Uma carta aos judeus que riram da fala racista de Bolsonaro, por Roberto Tardelli

Imagem – Estadão

do Justificando

Uma carta aos judeus que riram da fala racista de Bolsonaro

por Roberto Tardelli

Riram. Ouvem-se risos da plateia que achou graça; riram quando o mais abjeto sub-produto da cultura do ódio que nos une, afirmou, solene e para quem quisesse ouvir, que, em “visita” a um quilombo, afrodescendente mais magro pesava sete arrobas, que sequer para reproduzir serviria. Utilizou-se, não à toa, de uma unidade de massa que se pratica no comércio do boi de corte, no matadouro ou nos frigoríficos.

Explicitamente, animalizou os moradores das comunidades quilombolas, não sem antes assegurar que nenhuma demarcação de terra indígena deveria ser feita. Disse de forma jocosa, irônica. Os que riram, por certo o fizeram porque concordavam com o sarcasmo daquele um, cujo nome me soa impronunciável como o pior dos palavrões. Sórdido, conhecido como sórdido, o que disse estava à altura de seu nefasto repertório. Quem diz isso na frente de todos, deve dizer coisas muito piores na sua intimidade: se é ruim em público, deve ser horroroso no privado.

O que me chamou a atenção não foi somente sua afirmativa, mas quem ria, de quem partiam as risadas ao fundo. Eram judeus, que reuniam o pior de sua colônia, em torno de uma fogueira hebraica, onde foram ouvi-lo aquele abominável parlamentar. Cada um deles, cada um daqueles que riu da anedota do deputado, vulgarizou a perseguição que seus antepassados próximos sofreram; cada judeu que riu, cobriu de vergonha a memória dos judeus mortos no Holocausto, cada judeu que riu traiu sua história, sua gente, seu povo. Riram diante do extermínio dos quilombolas, que somente existem porque ante o massacre e humilhação da escravidão, ergueram comunidades, onde pisariam o chão como seres humanos, senhor cada qual de sua história, e não como reses, na forma que os reduziu as arrobas do canalha palestrante.

Como os judeus fizeram abrir o mar, os negros quilombolas abriram a mata fechada para fugir da opressão, para uma terra prometida onde jamais fossem torturados e mortos. A diferença é que os negros foram isolados na própria miséria, a diferença é que pagam até hoje pelo sonho de liberdade, a diferença é que morrem silenciosamente, sem protestos, sem indignações.

Como os judeus escravizados, os quilombolas enfrentaram doenças e mortes, pragas e feras, para que erguessem heróis que, todavia, jamais foram estudados pela História Oficial, que traça a biografia do bandeirante branco exterminador e que silencia o negro libertador e libertário. Quem conheceu uma comunidade quilombola – eu conheci – viu muita história e cultura, mas também isolamento e miséria, sem que coubesse qualquer anedota ou sarcasmo.

Os judeus, que protestavam fora do anfiteatro onde se dava a conferência (se é que assim se pode chamá-la) e nada mais faziam que sua obrigação, deveriam ter invadido o recinto e esmurrado um a um dos que estavam sentados, comportados e risonhos. Deveriam ter chutado de lá dentro o deputado e sua corja. Os judeus que protestaram fizeram apenas um contracanto, que serviu para elevar ainda mais o tom do genocida palestrante.

Um ator global, beirando os setenta anos de vida e lutando contra a velhice, uniu contra si toda a burguesia global bem nascida, ao de forma estúpida e abjeta assediar uma sua colega de trabalho, não atriz, mas uma figurinista, dirigindo-lhe vulgaridades machistas e misóginas. De galã da terceira idade, viu-se transformado no Conde Drácula e sua falta grave foi tema do Jornal Nacional, a quem teve que apresentar publicamente seu quinhão de culpas, após ter passado por intensa mobilização nas redes sociais.

Todavia, a anedota do deputado teve seus protestos circunscritos à turma de sempre. Esperaria vê-lo amaldiçoado pelo Diretor da Hebraica Carioca, fulminado por alguma autoridade consular importante de Israel, ter sobressaltado o Supremo e a Mesa da Câmara para que fosse processado por difamação e cassado por quebra de decoro parlamentar (jamais se viu algo assim), ter sido desmentido por alguém que lhe fosse próximo e amigo, que tivesse fechadas as portas de cafés, bares, restaurantes e posto isolado nos aeroportos.

Imaginaria que finalmente ele houvesse encontrado o fim de sua caminhada e que fosse processado criminalmente, que os sacripantas que riram de sua anedota fossem expulsos da comunidade judaica. Imaginaria que ele fosse condenado a pagar uma indenização ao Clube Hebraica e o Clube Hebraica condenado a pagar uma indenização a sei lá a quem, por ter convidado um verme para falar a seus associados.

Que o Ministério Público saísse de seu casulo protegido e monotemático e o processasse civilmente. Imaginaria o Procurador Geral da República e o Presidente do Supremo Tribunal Federal livres de picuinhas menores, lamentando e tomando todas as medidas contra o deputado.

Nada. A julgar pelas reações, a ofensa de José Mayer foi muito mais grave de a Jair Bolsonaro. Estamos definitivamente doentes. Atordoados pelo nosso ódio, atordoados porque nunca estivemos e fomos tão ruins.

Humanamente ruins.

Roberto Tardelli é Advogado Sócio da Banca Tardelli, Giacon e Conway. Procurador de Justiça do MPSP Aposentado.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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  • Qual a surpresa?
    Em um país

    Qual a surpresa?

    Em um país onde se matam mais de R$ 64 mil pessoas por ano sem que haja qualquer réstia de indignação de quem quer que seja,  você vai esperar o que?

    Em um país onde o povo aceita bovinamente golpes perpetrados por traíras e vendilhões que arruinam qualquer perspectiva de futuro do seu povo, você vai esperar o que?

    Em um país que permite que um juizeco de primeira instância destrua setores interiros de economia e ainda fique sob aplausos, você vai esperar o que?

    Em um país onde uma rede de televisão mande e desmande, prenda e solte, destrua reputações de descontentes, blinde corruptos ladrões, fascistas, estupradores, sonegadores, traidores da pátria e se permita que esta mesma rede de tv mantenha o povo na escuridão da ignorância, você vai esperar o que?

    Sinceramente, estou começando a achar que a única saída é o aeroporto.

  • Eu não creio que todos os

    Eu não creio que todos os judeus sejam santos, assim como nem todos os cidadãos egoista de qualquer região deste planeta o sejam... Mas, ainda sim, no oriente médio.... Israel é uma ilha de democracia e respeito aos direitos humanos... Muito ao contrário de muitos países daquela região aonde a religião islâmica dita como tudo deve ser, e muitas vezes não respeito as mulheres e os direitos humanos... 

    • Fernando,
      O texto não está

      Fernando,

      O texto não está discutindo se Israel tem ou não sistema democrático ou se os judeus são democráticos? Tão pouco o texto trata  sobre religiões, seja ela islâmica, católica ou mesmo a judaíca.   O texto fala de um grupo de judeus que riram sobre outras duas minorias aqui do Brasil (negros e indios), onde o palestrante fala a a um grupo de judeus  algumas barbaridades sobre estas duas minorias, uma delas já quase totalmente exterminada.  O  palestrante desumanizou, fez chacota e prometeu prejudicá-los enquanto alguns da platéia riam como se tudo fosse uma piada. É disso que o texto trata e coloca claro: por que aqueles judeus não aprenderam nada com o caminho do nazismo até o holocausto?

      Por que você mudou o foco? 

    • Respeito aos direitos humanos de quem...

      ...dos habitantes das áreas ocupadas militarmente que não é. Considerando todo o território sob controle militar temos cidadãos, onde se incluem os árabes israelenses, e os párias, que são os palestinos. Israel não pode e não deve ser considerado uma democracia que respeita os direitos humanos.

      • 100% contigo neste pensar...

        veja que chamou de ilha, direitos humanos só os deles

        impressionate como usam a palavra Democracia em vão, com zero de exemplos ou de resultados positivos

  • "O que me chamou a atenção

    "O que me chamou a atenção não foi somente sua afirmativa, mas quem ria, de quem partiam as risadas ao fundo. Eram judeus, que reuniam o pior de sua colônia, em torno de uma fogueira hebraica, onde foram ouvi-lo aquele abominável parlamentar. Cada um deles, cada um daqueles que riu da anedota do deputado, vulgarizou a perseguição que seus antepassados próximos sofreram; cada judeu que riu, cobriu de vergonha a memória dos judeus mortos no Holocausto, cada judeu que riu traiu sua história, sua gente, seu povo. Riram diante do extermínio dos quilombolas, que somente existem porque ante o massacre e humilhação da escravidão, ergueram comunidades, onde pisariam o chão como seres humanos, senhor cada qual de sua história, e não como reses, na forma que os reduziu as arrobas do canalha palestrante."

     

    Quem ficou chocadx com  a reação dos judeus na Hebraica carioca, certamente não leu ou se leu já esqueceu - o que é de se duvidar, dada a sua grandeza - do grande ensaio da judia alemã Hanna Arendt, "Eichmann em jerusalém, uma ensaio sobre a banalidade do mal" Neste livro ela nos conta que grande parte de toda a desgraça que se abateu sobre o povo judeu, não teria ocorrido se não contasse com a intima e vigorosa participação das emtidades e lideres judeus em cada país conquistados pelos nazista.

    Onde os judeus se recusavam a colaborar os dano foram infimos.

    Em Awshiwits, onde 300 mil judeus eram massacrados, o policiamento era feito por cerca de 5 mil  seguranças judeus recrutados no campo e vigiados por pouco mais de mil soldados alemães.

    Em cada cidade onde os nazistas chegavam, a primeira providencia era procurar os líderes judaicos para ajudar os nazistas a promoverem a deportação dos judeus.

    Na Alemanha, a Associação sionista, maior do mundo, que tinha, segundo ela, interresse em juntar o povo judeu num pedaço de terra sob seus pes e o geverno dos sionistas diziam aos judeus, "Usem com orgulho a estrela no peito" ; chegaram a fazer e vender uma braçadeira nos moldes da suasticas com a estrela de David para eles usarem.

    Os judeus mais ricos eram coinfinados em campo especial, uma especie de condominio, que no final foram exterminados como todos os outros.

    No fundo, no fundo, a qustão de fundo era uma questão de classe. 

  • Alerta

    Uma vergonha para todos os judeus e seus descendentes que sofreram as infames perseguições nazi-fascistas por toda parte e foram jogados em sórdidos fornos crematórios sob os sorrisos dos perseguidores. O palestrante convidado pela Hebraica Carioca e todos os golpistas atuais brasileiros são vinculados de uma forma ou outra aos ideiais nazi-fascistas brasileiros que por aqui também perseguiram e defenderam tais ideais.E agora recebem apoio descarado dos judeus que vivem no Brasil que não podem alegar ignorância a esse respeito porque são conhecidos. Quando os fascistas nacionais não tiverem mais socialistas a perseguir, prender e matar e negros para humilhar e jogar nas prisões voltarão suas baterias novamente contra os judeus como fizeram na Alemanha e toda a Europa. O dinheiro não compra tudo. Esqueceram essa verdade comprovada na Europa inteira no passado.

  • Qual é a diferença entre

    Qual é a diferença entre quilombo e campo de refugiados palestinos?

  • potencialidade evolutiva...

    nos que riram, nenhuma

    seguiram uma segunda vocação, a de adorar tipos bárbaro$ como Hitler

  • Judeu-Nazista existe e mora no Rio e SP

    A História registra que muito judeus foram colaboradores dos nazistas. Conribuíram inclusive para o Holocausto.

    Agora, pode-se apresentar a hipótese de que muitos desses judeus-nazistas vieram para o Brasil e fundaram a Hebraica no Rio de Janeiro e em São Paulo.

     

  • ora!

    ora! são os memos sionistas que fazem piquenique nos barrancos para assistir ao estupro de Gaza.

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