, você estabeleceu um falso dilema segundo o qual ou continuaremos no capitalismo, com um punhado de ricos onipotentes eenquanto a imensa maioria da população vive na miséria, ou implantaremos o socialismo, onde toda a população viverá fatalmente na miséria.

  • erros....

    A Guerra Fria acabou faz tempo. Não estamos em 1964. Este país nunca teve escassez. Teve ignorância. Não usamos ainda 10% do nosso território para produção. Nossa pobreza é Ato Político, na manutenção da maioria da População num estado vegetativo. E aceitação desta condição. Fatalismos. Não somos vitimas, nem coitados. Somos Omissos, apenas isto. Omissos, enquanto esperávamos os resultados das promessas Socializantes e Democratas que chegariam a partir da Anistia de 1979. Esperamos por todas as promessas e por todos que as promteram. Em 2013, estes farsantes acordaram com esta população nas suas portas, mostrando que não acreditariam mais em mentiras. A máscara caiu. O Povo percebeu que perdeu novamente mais 40 anos acreditando em medíocres. Não inventamos a roda. Agora ela acreditará nela própria. "Do Povo, pelo Povo, para o Povo". Ou existe alguma Democracia, fora disto?

    • O Brasil é um latifúndio

      E latifundiário é improdutivo. Portanto, espere cada vez menos percentual do território brasileiro destinado á produção. E a produção de commodities é destinada aos estrangeiros, não aos brasileiros.

      Mas a culpa não é dos latifundiários, é dos esquerdistas, pois o papagaio come o milho mas são os esquerdistas que levam a fama.

      A Alemanha nazista era do povo alemão, pelo povo alemão e para o povo alemão. O Nazismo era democrático.

  • São as "virtudes"
     

    da cultura ocidental.

    A impaciência, o imediatismo, o egoismo e a indiferença social.

    Cobramos resultados sem investir em ações que o garantam.

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