A Grande Crise

Emprego caiu mais nas indústrias com maior conteúdo tecnológico, por Lauro Veiga Filho

Emprego caiu mais nas indústrias com maior conteúdo tecnológico

por Lauro Veiga Filho

Num cenário extremamente hostil à atividade industrial em todo o País, com custos exorbitantes para o crédito e dólar muito barato, baixa demanda e perda de competitividade, as indústrias com maior conteúdo tecnológico foram responsáveis por mais da metade das demissões realizadas por todo o setor entre 2013 e 2019, período que inclui a recessão de 2015/16 e antecede ao da grande crise gerada pela pandemia. Segundo a mais recente edição da Pesquisa Industrial Anual (PIA), divulgada na quarta-feira, 21, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os setores industriais que processam produtos e bens de média e alta tecnologia reduziram o número de ocupados de 4,319 milhões para 3,551 milhões naquele período, numa queda de praticamente 18,0%.

As demissões significaram o afastamento de 767,78 mil trabalhadores naquelas áreas, que demanda mão de obra mais qualificada e pagam salários mais elevados do que a média do setor industrial. Os números da pesquisa mostram que a indústria como um todo demitiu pouco menos de 1,430 milhão de pessoas entre 2013 e 2019, reduzindo o número de ocupados para 7,618 milhões, em valores arredondados, frente a pouco menos de 9,048 milhões no início do período analisado. Assim, os setores com maior conteúdo tecnológico foram responsáveis por 53,7% do total de demissões na indústria. Os demais segmentos cortaram 14,0% do pessoal, fechando 661,97 mil vagas e reduzindo o contingente de empregados de 4,729 milhões para 4,067 milhões.

A política de cortes de pessoal trouxe como um os reflexos aparentes uma perda de participação da folha de salários sobre a receita líquida de vendas da indústria no mesmo intervalo. Neste caso, a diluição dos custos com salários, retiradas e outras remunerações ocorreu ainda porque as receitas experimentaram crescimento nominal muito mais intenso naquele período. De acordo com a PIA, as receitas líquidas subiram 34,1% desde 2013 até 2019, elevando-se de R$ 2,658 trilhões para R$ 3,564 trilhões. Como o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE, subiu 40,73% naquele mesmo intervalo, a comparação sugere uma perda real de 4,7% aproximadamente.

Perda de substância

Os custos com a folha avançaram em velocidade muito menor, crescendo 16,9% em termos nominais (o que teria correspondido a uma retração de quase 17,0% depois de descontada a variação do IPCA), saindo de R$ 267,907 bilhões para R$ 313,119 bilhões. Esses gastos passaram a corresponder a 8,78% das receitas líquidas com vendas, diante de 10,08% em 2013. Os cortes na folha, de qualquer forma, não parecem ter sido suficientes para contrapor ao incremento mais intenso dos custos das operações industriais, que aumentaram 39,5% entre as duas pesquisas analisadas, subindo de R$ 1,328 trilhão para R$ 1,853 trilhão. O peso desses custos sobre as receitas de venda foi elevado de 49,96% para 52,0%

Enquanto o valor bruto da produção aumentou praticamente 34,8%, de R$ 2,415 trilhões para R$ 3,255 trilhões para o conjunto do setor industrial, o valor da transformação industrial (VTI) registrou variação proporcionalmente mais modesta, crescendo 28,9% e passando de R$ 1,087 trilhão para quase R$ 1,402 trilhão igualmente entre 2013 e 2019. Na comparação entre aqueles dois indicadores, o VTI passou a representar 43,06% do valor bruto da produção realizada, diante de 45,02% no início da série. Lida de outra forma, essa relação sugere que a indústria reduziu relativamente a utilização de insumos e matérias-primas, ampliando a fatia de produtos mais elaborados ou bens finais em seu processamento – o que, de toda forma, parece reforçar a tendência de desindustrialização e perda de densidade do setor industrial brasileiro.

Os dados da pesquisa anual sugerem ainda que esse processo de perda de substância teria sido mais intenso entre as indústrias de menor conteúdo tecnológico (extrativa, alimentos, bebidas, fumo, têxteis e vestuário, produtos de couro e de madeira, móveis, gráficas, borracha, plásticos, produtos minerais não metálicos e produtos diversos). Nesta área, enquanto o valor bruto da produção aumentou 38,2%, o VTI apresentou variação de 27,10%. A relação entre os dois indicadores baixou de 47,13% para 43,34%.

A outra ponta inclui os setores de produção de petróleo, coque e biocombustíveis, químicos e medicamentos, máquinas e equipamentos, aparelhos elétricos, equipamentos de informática e ótica, veículos e outros equipamentos de transporte, além de reparação, manutenção e instalação de máquinas e equipamentos. Nestes casos, o valor bruto da produção cresceu 31,86% diante de avanço de 30,58% para o VTI, reduzindo marginalmente a relação entre esses indicadores de 43,24% para 42,82%.

Produtividade espúria

As demissões praticadas intensamente no período, com provável perda de experiência acumulada e inteligência voltada para processos industriais, produziram um aumento espúrio da produtividade industrial de forma geral. Neste caso, a produtividade é estimada a partir da divisão do valor da transformação industrial pelo número total de pessoas ocupadas no setor. O VTI, por sua vez, corresponde ao valor bruto de tudo o que a indústria produz, excluído o valor dos insumos, matérias-primas e outros bens utilizados no processo de produção, descontando-se ainda o valor do trabalho vendido pelos empregados (na prática, o total de salários pagos).

Assim, a produtividade por pessoa ocupada experimentou salto de 53,1% no período, passando de R$ 120,19 mil para R$ 184,02 mil. O crescimento foi relativamente mais vigoroso nos setores de maior conteúdo tecnológico, com alta de 56,1% – avançando de R$ 149,08 mil para R$ 232,70 mil, ou seja, quase 26,5% maior do que a média da indústria. Não por acaso, conforme já analisado, foi este o segmento que mais demitiu pessoal. Nos setores de menor tecnologia, a produtividade avançou 50,9% entre 2013 e 2019, de R$ 93,80 mil para R$ 141,51 mil, o equivalente a 76,9% da produtividade média na indústria geral.

Lauro Veiga Filho – Jornalista, foi secretário de redação do Diário Comércio & Indústria, editor de economia da Visão, repórter da Folha de S.Paulo em Brasília, chefiou o escritório da Gazeta Mercantil em Goiânia e colabora com o jornal Valor Econômico.

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

Redação

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  • Mais uma vez o resultado da opção dos empresários brasileiros em 2014 aparece nas páginas da imprensa sem a devida explicação. Ainda não tivemos na nossa imprensa, toda ela, uma responsabilização completa pela famosa "recessão de 2015/16".
    Em meados de 2014, durante a campanha eleitoral presidencial, um amigo engenheiro foi ao Estado do Paraná em uma visita de negócios e ouviu do empresário do setor agroindustrial que conforme deliberado nas associações empresariais paranaenses, como FIEP, APC e setoriais, "não dariam munição ao inimigo'.
    Não haveria crescimento econômico que pudesse ajudar a reeleição da então presidente Dilma. Um tiro no pé denotando empenho no auto sacrifício visando retirar um partido de centro-esquerda do poder.
    A incompetência do governo Dilma tem sido apontada como responsável pela crise de 2015-2016, sem que se estude o quanto a opção dos empresários paranaenses foi espelho de opção nacionalmente adotada.

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