A curva do desemprego e o novo normal brasileiro, por Artur Araújo e Gilberto Maringoni

A curva do desemprego e o novo normal brasileiro

por Artur Araújo e Gilberto Maringoni

OBSERVE ATENTAMENTE o gráfico anexo. Ele está na página do IBGE (https://www.ibge.gov.br/…/9173-pesquisa-nacional-por-amostr…) e indica as variações do nível de desemprego entre o início de 2012 e o final de 2019. Quase toda a história política recente do país pode ser explicada pelo acompanhamento dessa curva.

Embora o ritmo de criação de novas vagas tenha oscilado, os números absolutos e relativos de pessoas empregadas com carteira assinada aumentou desde 2005 até o final de 2014. No final desse ano, chegávamos a uma situação que se aproximava do pleno emprego, com uma taxa de 6,5% de pessoas sem trabalho em relação à população economicamente ativa.

Entre 2015 e 2016, houve uma hecatombe. Decisões governamentais fizeram com que o desemprego chegasse a 11,2%. Essa situação é expressa com a destruição de 12 milhões de postos de trabalho em 15 meses. Uma tragédia social e econômica. O pico do desemprego se dá no primeiro trimestre de 2017, com 13,7%.

O DESEMPREGO, além de levar milhões de pessoas ao desespero, reduz o mercado interno (a demanda) e desorganiza e enfraquece o poder de barganha dos trabalhadores. O economista polonês Michal Kalecki (1899 – 1970) sintetizou a situação numa palestra na Inglaterra, proferida em 1942:

“Sob um regime de pleno emprego permanente, a demissão deixaria de desempenhar o seu papel enquanto ‘medida disciplinar’. A posição social do patrão seria prejudicada, e a autoconfiança e consciência de classe da classe trabalhadora cresceria. As greves por aumentos salariais e melhorias nas condições de trabalho criariam tensão política. (…) A ‘disciplina nas fábricas’ e a ‘estabilidade política’ são mais apreciadas do que os lucros pelos líderes empresariais. Seu instinto de classe lhes diz que um pleno emprego duradouro é inaceitável a partir do seu ponto de vista, e que o desemprego é uma parte integrante do sistema capitalista ‘normal’”.

A ALTA DO DESEMPREGO TEVE UMA UTILIDADE CLARA para os governos e para o capital: enfraquecer o movimento dos trabalhadores e possibilitar a aprovação de deformas que penalizam o povo, como a trabalhista e a previdenciária.

Ao enfraquecer o potencial de lutas dos trabalhadores, o desemprego alto também pavimentou o caminho para o golpe de 2016 e para a eleição da extrema-direita em 2018.

A partir de 2017, o desemprego se estabilizou em uma faixa entre 13% e 11%. Ou seja, não houve nenhuma elevação abrupta como entre 2015-16. A percepção popular é de que a situação está ruim, mas parou de piorar e agora ocorre uma leve melhora.

Qual a explicação? Aconteceram DOIS VOOS DE GALINHA na economia nos últimos três anos, o que não ocorreu entre 2015 e 2016. São pequenas elevações da atividade econômica, que só atenuam a mediocridade do crescimento do PIB, mas fazem crescer, momentaneamente, o nível de emprego.

O PRIMEIRO foi a liberação dos saques do FGTS, entre março e junho de 2017, por parte do governo Michel Temer. Sem reverter plenamente a crise econômica, aquele ato significou a injeção de R$ 44 bilhões no consumo de uma única vez. Os indicadores do emprego tiveram leve melhora por alguns meses.

O SEGUNDO é um “keynesianismo sujo”, por força de algumas iniciativas do governo Bolsonaro em sua via recessiva geral. Há uma baixa histórica nas taxas de juros, redução de importações causadas pela retração interna – o que melhora os números da balança comercial e de pagamentos, também com adição do aumento circunstancial dos preços internacionais da carne – e uma desvalorização rápida do real, o que torna nossos produtos mais competitivos no plano externo. Repetiu-se a liberação de recursos do FGTS e os valores recebidos nos leilões de petróleo foram usados para liberação de pagamentos, principalmente por estados e municípios. Não se trata de uma tendência consistente da economia, mas de um alívio pontual.

Voltemos à curva, nesse último período. Há um aumento na criação de novas vagas. São precárias, parte expressiva em trabalhos intermitentes e de baixa qualificação. Mas há uma redução real no desemprego, em relação ao pico do início de 2017.

Em síntese, há a percepção daquilo que Kalecki expressou há quase 80 anos: “o desemprego é uma parte integrante do sistema capitalista ‘normal’”. Podemos afirmar que o desemprego elevado é o “novo normal” da economia brasileira, segundo o termo criado pelo economista e empresário estadunidense Mohamed El-Erian, há dez anos.

O “NOVO NORMAL” pode se transformar num padrão de desenvolvimento perene, que envolve crescimento econômico baixo, desemprego elevado, precarização laboral, redução de serviços públicos universais e mudanças comportamentais, como dissolução de vínculos de solidariedade e de identidade de classe, individualismo crescente etc.

Esse “novo normal” também explica muito o fato de Jair Bolsonaro ter conseguido estabilizar suas taxas de aprovação em torno de 30% da população. Isso possibilita que ele siga governando e gerando tensões políticas de toda ordem, enquanto o projeto ultraliberal e entreguista de Paulo Guedes continua apoiado pelo grande capital.

EM SÍNTESE, a curva do emprego pós 2014 explica parte expressiva da situação na qual vivemos, ao mesmo tempo em que orienta a direção em que as oposições devem centrar fogo: na qualidade da vida material dos trabalhadores, com ênfase decidida em menos desemprego, melhores empregos, renda do trabalho crescente e serviços públicos decentes e gratuitos.

Claro que o imponderável pode estar na próxima curva, onde estacionou Flávio Bolsonaro, assim como Sobrenatural de Almeida, sentado sobre a trave do Maracanã, produzia geometrias nada euclidianas, fazia bolas inviáveis entrarem no gol e chutes perfeitos se esvaírem em direção ao firmamento, para desespero de Nélson Rodrigues, grande cronista das exóticas normalidades nacionais.

Gilberto Maringoni

Gilberto Maringoni de Oliveira é um jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.

Gilberto Maringoni

Gilberto Maringoni de Oliveira é um jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.

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  • Esta em curso um processo brutal de demissoes na BR distribuidora. Quem nao aderiu ao pdv ou foi mandado embora ou terá reduções salariais.
    Vale acompanhar.
    Vai dar trabalho reverter a merds que este grupelho vem promovendo no Brasil.

  • O desemprego é uma manobra urdida pelo capital? Mas se os capitalistas não contratam, não terão quem faça o trabalho que necessitam. Não há nenhum interesse da parte dos donos dos meios de produção de limitar o emprego, pois quanto mais trabalhadores ativos, mais produção, e quanto mais produção, mais faturamento, e quanto mais assalariados, mais mercado consumidor. O que pode interromper este círculo virtuoso é não haver demanda para a oferta, o que acontece em um quadro de recessão. E esse quadro começou no segundo mandato de Dilma, em 2014 a economia já estava em queda. Não foram "decisões governamentais" tomadas em 2015 que instituíram o desemprego, ele era inevitável com a recessão. Nem o governo, nem os patrões têm o poder de ditar: o desemprego vai ser X% porque nos convém. Tanto um quanto o outro se beneficiam do pleno emprego.

    • Quanto mais gente qualificada desempregada, mais barato para se conseguir uma. Quanto mais gente empregada, mais greves pedindo aumento salarial e, por não ter gente desempregada para ocupar o lugar, mais as empresas têm que dar aumento salarial. A velha teria da oferta e procura também age no mercado de empregos. Você é muito ingênuo.

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